03.02

Imprensa

Direito Tributário

Empresas vão ao Carf para discutir como produtos devem ser classificados

Por Beatriz Olivon

Os integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tiveram que definir recentemente uma questão inusitada: se um produto da Givenchy ou da Ralph Lauren deve ser classificado como água de colônia ou perfume. Discussões como essa estão constantemente na pauta dos conselheiros. Envolvem a classificação fiscal para produtos nacionais ou importados - o que reduz ou eleva o IPI a pagar.

A questão é relevante porque o empresário leva em consideração a classificação fiscal para definir o valor de mercado de um produto. Importar, por exemplo, uma garrafa térmica inteira ou em partes faz toda a diferença. O IPI cai de 47% a zero.

A discussão vai além do IPI. Envolve também Imposto de Importação, multa por reclassificação e pode refletir em outros tributos. Quando a empresa é fabricante ou importadora cabe a ela a indicação da classificação fiscal do produto. Mas em caso de dúvida, o contribuinte poder fazer uma consulta à Receita Federal. E em caso de divergência, levar a questão ao Carf.

No caso dos “perfumes”, como tratou um conselheiro do Carf, estava em jogo uma cobrança total de cerca de R$ 3,9 milhões, envolvendo impostos e multas. Os valores eram cobrados da Cisa Trading pela importação de uma série de produtos de marcas como Givenchy, Ralph Lauren e Guerlain - identificados como eau de parfum e de toilette, que seria uma diferença comercial entre perfumes e águas de colônia.

A Receita Federal entende que todos devem ser classificados como perfume, com base na diferenciação entre os produtos feita pela Vigilância Sanitária. O órgão leva em consideração a porcentagem da composição aromática. A diferença de alíquotas é grande: a do perfume é de 42% e a da água de colônia de 12%.

O assunto é tão controvertido que foi resolvido no desempate a favor do contribuinte pela 3ª Turma da Câmara Superior do Carf - regra válida desde o ano passado. Os conselheiros decidiram que a definição da Vigilância Sanitária não se aplicaria.

Levaram em consideração o fato de que, na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a classificação dos perfumes e das águas de colônia independe dos valores absolutos da concentração da composição aromática (processo nº 12466.003142/ 2007-15). Para eles, a forma de distinção é comparativa, dentro da mesma linha de produtos.

Chapas e filmes de raio-x também foram analisados no ano passado pelos conselheiros. A Crestream do Brasil foi autuada por usar uma classificação de “filmes fotográficos” para esses produtos. Nesse caso, a alíquota de IPI seria zero.

O Fisco considerou, entretanto, que se tratava de outro tipo de filme, com alíquota de IPI de 15%, e cobrou, além do tributo, multa de 75% do valor devido e de 1% por erro na classificação fiscal. Também constavam PIS e Cofins com multa (processo nº 10831.01.3759/2007-16).

A Delegacia Regional de Julgamento cancelou a autuação por considerar as duas classificações estavam erradas. Mas manteve a multa de 1%, da qual a empresa recorreu no Carf. Ao analisar o caso, os conselheiros da 1ª Turma Extraordinária da 3ª Seção entenderam que a autuação não provou que a classificação da empresa estava incorreta e afastou a penalidade em setembro de 2020 - 13 anos depois da importação.

Em agosto, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção decidiu manter a multa aplicada à importadora Griffin por causa da classificação de um “agente orgânico de superfície” (preparação para limpeza). Para os julgadores, o erro de indicação da classificação da mercadoria na declaração de importação leva à aplicação da multa de 1% ainda que se conclua que a indicada na autuação seria igualmente incorreta. A classificação da Receita diminuiu o Imposto de Importação. O IPI era o mesmo.

No caso de um conjunto de garrafas térmicas importadas da China, a divergência entre Receita e a importadora Soprano Indústria Eletrometalúrgica era se a compra em partes equivalia ao produto final. A empresa apontou a importação de 5.717 corpos de garrafas térmicas de aço inox e 5.736 tampas, classificando como “parte de garrafas térmicas”. Para fiscalização, o correto seria classificar como “garrafas térmicas” (processo nº 19647.000477/2008-83).

A alíquota do Imposto de Importação para o produto em pedaços é zero enquanto para garrafas, 47%. No Carf, a 1ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção decidiu que se trata de importação de garrafas térmicas, ainda que desmontadas, em outubro. Foi mantida também a multa de 1%.

Além dos setores químico e de cosméticos, o setor agropecuário é um dos afetados pelas reclassificações. Segundo Ariovaldo Zani, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações), há muita importação de aditivos às rações, que não são fabricados no Brasil - em 2020, essa importação chegou a US$ 1,5 bilhão. “De maneira geral, o processo de desembaraço dos aditivos é comprometido por episódios divergentes de classificação, o que atrasa a liberação dos produtos”, afirma.

Além de ter que pagar taxas de permanência na alfândega, há problema no relacionamento com os clientes que compram esses aditivos e ficam à espera deles para concluir seu processo produtivo, segundo Zani. A cadeia produtiva movimenta cerca de 89 milhões de toneladas de ingredientes por ano. “É um prejuízo enorme que afeta toda a cadeia”, diz. O presidente do sindicato destaca que os produtos seguem uma classificação global.

Os prejuízos das empresas com a reclassificação vão muito além dos impostos, segundo Daniela Floriana, sócia do DFloriano advogados. “O problema da reclassificação fiscal começa no desembaraço aduaneiro”, afirma. “Às vezes, o custo de armazenagem sai até mais caro que o tributário.”

“A reclassificação também pode provocar uma distorção da concorrência”, afirma a advogada Diana Piatti Lobo, do escritório Machado Meyer. Diferentes empresas podem ter o mesmo produto com classificações variadas. E quem deve provar que o produto é diferente do que a empresa apresenta, acrescenta, é a Receita Federal.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que a matéria classificação fiscal em importação é “casuística”, sendo resolvida conforme as circunstâncias de cada caso concreto. Para o órgão, não há uma tese jurídica em questão.

Fonte: Valor Econômico, 02/02/2021.
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