28.04

Imprensa

Financeiro

Crédito privado se ajusta a nova regra

Por Lucinda Pinto

O mercado de crédito privado começa a se preparar para uma importante mudança que será implementada no início do próximo ano, com potencial para provocar ajustes nas decisões de investimento. De acordo com resolução da Anbima, títulos de dívida privada que estão nas carteiras de pessoas físicas terão que ser marcadas a mercado a partir do dia 2 de janeiro de 2023. Isso significa que as oscilações de preço que esses papéis sofrem terão de ser informadas aos clientes.

A medida vale para debêntures - incentivadas ou tradicionais -, CRAs, CRIs e títulos públicos comprados por meio do sistema Selic. A nova regra pode até dar um susto em alguns investidores, menos acostumados à dinâmica de preços desses ativos. Mas é considerada muito oportuna, ao conferir mais transparência e permitir que o investidor decida se deve ou não seguir na posição.

Neste momento, apenas os fundos de crédito privado têm a obrigação de fazer a marcação a mercado. Com isso, o investidor consegue visualizar, dia a dia, se suas cotas ganharam ou perderam valor. Para a pessoa física, a informação disponível por enquanto é apenas a chamada marcação na curva, ou seja, quanto o papel vai render se for carregado até seu vencimento (levando em conta também a variação do CDI ou do IPCA).

Essa nova norma deve, portanto, trazer mais equidade entre esses dois grupos: os fundos e os distribuidores. “Hoje, a pessoa física tem a falsa sensação de que só ganha. Com essa informação, vai olhar a alocação com outros olhos, e isso vai ser bom para todos”, diz o gestor de um fundo de crédito que prefere não ser identificado.

A partir de dados relativos ao desempenho do mercado secundário disponibilizados pela Anbima, é possível dizer que o investidor poderá ter perdas no resgate dos papéis em boa parte dos casos. Hoje, as debêntures incentivadas são negociadas, no conjunto, a 96,8% de seu valor de face, em média. Isso significa que, se fossem resgatadas hoje, a perda seria de, em média, 4,2%. No caso dos CRAs, esse desconto está hoje em 2,3%, e dos CRIs, em 1,9%. Existem papéis com perdas ainda mais acentuadas. Um exemplo é o papel da Rumo, emissor AAA - de baixo risco de crédito, portanto. Marcado pela curva, o retorno do investidor que comprou o papel emitido em 2021 estaria hoje ao redor de 18%. Na marcação a mercado, ele teria uma perda de 0,4%. Essa diferença, neste caso, tem a ver com a dinâmica de oferta e demanda do mercado, que pode alterar os spreads (taxa paga acima do CDI ou da NTN-B) de cada papel.

Para Thiago Manso, responsável por vendas e negociações de renda fixa da XP, o conceito da marcação a mercado, que não é novo para o investidor que compra ações, por exemplo, não vigorava para o crédito privado por causa das condições do mercado. Não havia referências consistentes, e o investidor carregava esses papéis até o vencimento. “Com o crescimento recente do mercado secundário de títulos privados, o cliente passou a demandar essa marcação”, explica. Em uma espécie de ciclo virtuoso, a possibilidade de ter a informação sobre a dinâmica de preço do papel deve estimular ainda mais esse segmento.

O volume de negócios no mercado secundário de debêntures, CRA, CRI e Letras Financeiras atingiu o recorde de R$ 27 bilhões em março deste ano. Para se ter uma ideia, em janeiro o giro ficou em R$ 15,8 bilhões.

Manso destaca ainda que a medida vai trazer mais consistência ao mercado. Ao mesmo tempo, cresce a responsabilidade dos gestores e casas de research, que vão ter que aperfeiçoar a oferta de informações. “O cliente vai ver a variação e vai querer saber mais sobre a empresa, mais sobre a dinâmica do mercado”, diz. “Será preciso investir mais em inteligência tecnológica e de análise.” Segundo ele, a XP já disponibiliza ao cliente a informação de marcação a mercado desde 2019.

Segundo Luciane Effting, vice-presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, a norma estabelece que todos os distribuidores informem pelo menos mensalmente a variação financeira dos papéis que estão nas carteiras dos clientes. Essas casas poderão adotar a referência de preços da própria Anbima - que disponibiliza essas métricas para 90% de todas as debêntures emitidas -, ou usar as referências de preço de outros provedores, como a B3. Também existe a possibilidade de se fazer uma metodologia própria. Dada a complexidade de se adequar os sistemas para que a informação seja colocada à disposição do cliente, a entidade decidiu dar um prazo de alguns meses para a adequação tecnológica. Mas ela reconhece que o investimento na informação prévia desse investidor também será fundamental neste momento.

Segundo Marcelo Freitas, assessor da Conexão BR Investimentos, ainda é muito comum que o investidor compre papéis com o objetivo de mantê-los na carteira até o vencimento. Para esses, as oscilações de preço não têm qualquer impacto. Mas existem situações em que uma melhora no desempenho daquele título pode abrir espaço para uma troca de posição que favorece esse cliente. E, portanto, é fundamental que o investidor consiga acessar, ele mesmo, essa informação. “Nossos clientes já estão acostumados com esse conceito da marcação a mercado, mas será muito importante que a informação esteja colocada de forma bem clara para todos”, define.

Fonte: Valor Econômico, 28/04/2022.
Tratamento de Dados Pessoais (Data Protection Officer - DPO)

E-mail: lgpd@lippert.com.br