24.02

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Direito Tributário

STF poderá quebrar sigilo do programa de repatriação

Por Joice Bacelo

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a decidir, nesta sexta-feira, sobre a garantia do sigilo das informações das pessoas que aderiram ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) — o programa de repatriação. Esse tema será tratado no Plenário Virtual por meio de uma ação ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

A legenda pede para que sejam declarados inconstitucionais dispositivos da Lei de Repatriação (nº 13.254, de 2016). A intenção é de que a Receita Federal e o Banco Central possam compartilhar as informações declaradas pelos participantes do programa com outros órgãos públicos de controle — Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Tribunal de Contas da União e Advocacia-Geral da União estão entre os exemplos citados pelo PSB.

O sigilo das informações, dizem advogados que atuam para os contribuintes, era uma das “regras de ouro” do programa. Está previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 7º da lei. Os dispositivos proíbem a divulgação e o compartilhamento das informações dos contribuintes — inclusive com Estados, Distrito Federal e municípios —, implicando efeito equivalente à quebra de sigilo fiscal.

“Essa premissa garantiu a voluntariedade ao programa”, diz o advogado Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho. “O Brasil seguiu as diretrizes da OCDE. Esse programa de anistia não foi algo isolado. Foi um movimento que aconteceu na América Latina inteira.”

Brasileiros com dinheiro não declarado no exterior puderam regularizar a situação por meio do programa. Havia alguns requisitos: a origem do dinheiro tinha que ser lícita e o contribuinte deveria pagar 15% de imposto e 15% de multa sobre os valores declarados. Em troca, era liberado de responder por crimes como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

A primeira fase, em 2016, teve a adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas, com arrecadação de R$ 46,8 bilhões. Já na segunda fase do programa, em 2017, aderiram 1.915 pessoas físicas e 20 empresas. A arrecadação foi de R$ 1,6 bilhão.

Uma mudança nas regras, agora, afirmam advogados — com as adesões encerradas e as informações já declaradas pelos participantes — poderia provocar uma “caça às bruxas”. As pessoas que aderiram ao programa de repatriação ficariam expostas a novas cobranças e investigações, inclusive na esfera penal.

“Abriria um flanco para aborrecimentos”, afirma o advogado Davi Tangerino, sócio do escritório Davi Tangerino & Salo de Carvalho. “A Lei da Repatriação diz que a simples adesão ao programa não pode ser motivo de investigação criminal. Mas, se a vedação ao sigilo cair, esse movimento será possibilitado.”

O julgamento (ADI 5729) se inicia com o voto do relator, Luís Roberto Barroso. Será no Plenário Virtual. Nesse ambiente, os ministros têm até uma semana para proferir os seus votos. Se não houver pedido de vista nem de destaque (que desloca o caso para julgamento presencial), o resultado, portanto, sairá até a meia-noite do dia 5 de março.

“Deve-se respeitar a regra válida no momento em que os contribuintes optaram pela repatriação”, diz Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados. O compartilhamento dos dados declarados pelos contribuintes, complementa, permitiria que fossem utilizados para fins diversos dos previstos na lei, o que caracterizaria violação ao direito à não autoincriminação — artigo 5º da Constituição.

Bichara afirma que haveria risco de novas cobranças tributárias. Os Estados, tendo acesso a essas informações, exemplifica, poderão tentar exigir o ITCMD nas hipóteses em que os recursos regularizados tenham como origem doações ou heranças.

A ação contra o sigilo das informações foi ajuizada em 2017. “Surgiu a partir de uma denúncia dos auditores fiscais de que, por causa do sigilo, os documentos dos contribuintes que fizeram as adesões estavam sendo armazenados com o CNPJ da Receita Federal e não com o CPF ou o CNPJ do próprio contribuinte”, diz Rafael Carneiro, sócio do Carneiros & Dipp Advogados, que atua para o PSB.

O partido cita, no processo, a Nota de Arrecadação 006/2016, editada por órgãos de cúpula da Receita Federal. Esse documento confirma a troca de CNPJs. Para o PSB, a proibição do compartilhamento dos dados contraria os princípios da moralidade, transparência e eficiência da administração pública.

“Existe exigência na lei, no artigo 1º, de que a origem do recurso tem de ser lícita. Isso não pode ser só para inglês ver. Da forma como está, mesmo havendo regular solicitação da autoridade competente, as informações prestadas pelos repatriadores não podem ser compartilhadas”, diz Carneiro.

O PSB cita, na ação, pessoas que teriam se utilizado do programa para regularizar recursos de origem ilícita. Entre eles, Renato Chebar, apontado como um dos doleiros nas investigações envolvendo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Chebar teria afirmado, em delação premiada, que se utilizou do programa, em 2016, para declarar US$ 4,2 milhões decorrentes de propinas pagas por Eike Batista a Cabral.

O partido também menciona Márcio Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras. Segundo investigações da Lava-Jato, ele teria aderido ao programa para regularizar cerca de R$ 48 milhões oriundos de propina.

Advogados que atuam para os contribuintes contrapõe, no entanto, que o programa nunca esteve completamente blindado. “A lei prevê que as informações não podem ser compartilhadas, mas abre exceção para casos em que há indícios de vícios na adesão, no que diz respeito à origem do dinheiro. As fiscalizações sempre foram permitidas”, afirma o advogado Alessandro Fonseca.

Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados , complementa que esse assunto, por muitos anos, foi incluído no Plano Anual de Fiscalização da Receita. Consta no documento de 2020, por exemplo, que no ano anterior 367 contribuintes haviam sido selecionados “com vistas à verificação dos requisitos para adesão e permanência” no programa.

“Tem sido fiscalizado quando merece fiscalização. A grande maioria das pessoas atende às regras do programa. São cidadãos de bem com recursos de origem lícita. Revelaram o seu patrimônio e cumpriram com as exigências do programa. Faz sentido que essas pessoas comecem a ser investigadas desnecessariamente agora? Isso é muito preocupante”, diz.

Fonte: Valor Econômico, 23/02/2021.
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