25.04

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Direito Tributário

São Paulo poderá alterar cálculo do imposto sobre herança e doações

Por Bárbara Pombo

A Fazenda de São Paulo pretende alterar a cobrança do ITCMD. Quer autorizar a dedução de dívidas da base de cálculo do imposto sobre herança e doações. A decisão vem em meio a uma série de derrotas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e na esteira de outros Estados que decidiram rever suas legislações.

Os desembargadores entendem que apenas o patrimônio líquido transmitido aos herdeiros - deduzidas as dívidas - pode ser alvo de tributação. Há também precedente favorável ao contribuinte no Supremo Tribunal Federal (STF), aberto há dez anos. A decisão é da 1ª Turma (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 733.976).

Em nota ao Valor, a Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP) aponta a possibilidade de mudança. A Diretoria de Arrecadação, Cobrança e Recuperação de Dívida (Dicar), área técnica responsável pelo ITCMD, afirma, já se manifestou no sentido de fazer a alteração para o abatimento das dívidas, mas ainda não foi enviado projeto de lei à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Por ora, acrescenta a Sefaz-SP, continua valendo o artigo 12 da lei do ITCMD (nº 10.705, de 2000). O dispositivo prevê que “no cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”. Em São Paulo, a alíquota do tributo é de 4%.

No ano passado, o Estado arrecadou pouco mais de R$ 4 bilhões de ITCMD, valor superior ao de 2020 - de R$ 3,1 bilhões. O recolhimento do tributo representa cerca de 2% da arrecadação geral do Estado.

“Muito embora a questão seja antiga, o contribuinte continua tendo que entrar com ações judiciais para ter seu direito garantido”, diz a advogada Joanna Rezende, lembrando que o sistema da Fazenda paulista para recolhimento do ITCMD não admite o abatimento de dívidas para cálculo do imposto.

O Órgão Especial - instância máxima do TJSP - já foi chamado a analisar a constitucionalidade do artigo 12 da lei do ITCMD. Mas os desembargadores, em 2018, negaram fazer essa análise. Entenderam que, se há violação, é em relação à legislação infraconstitucional, especificamente ao Código Tributário Nacional (CTN), que define a base de cálculo do ITCMD, e ao Código Civil (processo nº 0023901-70.2018.8.26.0000).

Segundo advogados, o problema está atualmente mais concentrado em São Paulo. Em outros Estados - como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul - o tributo é exigido sem as dívidas, de acordo com levantamento de escritório. Algumas normas já previam originalmente a dedução. Outras foram alteradas para estabelecê-la.

“A norma de São Paulo inverte a lógica da legislação civil”, afirma a advogada tributarista Carolina Romanini Miguel. Pelo Código Civil, explica, o tributo deve recair apenas sobre o valor líquido.

Se uma pessoa deixa, por exemplo, um apartamento de R$ 1 milhão sobre o qual há uma dívida de R$ 300 mil, o herdeiro vai receber efetivamente R$ 700 mil. “Mas a Fazenda exige o imposto sobre o total e, depois, com o imóvel, é que o herdeiro pague a dívida. É uma inversão da ordem”, diz.

Em fevereiro, a 2ª Câmara de Direito Público do TJSP determinou que a Fazenda devolva R$ 34,2 mil a um herdeiro. Ele alegou que do valor considerado como base de cálculo do ITCMD (R$ 894,3 mil) não foram deduzidas as despesas com o processo de inventário - custas e honorários advocatícios - de R$ 51,3 mil.

“Para avaliação do imposto devido, devem ser deduzidas do cálculo as dívidas deixadas pelo de cujus, bem como as despesas do espólio. A interpretação se coaduna com os princípios da capacidade contributiva e vedação ao confisco”, afirma a relatora do caso, desembargadora Maria Fernanda de Toledo Rodovalho (processo nº 1013350-30.2020.8.26.0554).

Em outra decisão recente, a 9ª Câmara de Direito Público, por unanimidade, decidiu favoravelmente a um herdeiro que entrou com mandado de segurança para abater do cálculo as dívidas relacionadas ao bem que recebeu com a morte dos seus avós e da sua mãe.

Além da definição da base de cálculo estabelecida pelo CTN, os desembargadores consideraram dois dispositivos do Código Civil de 2002 - legislação editada posteriormente à lei paulista. O artigo 1.792 determina que o herdeiro não responde por encargos superiores ao valor que recebe de herança. O artigo 1.997, por sua vez, prevê que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido.

“A interpretação dos dispositivos indica que o imposto deve incidir apenas sobre os bens transmitidos aos herdeiros, de modo que devem ser excluídos os valores utilizados para pagamento das dívidas do espólio”, diz o desembargador Rebouças de Carvalho, relator do caso (processo nº 1001790-42.2020.8.26.0344).

De acordo com Gustavo Campos Mauricio, advogado da área de família e sucessões, existe uma lógica do sistema jurídico brasileiro de prever que a dívida seja paga com os bens deixados pelo devedor, o que limita a responsabilidade de terceiros.

“O tribunal tem conjugado todos esses dispositivos para excluir o passivo deixado pelo falecido. Mas, ainda assim, a regra de São Paulo, em sentido contrário, permanece vigente”, afirma.

Em outro caso analisado pelo TJSP, os herdeiros relataram que judicializaram a questão porque o sistema da Fazenda paulista, utilizado para o pagamento do imposto, não autoriza a dedução das dívidas do espólio. Em primeiro grau, o juízo 2ª Vara da Família e das Sucessões de São José dos Campos, no interior paulista, negou o abatimento.

A 8ª Câmara de Direito Privado, porém, determinou a exclusão do passivo com base no artigo 1.847 do Código Civil. Pelo dispositivo, o cálculo do montante a ser transmitido aos herdeiros necessários (filhos, cônjuge e pais) deve ser o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral.

“Não há dúvida de que o imposto de transmissão causa mortis dever recair apenas sobre os bens efetivamente transmitidos aos herdeiros em razão do óbito do titular, configurando manifesto excesso exigir imposto sobre as dívidas do espólio, malgrado a redação do artigo 12, da Lei Estadual nº 10.705/2000, tida como revogada pelas disposições do Código Civil”, diz o relator, desembargador Alexandre Coelho (processo nº 2038663-52.2021.8.26.0000).

Em nota, a Procuradoria Geral do Estado (PGE), defende que não é admitido o abatimento das dívidas, pela interpretação literal do artigo 38 do CTN. O dispositivo prevê que “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”. Afirma ainda que, no TJSP, a tese é majoritariamente favorável ao contribuinte, “mas que não se pode indicar tendências de órgãos fracionários” do tribunal.

Fonte: Valor Econômico, 25/04/2022.
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