09.12
Imprensa
Direito Ambiental
Hidrogênio verde ganha espaço, mas custo ainda limita avanço rápido
Por Claudio Marques
Com a busca pelo hidrogênio verde ganhando espaço na agenda da transição energética, os obstáculos dessa jornada vão ficando claros. O produto é visto como uma solução potencial para descarbonizar setores da indústria, principalmente em atividades que utilizem aquecimento, e também no transporte, mas o maior desafio é torná-lo acessível, criando escala para ser comercialmente viável.
Atualmente, o hidrogênio já é utilizado por algumas indústrias, só que sua produção usa combustível fóssil, ou seja, tem uma alta pegada de carbono associada. Um dos métodos mais propalados para obtenção da versão verde é por meio da eletrólise, uma técnica conhecida, mas que também enfrenta objeções. “A eletrólise é um processo extremamente caro e requer investimentos muito altos”, afirma Marina Domingues, diretora de mercado e regulação da Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2). “O setor não está disposto a pagar”, declara, mas concorda que a guerra entre Rússia e Ucrânia fez avançar o debate.
No entanto, Ricardo Gedra, gerente de Análise e Informações ao mercado na na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), argumenta que toda tecnologia nova é cara e prevê que o custo caia nos próximos anos. Segundo ele, há muito investimento em pesquisa pelo mundo a fim de se conseguir fabricar todos os equipamentos necessários para a produção do hidrogênio de forma limpa, com preços mais acessíveis. Um exemplo de busca de solução vem da Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde, que lançou um programa de inovação para startups, instituições sem fins lucrativos e empreendedores que buscam alavancar o desenvolvimento do hidrogênio verde no país e poderão ter apoio no desenvolvimento de modelos de negócios.
Escala
O CEO da ThyssenKrupp, Paulo Alvarenga argumenta que o hidrogênio verde é mais caro do que o petróleo, “porque se criou toda uma indústria que possui uma escala gigantesca”, diz, referindo-se ao combustível fóssil. “Enquanto não houver escala industrial, não vai haver competitividade”, afirma. A própria companhia tem dois projetos em andamento. Um no porto de Roterdã, com 200 MW de capacidade, e outro na Arábia Saudita, de 2 GW. “O debate está aumentando muito rápido, e vejo que está saindo dos estudos para a prática também de maneira muito rápida”, diz.
Hoje, o hidrogênio cinza, obtido com o uso de combustível fóssil, tem preço de US$ 2/kg e o verde deve custar em torno US$ 5, segundo Alvarenga. De acordo com Domingues, da ABH2, para se produzir 1kg de hidrogênio verde são necessários 9 litros de água. É possível utilizar água do mar na obtenção, mas é preciso que ela passe por um processo de dessalinização, o que acrescenta mais um custo à produção.
Em paralelo, pesquisas tentam encontrar outras formas de produzir o hidrogênio verde. A diretora da ABH2 cita o uso de biomassa, cuja biodigestão resulta no biogás. Depois, ele é trabalhado para retirar substâncias como enxofre e em seguida, usa-se o calor para se obter o hidrogênio. Outro método retira enxofre e outras impurezas e refina o biogás resultante até se tornar biometano, que é, então, submetido ao vapor até chegar ao hidrogênio verde. Segundo Monteiro, esse processo teria custo inferior ao da eletrólise.
Biomassa e fotocatálise
Para também tentar viabilizar a produção industrial do hidrogênio verde, a Turiya Renováveis, empresa de geração de energia renovável da Indra Energia, comercializadora do setor, e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) se uniram para produzir o hidrogênio verde pelo método de fotocatálise. “A nossa proposta é contribuir para o desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a obtenção de hidrogênio verde no Brasil, para utilização como mais uma fonte alternativa renovável”, afirma Segundo Ingrid Santos, CEO da Turiya.
O projeto estuda o uso da luz solar para ativar um catalisador, que atuaria, então, na separação da molécula de água. Segundo o professor doutor Bruno César Barroso Salgado, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energias Renováveis do IFCE, a substância mais estudada como catalisador é o dióxido de titânio – um material de fácil acesso e baixo custo. Ao mesmo tempo, ele prevê misturar glicerina à água. “Isso incrementa a produção de hidrogênio e acaba trazendo um ciclo de sustentabilidade. Aproveitamos um resíduo de biomassa (glicerina como subproduto do biodiesel), juntamente com a radiação solar, levando aí a custo energético de produção praticamente nulo (porque não requer eletricidade). O processo se torna bem atrativo desse ponto de vista”, afirma.
O estudo prevê que o catalisador fique impregnado na placa fotocatalisadora. “O projeto está na fase de encontrar uma engenharia que favoreça esse mecanismo”, diz Barroso. A fase piloto do projeto irá ocorrer quando as análises apontarem a melhor substância para esse fim. E isso ainda não tem prazo para acontecer.
O professor ressalta que a fotocatálise não substitui a eletrólise. “A engenharia hoje por trás da fotocatálise não dá competitividade para desbancar a eletrólise como método de produção de hidrogênio. Na verdade são métodos complementares”, afirma, lembrando que projetos de fotocatálise devem ser instalados em áreas de maior radiação solar.
Certificação
Com tantas variáveis implicadas no processo de obtenção do hidrogênio verde, não foi à toa que a CCEE decidiu desenvolver um projeto de certificação. “Quem está comprando esse hidrogênio precisa ter a segurança de que a produção não está trazendo consigo uma pegada de carbono. Então, a certificação é um elemento crucial para assegurar o principal objetivo desse energético, que é a descarbonização”, afirma Gedra, da CCEE.
Segundo o presidente da entidade, Rui Altieri, até o fim deste ano uma versão inicial da certificação estará disponível, que também é debatida por um grupo nacional no âmbito do Comitê Nacional Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica CIGRE-Brasil.
Para obter a chancela da CCEE, já há consenso do que uma fábrica de hidrogênio deverá, juntamente com a construção da planta, viabilizar a edificação de uma usina de energia elétrica, que forneça eletricidade adicional limpa e renovável, no mesmo montante do consumido peça fábrica de hidrogênio.
Segundo Altieri, o papel da CCEE, como “entidade isenta” lhe dá credibilidade nesse processo. “Os contratos de compra e venda de energia, por conta da legislação brasileira, têm de ser registrados na CCEE, acompanhados por ela e, principalmente, liquidados aqui na CCEE”, afirma.
A entidade vai levar a discussão para o encontro mundial da Cigre internacional, em agosto, para que a certificação tenha parâmetros internacionais. O objetivo é buscar o consenso de todos os stakeholders da área do hidrogênio verde, principalmente Europa, que está mais avançada nesse processo. “Então, estamos buscando sim definir atributos que atendam o que está em discussão no mundo. Assim, quando o hidrogênio exportado chegar à Alemanha, ou outro país, o nosso certificado esteja alinhado a um padrão internacional, e seja reconhecido como sendo produzido sem pegada de carbono”, diz Altieri.
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2022.
Com a busca pelo hidrogênio verde ganhando espaço na agenda da transição energética, os obstáculos dessa jornada vão ficando claros. O produto é visto como uma solução potencial para descarbonizar setores da indústria, principalmente em atividades que utilizem aquecimento, e também no transporte, mas o maior desafio é torná-lo acessível, criando escala para ser comercialmente viável.
Atualmente, o hidrogênio já é utilizado por algumas indústrias, só que sua produção usa combustível fóssil, ou seja, tem uma alta pegada de carbono associada. Um dos métodos mais propalados para obtenção da versão verde é por meio da eletrólise, uma técnica conhecida, mas que também enfrenta objeções. “A eletrólise é um processo extremamente caro e requer investimentos muito altos”, afirma Marina Domingues, diretora de mercado e regulação da Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2). “O setor não está disposto a pagar”, declara, mas concorda que a guerra entre Rússia e Ucrânia fez avançar o debate.
No entanto, Ricardo Gedra, gerente de Análise e Informações ao mercado na na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), argumenta que toda tecnologia nova é cara e prevê que o custo caia nos próximos anos. Segundo ele, há muito investimento em pesquisa pelo mundo a fim de se conseguir fabricar todos os equipamentos necessários para a produção do hidrogênio de forma limpa, com preços mais acessíveis. Um exemplo de busca de solução vem da Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde, que lançou um programa de inovação para startups, instituições sem fins lucrativos e empreendedores que buscam alavancar o desenvolvimento do hidrogênio verde no país e poderão ter apoio no desenvolvimento de modelos de negócios.
Escala
O CEO da ThyssenKrupp, Paulo Alvarenga argumenta que o hidrogênio verde é mais caro do que o petróleo, “porque se criou toda uma indústria que possui uma escala gigantesca”, diz, referindo-se ao combustível fóssil. “Enquanto não houver escala industrial, não vai haver competitividade”, afirma. A própria companhia tem dois projetos em andamento. Um no porto de Roterdã, com 200 MW de capacidade, e outro na Arábia Saudita, de 2 GW. “O debate está aumentando muito rápido, e vejo que está saindo dos estudos para a prática também de maneira muito rápida”, diz.
Hoje, o hidrogênio cinza, obtido com o uso de combustível fóssil, tem preço de US$ 2/kg e o verde deve custar em torno US$ 5, segundo Alvarenga. De acordo com Domingues, da ABH2, para se produzir 1kg de hidrogênio verde são necessários 9 litros de água. É possível utilizar água do mar na obtenção, mas é preciso que ela passe por um processo de dessalinização, o que acrescenta mais um custo à produção.
Em paralelo, pesquisas tentam encontrar outras formas de produzir o hidrogênio verde. A diretora da ABH2 cita o uso de biomassa, cuja biodigestão resulta no biogás. Depois, ele é trabalhado para retirar substâncias como enxofre e em seguida, usa-se o calor para se obter o hidrogênio. Outro método retira enxofre e outras impurezas e refina o biogás resultante até se tornar biometano, que é, então, submetido ao vapor até chegar ao hidrogênio verde. Segundo Monteiro, esse processo teria custo inferior ao da eletrólise.
Biomassa e fotocatálise
Para também tentar viabilizar a produção industrial do hidrogênio verde, a Turiya Renováveis, empresa de geração de energia renovável da Indra Energia, comercializadora do setor, e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) se uniram para produzir o hidrogênio verde pelo método de fotocatálise. “A nossa proposta é contribuir para o desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a obtenção de hidrogênio verde no Brasil, para utilização como mais uma fonte alternativa renovável”, afirma Segundo Ingrid Santos, CEO da Turiya.
O projeto estuda o uso da luz solar para ativar um catalisador, que atuaria, então, na separação da molécula de água. Segundo o professor doutor Bruno César Barroso Salgado, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energias Renováveis do IFCE, a substância mais estudada como catalisador é o dióxido de titânio – um material de fácil acesso e baixo custo. Ao mesmo tempo, ele prevê misturar glicerina à água. “Isso incrementa a produção de hidrogênio e acaba trazendo um ciclo de sustentabilidade. Aproveitamos um resíduo de biomassa (glicerina como subproduto do biodiesel), juntamente com a radiação solar, levando aí a custo energético de produção praticamente nulo (porque não requer eletricidade). O processo se torna bem atrativo desse ponto de vista”, afirma.
O estudo prevê que o catalisador fique impregnado na placa fotocatalisadora. “O projeto está na fase de encontrar uma engenharia que favoreça esse mecanismo”, diz Barroso. A fase piloto do projeto irá ocorrer quando as análises apontarem a melhor substância para esse fim. E isso ainda não tem prazo para acontecer.
O professor ressalta que a fotocatálise não substitui a eletrólise. “A engenharia hoje por trás da fotocatálise não dá competitividade para desbancar a eletrólise como método de produção de hidrogênio. Na verdade são métodos complementares”, afirma, lembrando que projetos de fotocatálise devem ser instalados em áreas de maior radiação solar.
Certificação
Com tantas variáveis implicadas no processo de obtenção do hidrogênio verde, não foi à toa que a CCEE decidiu desenvolver um projeto de certificação. “Quem está comprando esse hidrogênio precisa ter a segurança de que a produção não está trazendo consigo uma pegada de carbono. Então, a certificação é um elemento crucial para assegurar o principal objetivo desse energético, que é a descarbonização”, afirma Gedra, da CCEE.
Segundo o presidente da entidade, Rui Altieri, até o fim deste ano uma versão inicial da certificação estará disponível, que também é debatida por um grupo nacional no âmbito do Comitê Nacional Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica CIGRE-Brasil.
Para obter a chancela da CCEE, já há consenso do que uma fábrica de hidrogênio deverá, juntamente com a construção da planta, viabilizar a edificação de uma usina de energia elétrica, que forneça eletricidade adicional limpa e renovável, no mesmo montante do consumido peça fábrica de hidrogênio.
Segundo Altieri, o papel da CCEE, como “entidade isenta” lhe dá credibilidade nesse processo. “Os contratos de compra e venda de energia, por conta da legislação brasileira, têm de ser registrados na CCEE, acompanhados por ela e, principalmente, liquidados aqui na CCEE”, afirma.
A entidade vai levar a discussão para o encontro mundial da Cigre internacional, em agosto, para que a certificação tenha parâmetros internacionais. O objetivo é buscar o consenso de todos os stakeholders da área do hidrogênio verde, principalmente Europa, que está mais avançada nesse processo. “Então, estamos buscando sim definir atributos que atendam o que está em discussão no mundo. Assim, quando o hidrogênio exportado chegar à Alemanha, ou outro país, o nosso certificado esteja alinhado a um padrão internacional, e seja reconhecido como sendo produzido sem pegada de carbono”, diz Altieri.
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2022.