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Sem registro, cláusula de alienação fiduciária não incide em desistência, diz STJ

Por Danilo Vital

Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o artigo 23 da Lei 9.514/1997, não é exigível do comprador que desistiu do negócio que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem dado em garantia para, só então, receber eventuais diferenças do vendedor.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por uma imobiliária, contra decisão que admitiu a rescisão do contrato de compra e venda de um terreno em loteamento urbano, com a devolução de 90% dos valores pagos ao comprador.

A desistência ocorreu porque o comprador se viu impossibilitado de arcar com as prestações pactuadas no contrato, que possuía cláusula de alienação fiduciária em garantia.

Para a imobiliária, o interesse de rescindir o contrato equivale à mora. Assim, o único caminho seria a consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária e a venda do bem em leilão, após o qual eventual diferença poderia ser devolvida ao comprador.

Por maioria, a 3ª Turma descartou a argumentação. Sem o registro em cartório do contrato, existe apenas o crédito, sem qualquer garantia. A decisão foi por maioria, conforme voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, seguida pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Ficou vencido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Sem registro, sem garantia

No ordenamento jurídico brasileiro, a matéria do negócio fiduciário, em que o comprador transfere a propriedade de um bem seu ao vendedor, como garantia de que honrará o contrato, e o recebe de volta se cumprir o prometido, é regido pelo Código Civil e, ao mesmo tempo, por uma variada legislação extravagante.

No caso da propriedade fiduciária de bem imóvel, aplica-se a Lei 9.514/1997, que em seu artigo 23 aponta expressamente que a propriedade fiduciária de coisa imóvel constitui-se mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

“Dessa maneira, sem o registro do contrato no competente Registro de Imóveis, há simples crédito, situado no âmbito obrigacional, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor”, explicou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

Por isso, independentemente da parte que tenha dado causa à ausência do registro, é certo que a garantia não se constituiu. Logo, não é cabível a submissão do adquirente ao procedimento de leilão previsto no artigo 27 da Lei 9.514/1997. O vendedor deve devolver ao comprador 90% do valor já pago.

Eficácia garantida

Ficou vencido o ministro Villas Bôas Cueva, segundo o qual a ausência do registro do contrato de alienação fiduciária no competente Registro de Imóveis não lhe retira a eficácia, ao menos entre os contratantes. O registro serviria apenas para produzir efeitos perante terceiros

“Vale ressaltar que o reconhecimento da validade e da eficácia do contrato de alienação fiduciária, mesmo sem o registro no Ofício de Registro de Imóveis, opera-se em favor de ambas as partes da relação contratual”, disse o ministro.

Por um lado, ela garante ao devedor que o bem dado em garantia não seja alienado fora das hipóteses legalmente admitidas. Também confere o termo de quitação após o pagamento integral da dívida e de seus encargos, com vistas à consolidação da propriedade definitiva do imóvel.

Por outro lado, dá ao credor o direito de utilizar os meios contratuais de execução da garantia em caso de inadimplência. No entanto, a alienação em si só pode ser feita após o efetivo registro.

“Na ausência de anterior registro, caberá ao credor fiduciário promover o registro do contrato, com o recolhimento dos tributos devidos, antes de dar prosseguimento às demais etapas da execução extrajudicial. Tal exigência, contudo, não confere ao devedor fiduciante o direito de promover a rescisão da avença por meio diverso daquele contratualmente previsto”, resumiu.

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REsp 1.835.598

Fonte: ConJur, 19/02/2021.
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