22.03

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Correção monetária e contratos de locação – Há possibilidade de revisão?

Thomaz Pereira Duarte
 
Um dos índices mais utilizados para correção monetária em contratos, especialmente nos de locação, é o Índice Geral de Preços do Mercado calculado pela Fundação Getúlio Vargas (IGP-M/FGV).
 
Ao longo do ano de 2020, esse índice teve representativa alta e fechou o ano acumulado em 23,14%. Há tendência de que o índice siga em alta, pois em fevereiro de 2021 a Fundação Getúlio Vargas divulgou uma alta de 2,53%, acumulando uma elevação de 5,17% no ano de 2021 e que corresponde a um acréscimo de 28,94% nos últimos doze meses.
 
Para se ter um comparativo, em 2020 a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) foi de apenas 4,86%, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acresceu 4,52%, o Índice Nacional de Custo de Construção (INCC) chegou a 8,81% e a variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) chegou a 5,17%.
 
O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) coleta os valores de vários itens do mercado, entre eles matérias primas, bens de consumo, bens de produção e os custos e insumos da construção civil. O IGP-M é feito com base em uma média que pondera a variação dos valores das matérias-primas e insumos ao produtor, os preços suportados pelo consumidor e também os custos e matérias-primas da construção civil. É muito utilizado em contratos de locação, energia elétrica e telefonia, por trazer uma visão ampla do ambiente econômico, pois é obtido através do resultado da média aritmética ponderada da inflação ao produtor (IPA – com peso de 60%), consumidor (IPC – com peso de 30%) e construção civil (INCC – com peso de 10%). No entanto, a maior parte deste cálculo é composta por commodities ligadas ao setor da indústria e do agronegócio e que são cotados em dólar.

Especificamente quanto aos contratos de locação, geralmente se utiliza como índice da correção o IGP-M (FGV) e, por isso, no ano de 2020, ocorreu uma alteração substancial nos locatícios em razão da expressiva variação do índice aplicado. Isso, por óbvio, afetou ao locatário que se viu obrigado a arcar com alugueres em valores substancialmente superiores ao que estavam previstos no contrato.
 
Essa dificuldade em suportar o locatício pode ter se agravado em razão da perda de faturamento (locação não comercial) ou perda da renda do locatário que torna a obrigação extremamente onerosa ou impossível de arcar em decorrência da disparada nos preços das commodities, da alta do dólar que impacta no cômputo do índice de correção contratado, decorre de um fator externo ao contrato e não previsto pelas partes.
 
Não se perca de vista que objetivo do índice de atualização monetária é a recomposição periódica da prestação (locatício) e que seja apurado de forma a representar a inflação do período. Quando um dos índices apurados destoa dos demais, está-se diante de uma excepcionalidade e, como tal, deve ser aplicado com reservas. Aliado a isso, está a manifesta imprevisibilidade do excessivo aumento do IGP-M já consolidado nos últimos doze meses que corresponde a 28,94% e descaracteriza o valor do locatício originalmente estabelecido entre as partes que integram a relação contratual.
 
O descompasso da variação do IGP-M, em comparação com os outros índices apresentados, demonstra que, de fato, ele está dissociado da inflação sentida pela população. Inclusive, como acima demonstrado, ele destoa até mesmo da inflação oficial medida pelo governo, através do IPCA. O descompasso é tão gritante que o IGP-M, no ano de 2020, foi tido como um dos melhores investimentos em razão da sua rentabilidade[1], o que, por óbvio, não se coaduna com atualização monetária e reestabelecimento da inflação do período, passando a ser, de fato, um investimento que remunera o locador de forma muito mais vantajosa que qualquer outro investimento de renda fixa no país.
 
Logo, a manutenção da aplicação do IGP-M aos contratos de locação tem condições de ser revista seja pelos contratantes, de forma consensual, seja mediante pedido ao Poder Judiciário, por meio de ação revisional de locação, na medida em que o índice não tem servindo como balizador para correção monetária e não reflete a desvalorização da moeda no período.
 
Ora, o contrato de locação, em regra, prevê o reajuste dos alugueres com base na correção monetária apurada na vigência do contrato, de forma previsível. A fixação do locatício é a remuneração do locador, enquanto a correção é a recomposição desse valor a atualidade do mercado. Quando há uma quebra dessa previsibilidade, quando o índice deixa de apenas reajustar o valor da moeda e representa um aumento superior a um quarto do valor do locatício, fica caracterizada a onerosidade excessiva que é passível de revisão.
 
Quanto ao índice propriamente dito, caso não seja viável a composição entre os contratantes, é possível postular em juízo a revisão deste ponto no contrato, desde que demonstrado que o IGP-M (FGV) não reflete a média dos índices inflacionários, sendo onerosamente excessivo mantê-lo como indexador no período.
 
Há, inclusive, recente decisão em tutela de urgência, proferida pela 12ª Vara Cível de São Paulo nos autos do processo nº 1000029-96.2021.8.26.0228, concedendo, liminarmente, a correção do aluguel de uma loja pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em substituição ao IGP-M. Trata-se de decisão que também foi apreciada sob as consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19), mas que pode ser um precedente em favor dos locatários que se socorram do Poder Judiciário casos as negociações extrajudiciais sejam infrutíferas. Em outro caso, em decisão proferida pela 24ª Vara Cível de São Paulo, determinou-se, liminarmente, nos autos do Processo nº 1123032-21.2020.8.26.0100, a substituição do IGP-M pelo IPCA, por entender que o IGP-M não reflete a real inflação no ano de 2020.
 
Portanto, a melhor saída é a composição entre as partes, mas caso não haja consenso entre os partícipes da relação negocial, pode o locatário judicializar o pedido revisional do contrato para que seja restabelecido o equilíbrio contratual e afastada a incidência de índice que, por circunstâncias alheias à vontade das partes e imprevisíveis ao tempo da celebração do pacto, tornaram a prestação excessivamente onerosa e, assim, garantir a preservação do negócio jurídico celebrado.

[1]Fonte: http://minhaseconomias.com.br/blog/investimentos/melhores-investimentos-2020. Consultado em 02/03/2021, às 19:35.
 
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