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Contencioso Administrativo e Judicial

Tribunais afastam possibilidade de juízes responderem por abuso de autoridade

Por Beatriz Olivon

Tribunais federais e estaduais têm decidido que os juízes não podem ser enquadrados na Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869, de 2019) por determinar a penhora on-line de recursos por meio do sistema Bacen Jud (atual Sisbajud). Levantamento feito pelo escritório MAMG Advogados a pedido do Valor mostra que foram proferidas pelo menos 480 decisões decisões contra pedidos de bloqueio negados por magistrados que temiam ser responsabilizados criminalmente.

Em algumas, os desembargadores chegam a criticar a atuação desses juízes. Andrade Neto, da 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, afirma na decisão que o magistrado, descontente com a aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade, resolveu se utilizar do processo para promover uma ação “revoltosa e totalmente infantil”, transformando a atividade do exercício da jurisdição em “paspalhice política”.

Além do TJ-SP, outros quatro tribunais estaduais e todos os cinco regionais federais já têm decisões monocráticas ou acórdãos nesse sentido, o que significa uma vitória para a categoria, que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a validade do artigo 36 da lei.

O dispositivo considera crime de abuso de autoridade “decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”.

Para os magistrados, o artigo é uma tentativa de constranger determinações de penhora on-line. Até agora, porém, nenhum juiz responde criminalmente com base no artigo 36, segundo Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

A Lei de Abuso de Autoridade, diz, foi aprovada com alguns dispositivos muito abertos, o que fere a independência judicial e causa temor naqueles que tem como função aplicar a lei. “São conceitos abstratos e que podem levar a uma perseguição pessoal contra o julgador”, afirma.

O bloqueio de bens aparece em diversas situações, especialmente em processos sobre tráfico e lavagem de dinheiro. “Hoje toda teoria de combate ao crime organizado nos conduz à subtração dos recursos financeiros das organizações”, diz Renata. Ainda de acordo com a juíza, prisões e outras medidas coercitivas não têm a mesma eficiência para ceifar fluxo financeiro.

Por meio do Bacen Jud foram bloqueados R$ 50 bilhões em 2019, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — último dado disponível. Pela relevância da prática e o risco que o artigo 36 representa, a AMB decidiu ir ao Supremo (ADI 6236). Mas enquanto os ministros não analisam a questão, os tribunais de segunda instância têm garantido segurança aos juízes, por meio da reforma de suas próprias decisões.

Em uma ação envolvendo o Ibama e uma madeireira, o bloqueio só foi obtido após recurso ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília. A primeira instância havia negado o bloqueio pelo risco de responsabilização decorrente da Lei de Abuso de Autoridade (processo nº 1037976-92.2019.4.01.0000).

Na decisão, o relator do caso na 7ª Turma, juiz federal convocado Alexandre Buck Medrado Sampaio, afirma que da leitura do artigo 36 entende-se que só haverá crime quando o juiz deixar de corrigir o bloqueio se a parte prejudicada demonstrar a excessividade da medida. “Não pode o juízo de primeiro grau, com base no fundamento genérico do risco de incidir em eventual prática do crime de abuso de autoridade tipificado no artigo 36 indeferir os pedidos de penhora via Bacen Jud”, diz.

Em dezembro, a 8ª Turma do TRF da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, reformou decisão de primeira instância que havia negado o bloqueio sob a alegação de não ser possível garantir, por meio do mecanismo disposto ao juízo, a penhora somente do valor da dívida cobrada.

Para a relatora, desembargadora Vera Lúcia Lima da Silva, é necessário esclarecer que para ser configurada a imputação de prática de abuso de autoridade, deverá ser demonstrada pelo devedor a existência de dolo por parte do magistrado.

O bloqueio também foi autorizado pela 3ª Turma do TRF da 3ª Região, com sede em São Paulo. Na decisão, o relator, desembargador Nery Junior, afirma que o artigo 36 autoriza a penalidade nos casos de bloqueio de quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e se o juiz, “ante a demonstração” da excessividade da medida, deixar de corrigi-la, o que não aconteceu no caso concreto (processo nº 5002989-68.2020.4.03.0000).

O TJ-SP, o maior do país, tem considerado que a abusividade só se configura quando o bloqueio ocorre de forma “dolosa”. No caso analisado pela 30ª Câmara de Direito Privado, os julgadores seguiram o voto do relator, desembargador Andrade Neto, e concederam o pedido apresentado por condomínio contra um morador.

O juiz de primeira instância havia negado o pedido de bloqueio de recursos pelo “perigo real” de imputação de crime previsto na Lei de Abuso de Autoridade. A decisão da 30ª Câmara manteve antecipação de tutela concedida anteriormente pelo desembargador Andrade Neto.

Para ele, “a assertiva do julgador de ‘perigo real de imputação de crime’ não tem o mínimo fundamento, traduzindo alegação não apenas desarrazoada, mas insensata e irresponsável” (processo nº 2252347-31.2019.8.26.0000).

Além do TJ-SP, os tribunais do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Minas Gerais proferiam decisões nesse sentido. Entre os regionais, há acórdãos e decisões monocráticas na 4ª e na 5ª Regiões, de acordo com o levantamento do escritório MAMG Advogados

Fonte: Valor Econômico, 17/01/2021.
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