26.02

Imprensa

Direito Tributário

Ministro do STF muda voto sobre tributação de herança e doação de bens no exterior

Por Joice Bacelo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli mudou o seu voto em meio ao julgamento sobre a possibilidade de os Estados tributarem doações e heranças de bens no exterior. Ele é o relator dessa ação na Corte. Manteve posicionamento contra a cobrança, mas mexeu na chamada “modulação de efeitos” — o momento em que a decisão deve ser aplicada.

A discussão definirá se o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) tem que ser instituído, obrigatoriamente, por lei complementar federal, ou se os Estados podem, por meio de normas próprias, estabelecer a cobrança.

Se a nova modulação proposta por Toffoli prevalecer, o Estado de São Paulo, por exemplo, que propôs o recurso em discussão na Corte, prevê impacto de R$ 5,4 bilhões — incluindo possíveis devoluções e o que deixaria de arrecadar com o imposto. Existem pelo menos 200 processos no Estado aguardando a decisão do Supremo (RE 851108).

Mas o julgamento terá repercussão geral. Assim, quando proferida, a decisão terá de ser replicada para todos os processos do país. Dos 27 Estados, 22 têm normas para tributar as doações ou heranças de bens localizados no exterior.

Quando apresentou o voto pela primeira vez, dando início ao julgamento, Toffoli propôs aos demais ministros que a decisão tivesse efeitos somente para as transferências de bens que ocorrerem depois da publicação do acórdão. O contribuinte, mesmo tendo razão, não poderia cobrar do Estado a devolução de valores já pagos.

Esse posicionamento foi bastante criticado no meio jurídico. Advogados afirmam que poderia promover uma corrida dos Estados para realizar o máximo de cobranças possíveis nessa janela de tempo. E, além disso, dizem, serviria como um incentivo para a edição de leis inconstitucionais.

Agora, Toffoli alterou o voto para fazer uma ressalva quanto aos contribuintes com ações judiciais em andamento contra essa cobrança. Nesses casos, para o relator, a modulação de efeitos não se aplicaria. Significa que o contribuinte ganharia a causa e ficaria liberado de pagar ITCMD ao Estado.

Por enquanto, estão registrados no sistema do STF os votos de sete ministros: cinco contra a cobrança e dois somente a favor. Como onze ministros integram a Corte, é necessário só mais um voto contrário à cobrança para a formação da maioria.

Mas, assim como os ministros podem mudar o voto, aqueles que ainda não se manifestaram podem apresentar pedido de vista ou de destaque (que deslocaria a discussão para o plenário físico) e, em qualquer uma dessas hipóteses, o julgamento seria suspenso. A discussão ocorre no Plenário Virtual, logo o julgamento pode ser encerrado até a meia-noite de amanhã.

Impacto

Algumas das ações sobre o ITCMD em andamento, que serão impactadas pela decisão da Corte, envolvem uma única família paulista, que, segundo a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), deixou de recolher R$ 2 bilhões em impostos. Os herdeiros, toda vez que receberam doações do patriarca, que reside no exterior, apresentam mandados de segurança preventivos para evitar a cobrança dos 4% de ITCMD. São 30 processos e R$ 46 bilhões em doações só nessa família.

Há casos ainda, segundo a PGE, de famílias que constituem empresas de fachada em paraísos fiscais — Ilhas Virgens e Panamá entre eles — com o único objetivo de mandar o dinheiro para fora e, no retorno, como doação, não pagar o imposto.

“Se o STF impedir que os Estados cobrem o ITCMD, essas transações serão impulsionadas. As famílias afortunadas e os grandes conglomerados não vão mais pagar o imposto”, diz ao Valor um dos procuradores do Grupo de Atuação Especial de Recuperação Fiscal, tratando o tema como sendo de justiça fiscal.

A ação em análise no Plenário Virtual da Corte envolve a advogada Vanessa Andreatta. A PGE contesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que afastou a incidência do ITCMD sobre uma herança que ela recebeu do pai, residente da Itália.

A advogada afirma que é preciso levar em conta, nesse julgamento, que nem todos os casos são bilionários e existem outros métodos de o Estado cobrar o ITCMD quando considerar, por exemplo, que houve fraude ou planejamento tributário abusivo. “Não é justo deixar de lado os milhares de cidadãos que confiaram na clareza da norma constitucional”, diz.

Ela vê como positiva a alteração no voto do relator, o ministro Dias Toffoli, mas, ainda assim, não concorda com a modulação de efeitos. “Premia a atuação ilegal e inconstitucional por parte dos Estados e cria um arriscado precedente.”

Votos

O ministro Dias Toffoli mexeu no voto para adequá-lo à proposta apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber concordaram o relator.

Marco Aurélio também votou contra a cobrança, mas divergiu na parte da modulação. Para ele, como a cobrança não poderia ter sido realizada pelos Estados, os contribuintes deveriam ter o direito de pedir os valores pagos de forma indevida de volta, tendo ou não ação judicial sobre o tema.

Alexandre de Moraes foi o primeiro que apresentou voto pela possibilidade de os Estados cobrarem ITCMD sobre as doações e heranças de bens no exterior.

Fonte: Valor Econômico, 25/02/2021.
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