22.10

Imprensa

Comissão da Câmara dos Deputados aprova PEC dos Precatórios por 23 votos a 11

Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Fabio Graner e Lu Aiko Otta

A comissão especial da Câmara aprovou nesta quinta-feira por 23 votos a 11 a proposta de emenda constitucional (PEC) dos Precatórios com a autorização para que o governo não pague parte de suas dívidas judiciais e com mudança no teto de gastos, hoje a principal regra fiscal do país. Após a aprovação do texto-base por 23 votos, a comissão também rejeitou todas as oito emendas dos partidos de oposição e do Novo à proposta e com isso concluiu a aprovação do projeto. O texto agora precisa passar por duas votações no plenário, o que deve ocorrer na próxima semana.

O projeto promove uma manobra fiscal para liberar R$ 15 bilhões adicionais em gastos neste ano e pelo menos R$ 83 bilhões em 2022 para bancar um pacote de bondades que ajude a reeleição do presidente Jair Bolsonaro e dos parlamentares, como um auxílio de R$ 400 a 17 milhões de famílias carentes durante o próximo ano, uma ajuda financeira aos caminhoneiros e obras nas bases eleitorais.

A decisão ocorreu após dias de negociações entre a ala política do governo, a cúpula do Congresso e a equipe econômica, que atuou para conter danos diante das pressões para furar o teto de gastos (que proíbe o crescimento das despesas correntes do governo federal acima da inflação). A alternativa encontrada no final, e formulada no Palácio do Planalto, foi alterar o período de aferição do teto, de modo a abrir mais espaço para gastos na eleição.

O mercado financeiro reagiu a essas mudanças com a valorização do dólar, aumento dos juros cobrados do governo para rolagem da dívida e queda da bolsa de valores.

A leitura na Economia é que os ataques ao teto uniram todo os ministros políticos do governo e escalaram de nível. Se antes a situação estava mais restrita ao titular do Desenvolvimento Regional e ex-auxiliar de Guedes, Rogério Marinho, e ao do Trabalho, Onyx Lorenzoni, agora há um grande concerto entre Ciro Nogueira (Casa Civil), Flavia Arruda (Secretaria de Governo), Fábio Faria (Comunicações), que uniram forças com aqueles e encontram grande apoio no Congresso. O resultado levou ao pedido de demissão de quatro secretários do Ministério da Economia.

O parecer à PEC dos Precatórios foi elaborado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) em reuniões pela manhã com Ciro Nogueira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O texto foi apresentado à tarde na comissão especial e aprovado à noite, por 23 votos a 11.

O projeto autoriza gasto extra de R$ 15 bilhões este ano, ao ampliar o valor total do teto de gastos. Segundo Motta, além do pagamento do novo Bolsa Família em R$ 400 a partir de dezembro, esse dinheiro será usado para viabilizar o auxílio aos caminhoneiros prometido por Bolsonaro, a antecipação da compra de vacinas e permitir outras despesas.

Para 2022, segundo Motta, o espaço fiscal será de R$ 83 bilhões, dos quais R$ 44 bilhões a R$ 45 bilhões pelo não pagamento de precatórios, que passarão a ter o total pago anualmente limitado pela inflação, o que deixará uma conta bilionária para os próximos anos, e R$ 39 bilhões por causa na mudança do teto (que passará a ser calculado com base na inflação de janeiro a dezembro, e não de julho a junho).

O montante obtido a mais com a mudança no teto, contudo, é controverso. O especialista em contas públicas Guilherme Tinoco considera que a ampliação de espaço será de R$ 46,8 bilhões com o novo prazo de apuração. A partir do próximo ano, o projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) será enviado com base em estimativas e terá que ser reajustado durante a votação no Congresso por causa dessa alteração.

Segundo o relator, do espaço fiscal aberto, R$ 50 bilhões serão usados para pagar os R$ 400 as famílias carentes de janeiro a dezembro, dos quais R$ 12 bilhões serão gastos permanentes, com o reajuste em 20% no valor do Bolsa Família. Outros R$ 24 bilhões bancarão o aumento de despesas obrigatórias, como aposentadorias e o salário mínimo, por causa do aumento da inflação. O restante estará livre para outros gastos, o que incluirá obras indicadas pelos parlamentares.

A manobra fiscal foi apoiada pela base do governo e inclusive por partidos que defendiam maior rigor fiscal, como DEM e PSDB - os representantes dessas siglas sequer discursaram. As resistências ficaram restritas à oposição, do Podemos e do Novo, com o argumento de que o projeto dava um calote nos precatórios para abrir espaço para outros gastos, deixando os credores em prejuízo e piorando a credibilidade do país.

Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que a PEC promovia uma pedalada com péssimas consequências para a economia. “O governo se beneficia da inflação porque poderá gastar mais no ano eleitoral. O ministro se beneficia da alta do dólar porque seus recursos estão protegidos fora do país. Só que sai prejudicado é a população”, criticou. “Quem vai investir num Brasil que não paga as suas dívidas, que não cumpre contrato?”, concordou o deputado Gilson Marques (SC), do liberal partido Novo.

Já Motta defendeu que decidiu-se antecipar a revisão do teto diante da pandemia. “Ia ter reação [do mercado] qualquer que fosse a saída. O Congresso tinha que fazer uma escolha: se ajudava quem não tem o que comer ou sinalizar para o mercado. Buscamos o equilíbrio”, disse.

O parecer revoga a possibilidade de revisão do teto a partir de 2026 por lei complementar. Com isso, até 2036, só será possível alterar a regra fiscal por uma nova emenda à Constituição. “O governo está facilitando para ele no ano eleitoral e criando dificuldades para a reeleição do próximo”, atacou o consultor do Senado e especialista em orçamento, Vinícius Amaral.

Para obter o apoio de prefeitos e governadores, a PEC também estabelece regra para dar segurança jurídica a operações de securitização (venda de dívida ativa) pela União, Estados e municípios e permite as prefeituras parcelaram em 240 meses as dívídas com suas previdências próprias e com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

A PEC deve ser votada no plenário da Câmara na próxima semana e depois seguirá para o Senado, onde Pacheco defendeu que a proposta "parece mais justa" e que é "obrigação" do Congresso "dar uma solução" para o novo auxílio. "O que há de proposta na Câmara não é uma alteração no teto de gastos, ele continua a existir, a responsabilidade fiscal também. No entanto, há uma redefinição da regra relacionada à correção desse teto de gastos”, afirmou.

(Colaboraram Renan Truffi e Vandson Lima)

Fonte: Valor Econômico, 21/10/2021.
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