20.04

Imprensa

Justiça começa a analisar ações sobre teletrabalho

Por Adriana Aguiar

O avanço do teletrabalho em meio à pandemia de covid-19 fez surgir uma dúvida na Justiça: onde o trabalhador deve ajuizar sua ação. Em recentes sentenças, juízes têm aceitado a cidade onde está localizada a empresa.

Em geral, a Justiça do Trabalho entende que o empregado deve entrar com ação no local onde prestou serviços. A previsão está no artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“As companhias perceberam que podem abrir vaga em qualquer lugar do Brasil ou até mesmo contratar no exterior. Ou mesmo um funcionário em home office pode trabalhar de qualquer lugar”, diz o advogado Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo Advogados.

Essa flexibilização no entendimento ocorreu em um caso julgado em São Paulo, envolvendo uma professora de uma instituição de ensino superior em Extrema (MG). Com a pandemia, ela foi morar na capital paulista, de onde dava aulas remotamente.

Na decisão, a juíza Tatiane Botura Sacariot, da 9ª Vara do Trabalho de São Paulo, levou em consideração que o contrato foi celebrado entre as partes na cidade de Extrema, onde a empresa está sediada, e local onde a professora afirma ter prestado serviços por mais tempo e ao qual sempre esteve vinculada, mesmo ao tempo em que trabalhou à distância.

Ela determinou que seria competente para julgar a ação uma das Varas da cidade de Pouso Alegre/MG, que responde pelas demandas trabalhistas de Extrema. A decisão é de outubro de 2020 e transitou em julgado em novembro (processo nº 1000924-87.2020.5.02.0009).

“Interpretar que o trabalho, para fins de fixação de competência, possa ser considerado onde era realizado o teletrabalho, implicaria facultar ao empregado uma comodidade não conferida pela lei em detrimento da parte adversa, acarretando dificuldade de defesa para aquela, a qual não detém poder (nem direito) de escolher o local em que o empregado deve fixar residência”, diz na decisão.

Em outro caso, a juíza Luciana Maria Bueno Camargo de Magalhães, da 84ª Vara do Trabalho de São Paulo, entendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para julgar uma ação trabalhista movida por um treinador de uma equipe de e-sport (jogos eletrônicos) estabelecida em Buenos Aires, na Argentina. O funcionário alegou que foi contratado em janeiro de 2020 e prestou serviços à distância, no Brasil, pela internet.

Ao analisar o caso, a juíza entendeu que, na realidade, tanto a contratação como a prestação de serviços se deram em Buenos Aires, onde está localizada a empresa e onde esta se beneficiou dos serviços prestados.

De acordo com a sentença “é cediço que as questões envolvendo teletrabalho são recentes e à míngua de disposição legal específica”. Mas considerando que o teletrabalho ocorre num ambiente virtual, acrescenta na decisão, seria “aplicável, por analogia, a regra de competência territorial estabelecida pelo parágrafo 1º do artigo 651 da CLT para a hipótese de trabalho externo, fixando-se a competência na localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado”.

No caso, segundo a juíza, “ resta incontroverso que a reclamada está sediada em Buenos Aires/Argentina, local ao qual o autor sempre esteve vinculado, não havendo filiais ou representantes em território nacional” (processo nº 1001095-13.2020.5.02.0084).

O advogado Fabio Medeiros afirma que o assunto ainda é muito recente, mas a tendência é que exista uma certa flexibilização das regras de territorialidade. Ele diz ter recebido consultas também de qual acordo ou convenção coletiva aplicar no caso de empresas que têm agora funcionários em diversos locais. Para ele, é necessário fazer um mapeamento dos funcionários e equipes para saber a qual unidade prestam efetivamente o serviço e seguir esse critério.

A advogada Caroline Machi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer Advogados, também entende que deve-se aplicar a convenção coletiva de onde aquele funcionário está alocado, para onde ele responde e presta serviços. “A empresa não pode depender da vontade do empregado. Até porque ele pode trabalhar uns dias em São Paulo, depois ir para a praia ou para a fazenda. Isso não importa mais. Por isso, o mais seguro é que se aplique a convenção coletiva de onde está o empregador”, diz.

Fonte: Valor Econômico, 20/04/2021.
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