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STJ fixa tese no Tema Repetitivo 1.178 sobre critérios para a apreciação do pedido da gratuidade da justiça

Arthur Cony Ferreira da Costa
 
Em recente julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 17 de setembro de 2025, foi fixada a tese do Tema Repetitivo 1.178, cuja questão submetida a julgamento era definir se é legítima a adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural, levando em conta as disposições dos arts. 98 e 99, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC).
 
O resultado do julgamento consolidou as seguintes teses:
 
i) É vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural; ii) Verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente a comprovação de sua condição, indicando de modo preciso as razões que justificam tal afastamento, nos termos do art. 99, § 2º, do CPC; iii) Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido de gratuidade (BRASIL, 2025[1]).
 
Assim, com a relatoria do Ministro Og Fernandes, acompanhado por maioria da Corte Especial, seu voto concluiu o julgamento do Recursos Especiais de números 1.988.687/RJ, 1.988.697/RJ e 1.988.686/RJ, que estavam todos afetados para definição sob o rito dos recursos repetitivos.
 
A fixação da referida orientação decorre da constatação de que a aferição da hipossuficiência econômica relatada no pedido de concessão do benefício nos Tribunais de Primeira Instância era, muitas vezes, resumida a utilização de parâmetros objetivos pré-estabelecidos, tais quais a renda mensal ou o patrimônio do postulante. Dessa forma, se o valor percebido mensalmente ultrapassasse tal patamar, a decisão automaticamente seria denegatória, sem uma apreciação real da situação econômica da parte e sem a devida fundamentação necessária da decisão denegatória, portanto, consubstanciando uma barreira ao acesso à justiça e ofensa ao princípio da fundamentação da decisão judicial.
 
Ou seja, com o entendimento fixado, critérios objetivos, como a renda ou patrimônio do requerente, tornam-se um indício que pode levar o magistrado a intimá-lo para apresentar mais provas para comprovar sua real situação financeira, mas nunca deverão ser utilizados como única justificativa para indeferimento imediato do benefício pretendido, porquanto não será mais aceita a negativa sem a devida fundamentação advinda de uma apreciação pormenorizada da situação financeira da parte.
 
O benefício da gratuidade da justiça é o direito à isenção do pagamento das custas e demais despesas processuais àqueles que efetivamente comprovarem não ter recursos suficientes, sem que isso implique prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família, para que a renda não seja utilizada como forma de barrar o acesso à justiça.
 
Nesse sentido, como uma forma de garantia constitucional e processual, existe a presunção de veracidade relativa (juris tantum) da declaração de hipossuficiência financeira da parte em arcar com as custas e despesa processuais, decorrente do artigo 99, §3º, do CPC. Assim, a declaração de que a parte não possui recursos suficientes deve ser recebida como verdadeira, até que se prove o contrário. No caso, somente poderá ser elidida a presunção se houver elementos ou provas concretas nos autos que demonstrem que o requerente, na verdade, dispõe de capacidade financeira para sustentar os custos de um processo, evitando, dessa forma, o abuso do pedido pelos que não fazem jus à concessão da benesse.
 
Contudo, como constatado pelas razões que levaram ao julgamento da tese repetitiva fixada, muitos magistrados passaram a usar critérios rígidos e automáticos para fundamentar as decisões que indeferiam o benefício da gratuidade da justiça postulado quando da apresentação da demanda ao Judiciário, em especial, a utilização de três (3) a cinco (5) salários-mínimos como patamar balizador para sua concessão. Consequentemente, se a parte recebesse valor superior que fosse ao limite ficto, o benefício seria imediatamente indeferido, sem uma fundamentação singularizada da realidade financeira da parte requerente.
 
O novo direcionamento, obrigatório e vinculante, tem a finalidade de reduzir decisões divergentes entre tribunais estaduais e federais, uniformizando a apreciação do benefício da justiça gratuita e garantindo maior segurança jurídica, ao tempo que as eventuais decisões denegatórias devem ser fundamentadas com base nos documentos apresentados pela parte que comprovem sua real capacidade financeira, jamais indeferidos de forma automática com a utilização de critérios objetivos.
 
Com a fixação do Tema Repetitivo 1.178, espera-se que a análise individualizada da situação financeira da pessoa natural postulante do benefício da gratuidade da justiça seja realizada de forma fundamentada em evidências documentais concretas, respeitada a forma prevista no artigo 99, §2º, do CPC, não mais em apenas parâmetros objetivos, bem como não seja deferida tão somente com base em declarações de hipossuficiência desacompanhadas da efetiva comprovação da situação econômica da parte.
 
Dessa forma, com uma apreciação completa da situação financeira da parte, deve-se observar a diminuição do indeferimento automático fundamentado em critérios objetivos, ao tempo que, constatada a existência de elementos que afastem a presunção de veracidade da declaração de impossibilidade de arcar com as custas processuais, proceder-se-á com a incumbência do ônus probatório da parte para que comprove fazer jus à concessão da benesse, evitando, assim, o abuso do pedido.
 
Dessarte, a decisão do STJ protege o direito fundamental de acesso à justiça ao impedir que a ausência de recursos financeiros se torne um obstáculo para buscar direitos no Judiciário. O objetivo é preservar "a garantia do vulnerável de não ser afastado do processo por barreiras econômicas", nas palavras do Relator, impedindo que o momento tão importante de acesso à justiça tenha sua análise limitada a tão somente critérios objetivos e que, muitas vezes, não representam fielmente a real capacidade financeira da parte. Trata-se, em última análise, da efetivação prática do princípio constitucional do acesso à justiça e da garantia de uma ordem jurídica verdadeiramente justa.

[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema Repetitivo n. 1.178: Definir se é legítima a adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural, levando em conta as disposições dos arts. 98 e 99, § 2º, do Código de Processo Civil. Brasília, 2025. Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1178&cod_tema_final=1178>. Acesso em: 07/10/2025.