08.02

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Direito Tributário

STF começa julgamento sobre tributação estadual que pode afetar combustíveis e energia

Por Beatriz Olivon

No mesmo dia em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anuncia que estuda como reduzir a tributação de combustíveis e do setor elétrico, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar no Plenário Virtual um processo que pode afetar o poder dos Estados em definir a alíquota de ICMS de itens como energia elétrica, telecomunicações, combustíveis e outros. O relator, ministro Marco Aurélio Mello, proferiu seu voto.

No caso concreto, os ministros julgam a validade de alíquotas diferenciadas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ou semelhante às alíquotas de produtos supérfluos, como bebidas alcóolicas. O julgamento pode impactar a arrecadação de todos os Estados, segundo advogados tributaristas (RE 714.139).

O julgamento começa com o depósito do voto do relator no sistema eletrônico. Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira para julgar.

No caso, a Lojas Americanas questiona a cobrança de ICMS pelo Estado de Santa Catarina (RE 714.139) sob a alíquota de 25%, a mesma aplicada a cigarros e bebidas. A empresa pede que seja aplicada a alíquota de 17%, que é a mais utilizada para os produtos no Estado. Tanto a energia elétrica quando os gastos com telecomunicações são essenciais, segundo o advogado da empresa Leandro Daumas, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados.

“O princípio da seletividade tem como objetivo que a carga de ICMS incida de forma mais gravosa sobre bens supérfluos e seja reduzida para itens essenciais como produtos da cesta básica, remédios e serviços essenciais como telecomunicações e energia elétrica”, afirma o advogado.

No caso concreto, se o pedido da Lojas Americanas for aceito o impacto financeiro para o Estado deve ser de R$ 96,6 milhões por mês, o que significa uma queda de 32% na arrecadação do ICMS sobre energia elétrica em Santa Catarina, segundo a Procuradoria-Geral do Estado. A PGE alega na ação que o Judiciário não pode assumir competência constitucional atribuída ao legislador, que definiu a alíquota.

Ainda segundo a PGE, não existe violação ao princípio da seletividade tributária, uma vez que o Estado fez o escalonamento de alíquotas de ICMS quanto às classes de consumidores de energia elétrica - pequenos produtores rurais e consumidores residenciais são tributados pela alíquota de 12%, e não 25% como em setores industriais e mercantis. Além disso, aponta que há determinação constitucional expressa no sentido de que o ICMS poderá ser seletivo (não havendo obrigatoriedade), em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Voto

O relator votou pelo direito de a empresa recolher ICMS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação pela alíquota geral do Estado de 17% e não 25% como o Estado determina.

No voto, considerou que a Constituição prevê que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. É uma previsão diferente do caso do IPI em que o texto determina que ele “será seletivo, em função da essencialidade do produto”.

“Adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade. Surge a contrariedade à Constituição Federal, uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade”, afirmou o ministro.

No caso, o acréscimo na tributação não gera realocação dos recursos porque os itens são insubstituíveis, segundo o relator. Para o ministro, há no caso “desvirtuamento da técnica da seletividade”, considerada a maior onerosidade sobre bens de primeira necessidade, o que contraria a Constituição.

O ministro sugeriu a seguinte tese para o julgamento: “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”.

Para o tributarista Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, o voto do relator é muito importante para o contribuinte, por reafirmar que o critério da seletividade não permite conferir maior onerosidade a bens essenciais como a energia e as telecomunicações.

Precedente

Apesar de o julgamento se referir a um Estado específico, advogados apontam que o precedente servirá de orientação para pedidos envolvendo os demais. Todos os Estados participam como parte interessada (amicus curiae) afinal, o STF vai definir se eles podem escolher a alíquota de ICMS a depender dos produtos.

De acordo com Julio Janolio, sócio do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, apesar de o julgamento estar focado no caso de energia elétrica ele tem o potencial de se espalhar para outras mercadorias que hoje são tributadas a uma alíquota elevada mas são itens essenciais. “Pode causar um rombo muito grande para os Estados”. Além de energia e telecomunicações, combustíveis também têm carga tributária alta mesmo sendo itens essenciais, segundo Janolio. “Telecomunicações é o item de maior carga tributária, chegando a 40% em alguns Estados”, afirma.

Janolio destaca que o tema abordado pelo ministro da Economia no anúncio de hoje e pelo STF tem “tudo a ver”, mas estão sendo tratados no mesmo dia por coincidência. “O tema do STF sobre o excesso de tributação (altas alíquotas) do ICMS sobre mercadorias, bens e serviços já deveria ter sido analisado faz tempo”, afirma o advogado.

Fonte: Valor Econômico, 05/02/2021.
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