16.12

Imprensa

Direito Tributário

Receita Federal altera tributação sobre ganhos com ações judiciais

Por Joice Bacelo e Gilmara Santos

A Receita Federal baixou a guarda sobre um tema que tem movimentado os tribunais - especialmente em razão da chamada “tese do século”. O órgão mudou o entendimento sobre o momento em que devem ser tributados os ganhos obtidos com as ações judiciais.

O contribuinte, ao vencer a disputa, precisa deixar na mesa, para a União, 34% dos valores que têm a receber. Essa fatia é referente ao recolhimento de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL que incidem sobre o acréscimo patrimonial da empresa.

Desde 2003, a Receita Federal entendia que essa tributação tinha de ser paga no momento do trânsito em julgado, quando não cabe mais recurso. Com a decisão favorável e o processo encerrado, portanto, o contribuinte deveria, imediatamente, repassar tais quantias à União.

Agora, está mais flexível: a cobrança será feita na primeira compensação, ou seja, depois que o contribuinte habilita o crédito perante a Receita e faz uso desse valor para quitar tributos correntes. Esse novo entendimento foi publicado pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) no Diário Oficial da União de ontem. Consta na Solução de Consulta nº 183, norma que deverá ser aplicada pela fiscalização em todo o país.

A mudança, segundo advogados, pode ter efeito sobre a judicialização. As discussões sobre a tributação dos ganhos provenientes de ações judiciais se tornaram frequentes na Justiça com a chamada “tese do século” - que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

A explicação está nos valores envolvidos nessa disputa. Levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estima que a “tese do século” tenha gerado R$ 358 bilhões em créditos fiscais para as empresas.

Ninguém quer desembolsar altas quantias para pagar imposto antes de colocar as mãos no dinheiro, segundo especialistas. Era isso o que acontecia com o entendimento anterior da Receita Federal, que estabelecia a tributação do ganho já no trânsito em julgado - antes, portanto, de os contribuintes realizarem as compensações (uso do crédito para quitar tributos correntes).

As empresas recorreram ao Judiciário com pedidos diferentes. Algumas delas alinhadas à nova regra, ou seja, para que a tributação ocorra na primeira compensação.

Isso porque, no momento do trânsito em julgado, diz Leo Lopes, as companhias não sabem exatamente qual é o seu crédito. Mandados de segurança, geralmente usados para contestar cobranças fiscais, não fixam um valor. O contribuinte tem que fazer os cálculos e apresentar à Receita.

“Com a tributação ocorrendo na primeira compensação, os contribuintes podem utilizar o próprio crédito para quitar essa tributação”, afirma Lopes.

Não significa, no entanto, que essa discussão será encerrada. Grandes companhias, principalmente, as que faturam acima de R$ 78 milhões por ano, e têm direito a quantias altíssimas por causa da “tese do século”, entendem que a tributação deve ocorrer na medida em que forem utilizando o crédito.

Se tem R$ 1 bilhão, por exemplo, e compensa R$ 200 milhões somente, tributaria só essa parcela. Depois, tributaria-se o restante. É diferente do modelo estabelecido pela Receita Federal: se tem R$ 1 bilhão, terá que tributar todo esse valor de uma vez só, no momento em que fizer a primeira compensação.

Há empresas ainda que entendem por outro momento, posterior: o de homologação das compensações. A Receita tem prazo de cinco anos - contados da data em que a declaração de compensação tributária foi apresentada pelo contribuinte - para fiscalizar e homologar ou não os créditos.

Quem defende esse marco temporal diz que somente com a homologação pela Receita Federal é que os valores reconhecidos pela decisão judicial tornam-se certos, líquidos e exigíveis.

“Não há um posicionamento definitivo do Judiciário sobre essa questão, mas há uma tendência favorável ao contribuinte”, observa João André Buttini de Moraes.

O advogado Luca Salvoni cita que no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, três turmas têm decisões para que a tributação ocorra somente no momento da homologação dos créditos. São pelo menos duas na 3ª Turma (processos nº 5000708-42.2020.4.03.6111 e nº 5004691-74.2019.4.03.6114), uma na 4ª Turma (processo nº 5010177-15.2020.4.03.0000) e outra na 6ª Turma (processo nº 5013313-53.2020.4.03.6100).

“Esses contribuintes não vão desistir das suas ações. Ao contrário, quem ainda não judicializou vai judicializar”, diz Salvoni.

No ano passado, os contribuintes usaram créditos fiscais para quitar R$ 63,6 bilhões de impostos - 174% a mais do que havia sido registrado em 2019. A Receita Federal atribuiu o forte crescimento das compensações à “tese do século”.

Neste ano, a previsão de escalada é ainda maior. As compensações tributárias feitas pelos contribuintes atingiram R$ 67,592 bilhões de janeiro a abril, impulsionadas pela utilização dos créditos envolvendo a “tese do século”. Isso indica um avanço real de 40,37% sobre o mesmo período de 2020.

Advogados afirmam que um número grande de ações transitou em julgado depois de maio, mês em que o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a tese. Esses processos estão desaguando em novas e volumosas compensações.

Fonte: Valor Econômico, 16/12/2021.

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Solução de consulta desconsidera decisão do Supremo sobre Selic

Corte proibiu a tributação sobre a parcela referente à correção de valores

Por Joice Bacelo e Gilmara Santos

A Solução de Consulta nº 183, publicada ontem pela Receita Federal, desconsidera a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu a tributação sobre a parcela referente à correção, pela Selic, dos ganhos obtidos pelos contribuintes com ações judiciais. A norma prevê a incidência de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL, além de PIS e Cofins.

A explicação mais viável para essa situação, dizem advogados, seria um lapso de tempo entre a elaboração e a publicação do texto. A consulta que foi respondida pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) - e orienta a fiscalização de todo o país - havia sido formulada por um contribuinte no ano de 2018.

Fato é que não pegou bem entre os advogados tributaristas. “Esse comportamento fazendário não contribui com o melhor ambiente de negócios no país. Aumenta a insegurança e o custo Brasil”, afirma o advogados Breno de Paula.

Os ministros do STF decidiram no mês de setembro, em repercussão geral, ou seja, com efeito vinculante para todo o país, que a União não pode cobrar IR e CSLL sobre o montante gerado pela Selic. Eles consideraram os juros de mora como indenização pelo atraso no pagamento da dívida e, por esse motivo, não haveria que se falar em tributação (RE 1063187).

As empresas, até aqui, eram cobradas pela Receita Federal a deixar, na mesa, para o governo, 34% de todo o ganho, incluindo a Selic. Com a decisão do STF, no entanto, foram autorizadas a recolher esse percentual - referente a IRPJ e CSLL - somente sobre o valor original da dívida. Na prática, a base de tributação ficou menor.

Esse tema atinge diretamente os contribuintes beneficiados com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, a chamada “tese do século”. Sem a tributação da Selic, sobra mais dinheiro na mão das empresas.

Os contribuintes que ajuizaram ação há mais tempo são os que vão sentir mais diferença no bolso. E há muitos deles. Praticamente todas as grandes empresas entraram com ação para discutir a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins na primeira década dos anos 2000 e têm o direito de receber de volta o que pagaram a mais nos cinco anos anteriores ao ajuizamento do processo.

O advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon, cita que um de seus clientes obteve cerca de R$ 1 bilhão em créditos, sendo R$ 300 mil referentes à correção. “É uma parcela significativa. E não é que não queira tributar. Esse montante não pode ser considerado como riqueza. É a recomposição de um dinheiro que ficou parado”, diz.

Essa decisão do STF não abrange, no entanto, PIS e Cofins. Diego Miguita, do escritório VBSO Advogados, afirma que as discussões levadas pelos contribuintes à Justiça sempre se deram na linha de recomposição patrimonial e, por esse motivo, os pedidos, em geral, são para afastar a tributação de IRPJ e CSLL somente.

“Muitas ações ou a maioria delas não cobrem pedido para não tributar PIS e Cofins”, diz Miguita. Ele entende que juros de mora não se enquadram no conceito jurídico de receita que já foi dado pelo STF e pela doutrina para fins tributários e, portanto, não deveria servir de base para a tributação das contribuições sociais - que seria de 4,65%.

Fonte: Valor Econômico, 16/12/2021.
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