25.08
Imprensa
Direito Tributário
Receita Federal busca aval da PGFN para reduzir créditos de PIS/Cofins
Por Joice Bacelo
A Receita Federal busca o respaldo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para reduzir o valor dos créditos de PIS e Cofins gerados com a aquisição de bens e insumos. O entendimento é de que os contribuintes têm que contabilizar esses créditos usando o mesmo critério de cálculo dos pagamentos à União — ou seja, sem o ICMS embutido.
Trata-se de um desdobramento da chamada “tese do século”, cujo julgamento foi concluído no mês de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O custo dessa tese para a União é estimado em R$ 358 bilhões, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Mas aqui o efeito é ruim para as empresas: sem o ICMS, o valor do crédito diminui e a conta a pagar ao governo aumenta.
A posição da Receita Federal consta em um parecer da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal. É um documento interno, que ganhou notoriedade entre advogados porque foi juntado em um processo que tramita no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, no dia 13 — menos de 24 horas depois de o STF ter publicado o acórdão da “tese do século” (processo nº 5000538-78.2017.4.03.6110).
Nesse parecer, a Receita Federal afirma que o está enviando para a PGFN em forma de “consulta”. Solicita que os procuradores façam a “ratificação ou retificação” do entendimento.
“Se for admitida a manutenção do ICMS no valor de aquisição de bens que dão direito a crédito, haverá um completo desvirtuamento da não cumulatividade da contribuição para o PIS e a Cofins, esvaziando a arrecadação”, diz no texto.
Consta ainda, nesse parecer, que “em situação limite, considerando as margens de agregação na cadeia de produção e comercialização de determinado produto, é possível chegar-se a saldo líquido negativo”. E, neste caso, frisa, o contribuinte teria valores a receber e não a pagar, o que faria com que a União subsidiasse a atividade econômica com valores retirados da seguridade social.
A tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para quem está no regime não cumulativo — praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
Contexto
O STF decidiu, em maio, que a parcela do ICMS que consta na nota de saída — venda dos produtos — deve ser retirada do cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros consideraram que o imposto estadual não pode ser classificado como receita ou faturamento, que é a base de incidência das contribuições.
Com a retirada do imposto estadual da conta, a base de cálculo do PIS e da Cofins foi reduzida e, consequentemente, os valores a pagar ao governo ficaram menores. As empresas, além disso, têm o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida nos últimos anos.
Agora, a Receita Federal afirma que, pela lógica, a parcela do ICMS que consta nas notas de entrada, ou seja, na tomada de crédito, também não poderia ser contabilizada.
"Não foi publicado no Diário Oficial, nem no site de normas da Receita Federal. Mas demonstra um ato potencial para restringir o direito ao crédito" — Luís Alexandre Barbosa.
Análise
Advogados afirmam, no entanto, que não há base legal para a essa construção. “Só seria possível com uma mudança na lei”, diz Felipe Azevedo Maia, sócio do escritório AZM Advogados Associados.
Ele contextualiza que as leis do PIS e da Cofins dão tratamentos diferentes para essas duas situações. “A saída é baseada nos artigos 1º e 2º. Já o crédito está no artigo 3º. Consta que a empresa pode tomar crédito sobre toda a despesa incorrida com serviços e mercadorias adquiridas como insumo. A legislação trata de uma maneira que não abre espaço para interpretação”, complementa.
“Entendemos que esse parecer não tem efeito vinculante. Não foi publicado no Diário Oficial, nem no site de normas da Receita Federal. Mas demonstra um ato potencial para restringir o direito ao crédito”, diz o advogado Luís Alexandre Barbosa, do escritório LBMF.
O advogado Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, chama a atenção, além disso, que o Supremo Tribunal Federal não tratou dessa questão ao decidir sobre a “tese do século”. “Se está inaugurando um outro contencioso igualmente complexo e valioso”, afirma.
A conduta da Receita, porém, não causa surpresa no mercado. Reportagem publicada pelo Valor no mês de julho mostrou que pelo menos duas empresas foram cobradas por valores que teriam deixado de recolher aos cofres públicos nos últimos cinco anos.
Essas companhias foram autuadas depois de informar à Receita sobre os valores que têm a receber do governo por conta de decisões judiciais permitindo a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Elas pretendiam utilizar tais quantias para quitar tributos correntes.
“A Receita Federal está querendo diminuir a derrota da `tese do século´ nos créditos”, aponta Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados.
Subsecretário de Arrecadação e Cobrança da Receita Federal, Frederico Faber afirmou ao Valor, naquela ocasião, no entanto, que não tratava-se de um movimento coordenado do órgão. Disse que aguardavam a publicação do acórdão da “tese do século” — o que ocorreu no dia 12 — e, depois disso, emitiriam um comunicado oficial aos contribuintes sobre a interpretação e operacionalização da decisão dos ministros.
As questões relacionadas aos créditos decorrentes da aquisição de insumos, ele disse, constariam nesse documento.
Faber afirmou ainda, naquela ocasião, que após a divulgação desse comunicado, a Receita Federal vai dar um prazo para que os contribuintes ajustem as suas declarações — caso entendam necessário. Só depois desse prazo, segundo ele, é que poderão ocorrer autuações e multas referentes ao tema.
A Receita Federal foi procurada novamente pelo Valor, desta vez para falar sobre o parecer assinado pela Cosit, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2021.
A Receita Federal busca o respaldo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para reduzir o valor dos créditos de PIS e Cofins gerados com a aquisição de bens e insumos. O entendimento é de que os contribuintes têm que contabilizar esses créditos usando o mesmo critério de cálculo dos pagamentos à União — ou seja, sem o ICMS embutido.
Trata-se de um desdobramento da chamada “tese do século”, cujo julgamento foi concluído no mês de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O custo dessa tese para a União é estimado em R$ 358 bilhões, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Mas aqui o efeito é ruim para as empresas: sem o ICMS, o valor do crédito diminui e a conta a pagar ao governo aumenta.
A posição da Receita Federal consta em um parecer da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal. É um documento interno, que ganhou notoriedade entre advogados porque foi juntado em um processo que tramita no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, no dia 13 — menos de 24 horas depois de o STF ter publicado o acórdão da “tese do século” (processo nº 5000538-78.2017.4.03.6110).
Nesse parecer, a Receita Federal afirma que o está enviando para a PGFN em forma de “consulta”. Solicita que os procuradores façam a “ratificação ou retificação” do entendimento.
“Se for admitida a manutenção do ICMS no valor de aquisição de bens que dão direito a crédito, haverá um completo desvirtuamento da não cumulatividade da contribuição para o PIS e a Cofins, esvaziando a arrecadação”, diz no texto.
Consta ainda, nesse parecer, que “em situação limite, considerando as margens de agregação na cadeia de produção e comercialização de determinado produto, é possível chegar-se a saldo líquido negativo”. E, neste caso, frisa, o contribuinte teria valores a receber e não a pagar, o que faria com que a União subsidiasse a atividade econômica com valores retirados da seguridade social.
A tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para quem está no regime não cumulativo — praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
Contexto
O STF decidiu, em maio, que a parcela do ICMS que consta na nota de saída — venda dos produtos — deve ser retirada do cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros consideraram que o imposto estadual não pode ser classificado como receita ou faturamento, que é a base de incidência das contribuições.
Com a retirada do imposto estadual da conta, a base de cálculo do PIS e da Cofins foi reduzida e, consequentemente, os valores a pagar ao governo ficaram menores. As empresas, além disso, têm o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida nos últimos anos.
Agora, a Receita Federal afirma que, pela lógica, a parcela do ICMS que consta nas notas de entrada, ou seja, na tomada de crédito, também não poderia ser contabilizada.
"Não foi publicado no Diário Oficial, nem no site de normas da Receita Federal. Mas demonstra um ato potencial para restringir o direito ao crédito" — Luís Alexandre Barbosa.
Análise
Advogados afirmam, no entanto, que não há base legal para a essa construção. “Só seria possível com uma mudança na lei”, diz Felipe Azevedo Maia, sócio do escritório AZM Advogados Associados.
Ele contextualiza que as leis do PIS e da Cofins dão tratamentos diferentes para essas duas situações. “A saída é baseada nos artigos 1º e 2º. Já o crédito está no artigo 3º. Consta que a empresa pode tomar crédito sobre toda a despesa incorrida com serviços e mercadorias adquiridas como insumo. A legislação trata de uma maneira que não abre espaço para interpretação”, complementa.
“Entendemos que esse parecer não tem efeito vinculante. Não foi publicado no Diário Oficial, nem no site de normas da Receita Federal. Mas demonstra um ato potencial para restringir o direito ao crédito”, diz o advogado Luís Alexandre Barbosa, do escritório LBMF.
O advogado Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, chama a atenção, além disso, que o Supremo Tribunal Federal não tratou dessa questão ao decidir sobre a “tese do século”. “Se está inaugurando um outro contencioso igualmente complexo e valioso”, afirma.
A conduta da Receita, porém, não causa surpresa no mercado. Reportagem publicada pelo Valor no mês de julho mostrou que pelo menos duas empresas foram cobradas por valores que teriam deixado de recolher aos cofres públicos nos últimos cinco anos.
Essas companhias foram autuadas depois de informar à Receita sobre os valores que têm a receber do governo por conta de decisões judiciais permitindo a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Elas pretendiam utilizar tais quantias para quitar tributos correntes.
“A Receita Federal está querendo diminuir a derrota da `tese do século´ nos créditos”, aponta Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados.
Subsecretário de Arrecadação e Cobrança da Receita Federal, Frederico Faber afirmou ao Valor, naquela ocasião, no entanto, que não tratava-se de um movimento coordenado do órgão. Disse que aguardavam a publicação do acórdão da “tese do século” — o que ocorreu no dia 12 — e, depois disso, emitiriam um comunicado oficial aos contribuintes sobre a interpretação e operacionalização da decisão dos ministros.
As questões relacionadas aos créditos decorrentes da aquisição de insumos, ele disse, constariam nesse documento.
Faber afirmou ainda, naquela ocasião, que após a divulgação desse comunicado, a Receita Federal vai dar um prazo para que os contribuintes ajustem as suas declarações — caso entendam necessário. Só depois desse prazo, segundo ele, é que poderão ocorrer autuações e multas referentes ao tema.
A Receita Federal foi procurada novamente pelo Valor, desta vez para falar sobre o parecer assinado pela Cosit, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2021.