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Imprensa

Novo regime de trabalho gera polêmica e pode ser questionado no Judiciário

Por Adriana Aguiar

Apelidada de minirreforma trabalhista, a Medida Provisória (MP) nº 1.045, cujo texto-base foi aprovado na Câmara dos Deputados, traz um regime especial de trabalho e qualificação que poderá gerar um novo contencioso na Justiça de Trabalho. A polêmica está no fato de não prever vínculo de emprego e direitos trabalhistas - apenas vale-transporte.

Para advogados que assessoram empresas, o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), porém, é uma boa saída em tempos de crise para reincluir pessoas no mercado de trabalho. É destinado a quem está sem registro em carteira de trabalho há mais de dois anos, jovens de 18 a 29 anos e beneficiários do Bolsa Família.

A MP prevê ainda um outro regime - o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), destinado a pessoas entre 18 e 29 anos e acima de 55 anos sem registro por mais de 12 meses. Nesse caso, os trabalhadores terão todos os direitos assegurados pela Constituição, CLT e convenções coletivas. Mas receberão um valor menor de FGTS em caso de demissão.

As alterações, segundo Alberto Nemer, do escritório Da Luz, Rizk & Nemer, vieram em boa hora. “Esses programas dão uma oportunidade de reinserir essas pessoas no mercado de trabalho e qualificá-las”, diz ele, acrescentando que o Priore seria uma versão aprimorada do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, previsto na MP nº 905, de 2019. “Temos que enxergar a questão financeira das empresas e o programa é a porta de entrada para um emprego.”

No entendimento de outros advogados trabalhistas e juízes do trabalho, no entanto, por não prever direitos, o Requip cria subcategorias e abre a possibilidade de fraudes na relação trabalhista. “O projeto não é ruim. Mas podem [empresas] contratar pessoas sem dar qualificação e cobrar como se fossem empregadas”, diz Juliana Bracks, do Bracks Advogados. Ela lembra que a Justiça pode reconhecer vínculo, se presentes os requisitos previstos na CLT e se houver fraude na relação.

Pelo texto básico da MP, pessoas poderão ser contratadas por meio desse regime pelos próximos três anos, após a publicação da lei. E os contratos poderão durar até dois anos.

Nesse caso, a pessoa não recebe salário. Está estabelecido o pagamento de bônus pelo trabalho (o BIP, Bônus de Inclusão Produtiva) e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano (a BIQ, Bolsa de Incentivo à Qualificação). O trabalhador poderá ter jornadas de até 22 horas por semana, com pagamento proporcional ao mínimo. Ou seja, pode receber no máximo R$ 550.

Não será, pela MP, considerado funcionário. Só terá direito ao vale-transporte e não receberá qualquer indenização no fim do contrato de trabalho, como aviso prévio, férias e 13º proporcionais, conforme previsto no artigo 73 da MP.

As empresas que aderirem ainda poderão descontar o valor do BIP dos pagamentos ao Sistema S - como ocorrerá com o Priore. Por não ser considerada uma relação trabalhista, a MP ainda permite descontar o montante da BIQ da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Apesar da confusão, o artigo 46 da MP já esclarece que o Requip não se confunde com estágio, previsto na Lei nº 11.788, de 2008. Nem mesmo com contrato de aprendizagem, disponível nos artigos 428 e 433 da CLT - as empresas continuam obrigadas a cumprir as cotas de aprendizes.

Empregadores de qualquer setor podem contratar pelo Requip, desde que obedeçam os limites da MP, que vão de 10% do total de empregados no primeiro ano de vigência da lei até 20% no terceiro ano. Empresas com mais de 20 empregados podem ter no máximo quatro beneficiários.

Fabíola Marques, sócia do Abud Marques Sociedade de Advogadas, critica o texto. Para ela, mais uma vez o Legislativo quer repassar a conta pelas dificuldades econômicas enfrentadas para a parte mais fraca. “O Requip traz uma figura nova e complicada. É como se ficasse à margem da sociedade, não é trabalhador, não recebe salários, não tem direitos como os outros”, diz.

A advogada acrescenta que essa nova modalidade poderá ser questionada judicialmente, caso seja aprovada. “Com a alegação fundamentada em violações de princípios constitucionais, como o princípio da dignidade humana.”

José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, afirma que todos os estudos e indicadores no Brasil e no mundo, que analisam dados de reformas trabalhistas que trocam trabalho seguro por inseguro ou trabalho com direitos por trabalho com menos direitos, comprovam que aumenta a concentração de renda e riqueza e não se gera mais inclusão social.

“Nós estamos na contramão do que estão fazendo Estados Unidos e a União Europeia, que começam a enxergar no trabalho, na negociação coletiva e no papel de fomento do Estado a saída para a crise”, diz.

Presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre afirma que com a MP 1.045 atacam, mais uma vez, os direitos da classe trabalhadora e trazem de volta à cena a “famigerada” carteira verde amarela, sem nenhum direito. A entidade, segundo ele, vai pressionar o Congresso e demonstrar que o texto, assim, como a reforma trabalhista, não vai gerar os empregos anunciados. “A reforma não criou os seis milhões de empregos prometidos à época”, diz.

Luiz Antonio Colussi, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça (Anamatra) afirma que “é evidente o viés precarizante dos programas propostos, notadamente do Requip e do Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário”. Para ele, não houve o debate necessário para a aprovação da MP que, depois de analisados os destaques, segue para o Senado.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi procurada, mas não deu retorno.

Fonte: Valor Econômico, 12/08/2021.
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