14.12
Artigos
Direito Tributário
A antecipação do seguro garantia e o princípio da menor onerosidade da execução
por Larissa Pietrobon
O oferecimento de seguro-garantia a fim de garantir o débito fiscal em processo executivo restou introduzido no ordenamento jurídico com a Lei 13.043/2014, sendo tal modalidade equiparada a dinheiro para todos os efeitos legais. A partir disso, o seguro garantia passou a ser largamente utilizado nos processos executivos. Em caso de revés definitivo da parte executada, a apólice é então liquidada e os valores entregues ao credor.
A partir daí, se estabelece então o dever do devedor pagar a seguradora pelos valores adiantados ao credor/exequente.
Ocorre que as Procuradorias Fiscais passaram a postular a liquidação antecipada do seguro garantia judicial imediatamente após a prolação de sentença de improcedência dos embargos à execução, obtendo a ordem de intimação das seguradoras para depositar em Juízo os valores contratados, os quais lá permanecem até a decisão definitiva acerca da pretensão executiva.
O que se verifica é que a liquidação antecipada do seguro garantia onera a contribuinte de forma indevida, pois os valores permanecem sob guarda do Juízo até o julgamento definitivo dos embargos de devedor, sem gerar nenhum benefício efetivo ao ente fazendário, que permanece sem receber seu crédito.
A este respeito, é importante lembrar que os valores objeto do seguro garantia judicial e o depósito judicial sofrem a incidência de atualização monetária pelos mesmos índices aplicados sobre a dívida ativa, não havendo razões atinentes à liquidez ou correção monetária a justificar a liquidação antecipada do seguro.
O tema em discussão permanece em aberto. A liquidação antecipada do seguro garantia em execuções fiscais foi objeto do Projeto de Lei nº 2.384/2023, que previa a inclusão do §7º ao artigo 9º da LEF, a fim de impossibilitar sua liquidação antes do trânsito em julgado dos Embargos à Execução. Tal dispositivo, contudo, foi objeto de veto presidencial, ficando fora do texto definitivo da Lei 14.689/23 e perpetuando as incertezas sobre o assunto.
O Superior Tribunal de Justiça tem decisões no sentido de que a apólice de seguro pode ser liquidada após a sentença de improcedência dos embargos à execução diante do efeito meramente devolutivo do recurso de apelação e tais casos. Recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 1996660/RS, o Exmo. Min. Francisco Falcão reafirmou tal entendimento, referindo que há “[...] possibilidade de liquidação, nos autos, da carta de fiança ou seguro garantia, ressalvado apenas o levantamento do depósito realizado pelo garantidor ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2º, da LEF.”
Entendemos que o entendimento supra deve ser revisto, a teor do disposto no artigo 805 do CPC, que positiva o princípio da menor onerosidade da execução. De acordo com tal dispositivo, é assegurado ao executado o processamento da execução de forma menos gravosa ao mesmo, quando houver mais de um meio de fazê-lo.
Diante disso, tem-se que embora o processo executivo tramite em favor do exequente, buscando a máxima eficácia da execução, este deve transcorrer de forma a evitar demasiada onerosidade ao executado.
Tal entendimento é igualmente aplicável às execuções fiscais, tendo em vista a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei de Execuções Fiscais, de forma que o processo executivo fiscal deve, também, obedecer ao princípio da menor onerosidade.
E o seguro garantia atende de forma satisfatória a tal preceito, haja vista que assegura que o valor garantido tenha sua correção monetária nos mesmos termos que teria em caso de depósito judicial, sem exigir que a parte executada, que pretende discutir a dívida, disponha imediatamente de todo o montante cobrado no processo executório.
Nesse sentido, Theotonio Negrão, na obra Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor1 , em comentário ao artigo 9º da LEF pontuou que:
O seguro garantia e a fiança bancária, desde que suficientes para saldar o valor da dívida, constituem instrumentos idôneos de caução para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, vale dizer, da prática de qualquer ato executivo, pois garantem segurança e liquidez ao crédito do exequente, sem comprometer o capital do executado, produzindo os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, nos termos do disposto nos art. 835, § 2º, e 848, parágrafo único, do CPC/2015.*
Em nítido contrassenso, as decisões proferidas pelos Tribunais vêm violando aludido princípio, uma vez que a antecipação do seguro garantia onera o contribuinte de forma demasiada e sem gerar ao exequente a satisfação da execução.
Isso porque, nos casos em que o seguro garantia é liquidado de forma antecipada e a contribuinte, por conseguinte, tenha que dispor dos valores de forma imediata para ressarcir a seguradora, ainda assim o montante depositado pela seguradora não pode ser levantado antes do trânsito em julgado da demanda.
Ou seja, sob a ótica da satisfação da execução não há qualquer ganho ao exequente, ao passo que a executada é indevidamente onerada.
Ademais, a garantia ofertada no processo executivo deve se destinar, única e exclusivamente à garantia da dívida em discussão. Assim, não há que se falar em “menor eficácia” do seguro garantia em relação ao depósito em dinheiro, haja vista que não é objetivo dos processos executivos angariar fundos à execução orçamentaria do Estado, mas sim, satisfazer o débito executado. Nesse sentido, o seguro garantia cumpre integralmente a sua destinação, qual seja, assegurar que o valor executado esteja integralmente disponível ao final da lide, a fim de conceber total eficácia ao processo executivo em caso de vitória da exequente.
Portanto, merece reflexão a jurisprudência pátria que vem se formando a este respeito, haja vista que a liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado da defesa ofertada pela executada viola o princípio da menor onerosidade.
*NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. Ed. 54. São Paulo: Saraiva Educação, 2023, p. 1239.
O oferecimento de seguro-garantia a fim de garantir o débito fiscal em processo executivo restou introduzido no ordenamento jurídico com a Lei 13.043/2014, sendo tal modalidade equiparada a dinheiro para todos os efeitos legais. A partir disso, o seguro garantia passou a ser largamente utilizado nos processos executivos. Em caso de revés definitivo da parte executada, a apólice é então liquidada e os valores entregues ao credor.
A partir daí, se estabelece então o dever do devedor pagar a seguradora pelos valores adiantados ao credor/exequente.
Ocorre que as Procuradorias Fiscais passaram a postular a liquidação antecipada do seguro garantia judicial imediatamente após a prolação de sentença de improcedência dos embargos à execução, obtendo a ordem de intimação das seguradoras para depositar em Juízo os valores contratados, os quais lá permanecem até a decisão definitiva acerca da pretensão executiva.
O que se verifica é que a liquidação antecipada do seguro garantia onera a contribuinte de forma indevida, pois os valores permanecem sob guarda do Juízo até o julgamento definitivo dos embargos de devedor, sem gerar nenhum benefício efetivo ao ente fazendário, que permanece sem receber seu crédito.
A este respeito, é importante lembrar que os valores objeto do seguro garantia judicial e o depósito judicial sofrem a incidência de atualização monetária pelos mesmos índices aplicados sobre a dívida ativa, não havendo razões atinentes à liquidez ou correção monetária a justificar a liquidação antecipada do seguro.
O tema em discussão permanece em aberto. A liquidação antecipada do seguro garantia em execuções fiscais foi objeto do Projeto de Lei nº 2.384/2023, que previa a inclusão do §7º ao artigo 9º da LEF, a fim de impossibilitar sua liquidação antes do trânsito em julgado dos Embargos à Execução. Tal dispositivo, contudo, foi objeto de veto presidencial, ficando fora do texto definitivo da Lei 14.689/23 e perpetuando as incertezas sobre o assunto.
O Superior Tribunal de Justiça tem decisões no sentido de que a apólice de seguro pode ser liquidada após a sentença de improcedência dos embargos à execução diante do efeito meramente devolutivo do recurso de apelação e tais casos. Recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 1996660/RS, o Exmo. Min. Francisco Falcão reafirmou tal entendimento, referindo que há “[...] possibilidade de liquidação, nos autos, da carta de fiança ou seguro garantia, ressalvado apenas o levantamento do depósito realizado pelo garantidor ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2º, da LEF.”
Entendemos que o entendimento supra deve ser revisto, a teor do disposto no artigo 805 do CPC, que positiva o princípio da menor onerosidade da execução. De acordo com tal dispositivo, é assegurado ao executado o processamento da execução de forma menos gravosa ao mesmo, quando houver mais de um meio de fazê-lo.
Diante disso, tem-se que embora o processo executivo tramite em favor do exequente, buscando a máxima eficácia da execução, este deve transcorrer de forma a evitar demasiada onerosidade ao executado.
Tal entendimento é igualmente aplicável às execuções fiscais, tendo em vista a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei de Execuções Fiscais, de forma que o processo executivo fiscal deve, também, obedecer ao princípio da menor onerosidade.
E o seguro garantia atende de forma satisfatória a tal preceito, haja vista que assegura que o valor garantido tenha sua correção monetária nos mesmos termos que teria em caso de depósito judicial, sem exigir que a parte executada, que pretende discutir a dívida, disponha imediatamente de todo o montante cobrado no processo executório.
Nesse sentido, Theotonio Negrão, na obra Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor1 , em comentário ao artigo 9º da LEF pontuou que:
O seguro garantia e a fiança bancária, desde que suficientes para saldar o valor da dívida, constituem instrumentos idôneos de caução para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, vale dizer, da prática de qualquer ato executivo, pois garantem segurança e liquidez ao crédito do exequente, sem comprometer o capital do executado, produzindo os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, nos termos do disposto nos art. 835, § 2º, e 848, parágrafo único, do CPC/2015.*
Em nítido contrassenso, as decisões proferidas pelos Tribunais vêm violando aludido princípio, uma vez que a antecipação do seguro garantia onera o contribuinte de forma demasiada e sem gerar ao exequente a satisfação da execução.
Isso porque, nos casos em que o seguro garantia é liquidado de forma antecipada e a contribuinte, por conseguinte, tenha que dispor dos valores de forma imediata para ressarcir a seguradora, ainda assim o montante depositado pela seguradora não pode ser levantado antes do trânsito em julgado da demanda.
Ou seja, sob a ótica da satisfação da execução não há qualquer ganho ao exequente, ao passo que a executada é indevidamente onerada.
Ademais, a garantia ofertada no processo executivo deve se destinar, única e exclusivamente à garantia da dívida em discussão. Assim, não há que se falar em “menor eficácia” do seguro garantia em relação ao depósito em dinheiro, haja vista que não é objetivo dos processos executivos angariar fundos à execução orçamentaria do Estado, mas sim, satisfazer o débito executado. Nesse sentido, o seguro garantia cumpre integralmente a sua destinação, qual seja, assegurar que o valor executado esteja integralmente disponível ao final da lide, a fim de conceber total eficácia ao processo executivo em caso de vitória da exequente.
Portanto, merece reflexão a jurisprudência pátria que vem se formando a este respeito, haja vista que a liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado da defesa ofertada pela executada viola o princípio da menor onerosidade.
*NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. Ed. 54. São Paulo: Saraiva Educação, 2023, p. 1239.