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Direito Tributário

Banco é condenado por reter imposto de renda sobre trust

Por Bárbara Pombo

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou ao Banco Bradesco o desbloqueio de US$ 5 mil da conta de uma correntista que recebeu rendimentos de trust constituído nos Estados Unidos. De acordo com o processo, a instituição financeira reteve o valor para pagamento do Imposto de Renda (IR) sobre ganhos recebidos do exterior.

Trust é um contrato privado, lastreado em confiança, em que o instituidor (chamado de settlor ou grantor) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de bens a alguém (trustee) que assume a obrigação de administrá-los em benefício do instituidor ou de pessoas por ele indicadas, geralmente herdeiros.

Para advogados, a decisão é inusitada e espelha a dificuldade de lidar com a tributação de valores oriundos de trust, instrumento que não existe no Brasil. “Foi uma tentativa do banco de se resguardar”, afirma o advogado tributarista Caio Malpighi. “Mas por uma falta de clareza da Receita Federal sobre o que deve ser tributado”, acrescenta.

No caso analisado pelo TJSP, o bloqueio foi feito na conta de uma herdeira beneficiária de trust nos Estados Unidos, constituído antes do falecimento do marido americano. Segundo o processo, os rendimentos são depositados no Brasil para a subsistência da herdeira, já idosa.

O Bradesco justificou a retenção alegando que a Receita Federal exige o Imposto de Renda sobre os rendimentos oriundos de trust e que já há decisões da Justiça favoráveis à tributação.

Os desembargadores da 38ª Câmara de Direito Privado do TJSP consideraram, contudo, não haver regra que exija a retenção pelo banco do valor referente ao imposto. Julgaram, portanto, o bloqueio indevido. A decisão, unânime, já foi cumprida pela instituição financeira (processo nº 2267530-71.2021.8.26.0000).

“Fato é que não foi apresentada no recurso justificativa plausível para a retenção dos valores”, diz, na decisão, o desembargador Mário de Oliveira, relator do caso. Ele acrescenta que “independentemente de ser devida ou não a incidência de Imposto de Renda sobre as quantias oriundas de trust constituído nos Estados Unidos, não cabe ao agravante [banco] fazer essa análise. Aliás, caso exista alguma norma administrativa conferindo essa atribuição a ele, não foi comprovada nos autos”.

A decisão é acertada, segundo o advogado Érico Pilatti. “Não deve haver responsabilidade tributária da instituição financeira sobre eventual movimentação desses recursos do exterior para o Brasil”, afirma.

Para os tributaristas Daniel Zugman e Frederico Bastos, existe uma “areia no olho” que explica a atitude conservadora do banco ao fazer a retenção. “Há uma tendência da Receita Federal em sempre esticar a corda na responsabilidade tributária de terceiros”, diz Zugman.

Segundo Bastos, o risco de responsabilidade tributária, a incerteza sobre o instituto do trust e a manifestação do Fisco sobre a tributação de rendimentos oriundos de trust “formam a tempestade perfeita” que desencadeia na decisão proferida pelo TJSP.

A Receita, em 2020, orientou os contribuintes pessoas físicas a tributarem os rendimentos de trust - com alíquota progressiva até 27,5%. Está na Solução de Consulta nº 41 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que vincula os auditores fiscais do país. Foi uma resposta à dúvida de uma herdeira que passou a receber valores de trust nas Bahamas, após a morte do marido.

No ano passado, a 11ª Vara Cível Federal de São Paulo proferiu uma das primeiras sentenças sobre o assunto. Confirmou a tributação dos valores (mandado de segurança nº 5017217-81.2020.4.03.6100). Houve recurso, que ainda não foi analisado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede na capital paulista. O caso envolve beneficiário de trust na Nova Zelândia.

Na ocasião, a juíza federal Regilena Emy Fukui Bolognesi entendeu que o fato gerador do imposto é o recebimento de rendimentos do exterior, cuja incidência está prevista no artigo 8º da Lei nº 7.713, de 1988. “Como os pagamentos não se subsomem ao exato conceito de doação, não há que falar em isenção, em decorrência da necessidade de interpretação literal estabelecida pelo artigo 111, II, do Código Tributário Nacional”, afirma.

Tributaristas apontam, porém, uma margem para discussão sobre o que deve ser tributado: o recebimento do capital administrado pelo trust ou o rendimento gerado pela exploração do capital administrado pelo trust. “Na primeira hipótese, há grandes argumentos para não recolher o imposto. Na segunda, é maior a probabilidade de ter que recolher, mas ainda assim é discutível”, diz Malpighi.

O Bradesco, em nota enviada ao Valor, informou que não comenta casos em andamento na Justiça. O advogado da herdeira foi procurado, mas não foi localizado para comentar a decisão.

Fonte: Valor Econômico, 19/04/2022.
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