04.06

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Contencioso Administrativo e Judicial

STJ pode obrigar devedores a corrigir depósitos judiciais de ações de cobrança

Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá mudar a jurisprudência do tribunal sobre quem é responsável pela correção monetária de valores depositados judicialmente, em decorrência de ações de cobrança. É o que indica o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, favorável à aplicação da correção pelo devedor.

Se o posicionamento da ministra passar a prevalecer, deixará mais cara a conta para os devedores, no momento do levantamento dos depósitos pelos credores. No caso concreto, que pode levar à revisão do entendimento da Corte, a alteração representaria uma diferença de R$ 3 milhões.

Hoje, o entendimento é o de que a obrigação do devedor se extingue no momento em que deposita em juízo os valores da condenação. As instituições financeiras, que gerenciam as contas judiciais, arcam com os juros e a correção monetária daquele momento até a data de levantamento do dinheiro pelo credor.

Esse entendimento foi fixado pela 2ª Seção do STJ, em 2014, por meio de um julgamento em recurso repetitivo, ou seja, com efeito vinculante para o Judiciário. Porém, agora existe a possibilidade de uma revisão do tema. O julgamento iniciado ontem foi suspenso por um pedido de vista do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, logo após o voto da relatora. Não há ainda uma data para voltar à pauta (Resp nº 1820963).

No caso concreto, trata-se do desdobramento de uma ação de cobrança movida pela concessionária Nett Veículos, de São Paulo, contra a BMW Brasil. Isso por causa do cancelamento de um contrato de exclusividade para a revenda de veículos da marca. A concessionária obteve na Justiça o direito ao pagamento.

Para Paulo Lucon, advogado e professor da USP que representa a concessionária no caso, a tese fixada pelo STJ em 2014 deve ser complementada. “Porque o credor deve receber o montante total que consta no título executivo, não pode ser um valor menor”, afirma.

Ele explica que as instituições financeiras fazem a correção pela poupança. “Só que as condenações podem prever índices mais altos. Se constar, no título, que deve ser NPC mais 1% de juros ao mês, por exemplo, isso tem que ser cumprido. O credor não pode receber um valor menor. E é o que devedor precisa fazer esse complemento”, diz o advogado.

Consta, no processo, que o pagamento à Nett Veículos não foi feito de forma voluntária. Houve penhora nas contas da BMW, que apresentou impugnação e, segundo a concessionária, isso atrasou ainda mais o levantamento do dinheiro.

Para o representante da BMW, o advogado Luiz Virgílio Manente, no entanto, o julgamento do recurso repetitivo não deixou dúvidas. “Essa sempre foi a orientação do STJ. Desde antes do repetitivo. São pelo menos 15 anos de jurisprudência dominante no sentido de afastar a responsabilidade do executado depois do depósito ou da penhora dos seus recursos”, sustentou.

Ele pediu aos ministros ainda para que, se houver mudança da tese, o novo entendimento seja aplicado apenas daqui para frente. “São milhões de depósitos em milhares de execuções realizados. Os executados estavam seguros por orientação jurisprudencial. Se a punição retroagir, e todos eles tiverem que pagar juros, estaremos diante do caos.”

“Todo mundo que tem algum processo de execução de título judicial pode ser afetado pelo julgamento” — Advogada Daniela Soares Domingues

Contexto

Mesmo existindo a decisão em recurso repetitivo, ainda há decisões divergentes nas turmas do STJ em relação ao tema. A primeira delas foi proferida pela 3ª Turma no ano de 2016. De lá para a cá, segundo advogados, o entendimento oscila.

Os ministros que, na 3ª Turma, decidiram de forma mais abrangente do que consta no repetitivo, entenderam que a garantia da execução não constitui pagamento. Assim, o devedor permaneceria em mora e teria de pagar por isso, independentemente de a instituição financeira responder pela correção monetária e juros remuneratórios sobre o valor depositado.

Ao proferir o voto na Corte Especial, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, na época do julgamento repetitivo, o enfoque foi a responsabilidade da instituição financeira pela remuneração do depósito judicial.

Apesar de a redação final do tema fazer referência expressa à extinção da obrigação do devedor, por causa do depósito judicial, ela acrescentou, a Corte Especial não se debruçou no efeito dos depósitos sobre a mora do devedor. “Considera-se em mora o devedor que não efetuar pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa. Mais juros e atualização de valores monetários, além de honorários de advogados”, afirmou ao votar.

Para a ministra, deve-se seguir o entendimento da 3ª Turma. Ela sugeriu que seja fixada a seguinte tese: “Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo quando da entrega do dinheiro ao credor deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”

Análise

A discussão é de grande relevância, segundo a advogada Daniela Soares Domingues, sócia do escritório Siqueira Castro. “Todo mundo que tem algum processo de execução de título judicial pode ser afetado pelo julgamento”.

Para Daniela, pelo entendimento da ministra Nancy Andrighi, os juros do banco também iriam para o credor. “A consequência com a possível mudança de entendimento é de uma punição excessiva ao devedor de boa-fé, que deposita o dinheiro com a intenção de estancar juros de mora e correção monetária”, afirma.

Fonte: Valor Econômico, 03/06/2021.
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