14.06

Imprensa

Agronegócio

Brasil vai reagir na OMC a aliança Índia-UE sobre compras agrícolas

Por Assis Moreira

O Brasil junta forças com os EUA e outros exportadores agrícolas e faz contraproposta nesta terça-feira na Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma demanda da Índia apoiada pela União Europeia que ampliaria distorções no comércio agrícola internacional, segundo fontes.

Na conferência de ministros na OMC, a Índia ampliou suas exigências com proposta para um país poder exportar de governo a governo alimentos de seus estoques públicos, vendendo abaixo do preço mundial. Na prática, isso permitiria o retorno de subsídios à exportação agrícola cuja interdição foi um dos avanços ocorridos nos últimos anos na OMC.

Nas barganhas na conferência, a União Europeia (UE) passou a apoiar demanda da Índia nesse item. Em troca, quer obter que Nova Délhi não bloqueie outros acordos, como a renovação da moratória de tarifas em transmissões eletrônicas, e também o acordo para redução de subsídios à pesca, por exemplo. Na OMC, as decisões são tomadas por consenso. Se a Índia bloquear sozinha um acordo, os outros 163 países não conseguem o entendimento.

Assim, a UE apoiaria a Índia a obter um “waiver” (suspensão de certas regras) de dois anos para violar na prática as regras que proíbem subsídios à exportação agrícola. Com isso, a Índia não poderia ser questionada pelos outros países diante dos juízes da OMC nesse nesse período.

Além disso, a UE apoiaria um mandato para revisão das atuais regras de subsídios à exportação agrícola na OMC, para prever condições particulares para um país poder vender produtos eventualmente a preços subsidiados em momentos de crise, como a atual.

Para os exportadores, essa postura é ainda mais preocupante, com a articulação Índia-UE sendo comparada a um G20 em favor da perpetuação dos subsídios agrícolas que distorcem o comércio internacional.

Nesse cenário, o Brasil vem com contraproposta à da Índia, nesta terça-feira, copatrocinada pelos EUA, Canadá, Argentina, Uruguai, Paraguai, Austrália, Nova Zelândia e México, mostrando que não aceitam o movimento protecionista.

Países vulneráveis

Pela contraproposta, o objetivo é garantir espaço para os países vulneráveis. Diz o texto que os membros da OMC “se comprometem a dar a devida consideração” aos pedidos de país em desenvolvimento, especialmente os importadores líquidos de alimentos e as nações mais pobres, “para fornecer a esse membro alimentos de propriedade ou controlados por um membro e adquiridos em conformidade com o Acordo de Agricultura”. Os pedidos podem ser atendidos com o fornecimento dos estoques de alimentos como ajuda alimentar internacional em total conformidade com as disciplinas da OMC, particularmente as regras sobre subsídios à exportação.

A avaliação é de que a proposta indiana estimularia a acumulação de estoques públicos de alimentos para fins de exportação e não para fins de segurança alimentar, como é o objetivo oficial. Desregula mercados em situação normal, e em momentos de crise avança no mercado, dando sinais equivocados aos operadores no mercado internacional.

Também pode ter efeito de mais longo prazo, de deslocar mercados. Ou seja, a Índia acumula estoques públicos de alimentos, com subsídios, que depois poderia exportar, sobretudo em tempos de crise. Com isso, consolida uma posição em outros mercados em detrimento de países que não subsidiam a agricultura, como é o caso do Brasil.

Para certos negociadores, o que está em jogo é a capacidade de um país como a Índia subsidiar cerca de US$ 1 trilhão em dez anos para formar estoques que depois poderá jogar no mercado internacional e tomar fatias de mercados de outros países, de forma distorciva. A China e a Indonésia também dão subsídios para formação de estoques públicos, mas não os exportam e são muito menos distorcivos.

Legalização de política interna

O sentimento entre vários países exportadores é de que a Índia, aproveitando o cenário atual de explosão dos preços de alimentos e restrições na exportação aplicadas por 26 países, quer legalizar sua própria política interna e com isso escoar parte de estoques já formados com subsídios, e que em alguns casos acabam apodrecendo.

A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), consciente do risco, pediu ao presidente Jair Bolsonaro para o Brasil “mostrar seu protagonismo” no encontro ministerial da OMC e atuar contra o que chamou de “atuação oportunista de bloco de países, cuja ação poderá vir a trazer maiores problemas à segurança alimentar global, agindo nesse instituto na Conferência Ministerial da OMC.

Para o agronegócio brasileiro, as propostas apresentadas pela Índia e outros países membros da OMC “levariam a uma permissão ilimitada de suportes de preços que distorcem o comércio”, e tornariam sem sentido as regras sobre apoio doméstico agrícola, beneficiando só alguns países em desenvolvimento.

O preço a pagar para a Índia não bloquear tudo na OMC não é algo que todos aceitam pagar. Segundo um importante negociador, a frente contra a Índia se amplia na OMC. Na plenária de segunda-feira sobre agricultura, todos os países africanos apoiaram o pacote de textos para o setor proposto pela diretora-geral, na conferência ministerial. “A Índia ficou sem chão”, relata esse negociador, para indicar o crescente isolamento indiano.

O Grupo de Cairns, com 17 grandes produtores agrícolas, incluindo o Brasil, Argentina, Austrália e Canadá, que fazem mais de 25% das exportações mundiais do setor, divulgou comunicado no domingo no qual nota que as múltiplas crises, como a guerra na Ucrânia, estão afetando a segurança alimentar global, especialmente nos países em desenvolvimento. E pede para os membros da OMC assegurarem que qualquer medida introduzida no cenário atual seja temporária, bem focada, transparente, proporcional e o menos distorciva possível, e aplicada de forma consistente com as regras da entidade.

Para o grupo, a crise alimentar pode ser resolvida com comércio aberto, e não com subsídios. Aponta estimativa das Nações Unidas, de que o apoio global aos produtores agrícolas alcança quase US$ 540 bilhões por ano, a maioria em forma que distorce o comércio, com apoio ao preço, ou prejudicial ao meio ambiente.

Fonte: Valor Econômico, 14/06/2022.