05.03

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Direito Tributário

Justiça mantém imposto de renda sobre rendimentos de trust

Por Beatriz Olivon

A Justiça Federal de São Paulo decidiu que herdeiros devem pagar Imposto de Renda (IRPF) sobre rendimentos oriundos de trust no exterior. Essa é uma das primeiras sentenças proferidas após a edição, no ano passado, de solução de consulta da Receita Federal a favor da tributação.

O trust consiste em um contrato privado, lastreado em confiança, em que o instituidor (chamado de settlor ou grantor) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém (o trustee) que assume a obrigação de administrá-los em benefício do próprio instituidor ou de pessoas por ele indicadas, geralmente herdeiros.

Esse tipo de contrato é comum no exterior e usado por algumas famílias para manter investimentos fora do país. Ele oferece algumas vantagens, como a possibilidade de somente disponibilizar o dinheiro para os herdeiros perante algumas condições preestabelecidas — idade, decisões empresariais, pagamento parcial, entre outros.

Advogados tributaristas afirmam que, na transferência de valores, de forma geral, não incide Imposto de Renda, por se tratar de doação e não de renda. A Receita, porém, defende a tributação. O entendimento está na Solução de Consulta nº 41, editada em março do ano passado pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que orienta os fiscais do país. É a primeira do órgão sobre o assunto.

Na época, a resposta foi considerada confusa por advogados, pela falta de detalhes do caso apresentado. Envolvia uma herdeira que passou a receber valores de trust nas Bahamas, após a morte do marido. Não foi informado se eram rendimentos ou todo o montante depositado no exterior, por exemplo.

Na solução de consulta, a Receita afirma que há incidência do imposto com base na Constituição Federal. O artigo 153, acrescenta o órgão, definiu de forma abrangente a competência da União de instituir tributo sobre a renda e proventos de qualquer natureza e o Código Tributário Nacional (CTN) detalhou as hipóteses para sua incidência, fixando inclusive que não depende da denominação da receita, localização ou nacionalidade da fonte.

A Receita ainda alega, no caso analisado pela 11ª Vara Cível Federal de São Paulo, que não está claro se o título jurídico da transferência patrimonial pode mesmo ser qualificado como doação, como defende o contribuinte. E acrescenta que, “mesmo que o seja, pode vir a ser caracterizado como doação em antecipação de legítima, o que deve ser oferecido à tributação no quinhão alusivo a eventuais ganhos de capital, nos termos da legislação aplicável ao IRPF”.

O processo (mandado de segurança nº 5017217-81.2020.4.03.6100) é de um beneficiário de trust na Nova Zelândia. Ele alega que os valores geridos pelo trustee foram declarados e objeto de tributação pelo IRPF ao aderir ao programa de repatriação — o Regime Especial de Regularização Cambial Tributária (Rerct). E que recebeu doações do fundo, entre 2016 e 2019, que foram declaradas à Receita Federal e tributadas pelo ITCMD.

Na decisão, porém, a juíza federal Regilena Emy Fukui Bolognesi entendeu que “o fato gerador do Imposto de Renda devido quando da declaração dos valores no âmbito do Rerct é distinto do fato gerador ora discutido”.

Para ela, o fato gerador é o recebimento de rendimentos do exterior, cuja hipótese de incidência encontra-se prevista no artigo 8º da Lei nº 7.713 de 1988. “Não há, portanto, ilegalidade na exigência do Imposto de Renda”, diz. “Como os pagamentos não se subsomem ao exato conceito de doação, não há que falar em isenção, em decorrência da necessidade de interpretação literal estabelecida pelo artigo 111, II, do Código Tributário Nacional.”

O advogado que atua no caso, Thiago Taborda Simões, sócio do TSA Advogados, pretende recorrer. De acordo com ele, a decisão “foi meio literal”, seguindo a solução de consulta.

Simões reforça que o trust é uma doação na qual uma pessoa coloca o seu patrimônio dentro de um veículo com a finalidade de doar para outra e que, na norma brasileira, é equiparada ao uso de fiduciário.

Segundo Caio Malpighi, do escritório Ayres Ribeiro, a sentença tem o mesmo erro da solução de consulta por exigir a cobrança de Imposto de Renda sobre mera transferência gratuita de patrimônio. “Muita gente usa trust no exterior para patrimônio. Isso está formando um precedente negativo para quem recebe dinheiro de trust de fora.”

Fonte: Valor Econômico, 04/03/2021.
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