01.03

Imprensa

Direito Tributário

Contribuinte questiona na Justiça regras da repatriação

Por Beatriz Olivon e Joice Bacelo

Um contribuinte obteve liminar para não ser fiscalizado e excluído do programa de repatriação — o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct). O pedido foi apresentado por medo de sofrer retaliação após questionar na Justiça regras do programa e exigir a devolução de R$ 16,68 milhões, parte do que pagou para trazer recursos ao país.

Pessoas físicas e empresas que aderiram à repatriação, instituída pela Lei nº 13.254, de 2016, seguem sendo acompanhados de perto pela Receita. Em 2019, foram selecionadas 367 para aplicação de procedimentos de auditoria para verificação dos requisitos para adesão e permanência no regime, segundo informações do órgão. Até o fim daquele ano, tinham sido encerrados 48 procedimentos fiscais.

No caso da liminar, o contribuinte declarou 200 ações de empresa localizada no Panamá, reunidas em um “trust”. O valor correspondia a R$ 42,6 milhões, sobre o qual ele pagou os tributos exigidos pela Receita Federal.

Brasileiros com dinheiro não declarado no exterior puderam regularizar a situação por meio do regime especial. Havia alguns requisitos: a origem do dinheiro tinha que ser lícita e o contribuinte deveria pagar 15% de imposto e 15% de multa sobre os valores declarados. Em troca, era liberado de responder por crimes como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Mas, para o contribuinte, a Receita mudou as regras do jogo ao alterar o conteúdo do “Perguntas e Respostas” da Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat) por meio do Ato Declaratório Interpretativo nº 5, de 2018. A mudança prevê a possibilidade de intimação de quem aderiu à repatriação para comprovação da origem lícita dos recursos, o que, para ele, deixou uma brecha para eventual fiscalização e exclusão do programa.

A liminar foi concedida pelo juiz Paulo Cristovão de Araújo Silva Filho, da 2ª Vara Federal de Joinville (SC). Ele considerou surpreendente tratar de um conteúdo de “Perguntas e Respostas”. “Se um decreto presidencial não pode gerar ou eximir alguém de obrigações, menos ainda poderia isso fazer um conjunto de perguntas e respostas”, afirma.

O juiz reconheceu a ilegalidade de eventual deflagração do procedimento de fiscalização contra o autor ou sua exclusão em decorrência do processo. Mas permitiu que a Receita adote essas providências se constatar outros elementos indiciários de que a declaração prestada pelo autor foi falsa (processo nº 5000792-98.2021.4.04.7204).

“Pela lei, a fiscalização é possível. Mas o fiscal deve provar a origem ilícita dos bens repatriados”, afirma o advogado do caso, Arthur Ferreira Neto, do escritório Ferreira Neto Advogados. “Nosso pedido na liminar foi para a Receita não importunar o cliente durante a ação.”

Na ação que motivou o pedido liminar, o contribuinte alega que é inconstitucional cobrar Imposto de Renda sobre valor que não é renda, mas sim patrimônio. Além disso, diz que foi tributado indevidamente por determinado período — por terem vencido os cinco anos de decadência.

Para o advogado, a lei não poderia ter previsões inconstitucionais, como tributar patrimônio pelo IR, não respeitar a decadência e mesmo impedir o compartilhamento de informações. O último ponto não é tratado na ação, mas começou a ser analisado na sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Tributaristas defendem a proibição do compartilhamento. Sem esse trecho da lei, dizem, os contribuintes ficariam sujeitos a novas cobranças e investigações. Os Estados, por exemplo, poderiam tentar cobrar ITCMD sobre valores repatriados.

O julgamento é uma corrida contra o tempo já que a repatriação começou em 2016 e depois de cinco anos não é mais possível cobrar tributo sobre valores devidos. O prazo pode ser ainda menor. De acordo com a tributarista Ana Cláudia Utumi, há dúvida se não deve ser contado desde dezembro de 2014, prazo limite para os valores que estavam no exterior e podiam ser repatriados.

O relator no STF, ministro Luís Roberto Barroso, abriu o julgamento na sexta-feira com voto favorável à garantia do sigilo das informações. No voto, afirma que estão previstas regras claras de exclusão em caso de apresentação de declarações ou documentos falsos e que se isso ocorrer o contribuinte perde todos os benefícios concedidos.

O ministro diz também que o programa de repatriação é “uma espécie de transição”, autorizada pelo Código Tributário Nacional, e que, nesse contexto, as regras especiais de sigilo são exemplos de garantia dada a quem optou por aderir. As “regras do jogo”, portanto, devem ser mantidas e observadas.

O sigilo das informações, dizem advogados, era uma das “regras de ouro” do programa. Está previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 7º da lei. Os dispositivos proíbem a divulgação e o compartilhamento dos dados — inclusive com Estados, Distrito Federal e municípios.

A primeira fase do programa, em 2016, teve a adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas, com arrecadação de R$ 46,8 bilhões. Já na segunda fase, em 2017, aderiram 1.915 pessoas físicas e 20 empresas. A arrecadação foi de R$ 1,6 bilhão.

Fonte: Valor Econômico, 28/02/2021.
{

Advogados

Tratamento de Dados Pessoais (Data Protection Officer - DPO)

E-mail: lgpd@lippert.com.br