22.04

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Recuperação de Empresas e Falências

Empresas em recuperação adotam mediação para negociar com credor

Por Joice Bacelo

Vem ganhando força entre empresas endividadas o uso da mediação para resolver problemas com os credores. Especialmente dentro dos processos de recuperação judicial - como um suplemento. A Renova Energia optou, há poucos dias, por experimentar essa modalidade. A lista de adeptos tem também o Hotel Maksoud Plaza e a rede de lojas Le Postiche.

A medida pode ser uma solução rápida e de baixo custo para devedores e credores. Acordos fechados por meio de mediação são homologados pelos juízes e têm valor de sentença. O litígio termina ali, reduzindo gastos com honorários, despesas judiciais e a quantidade de recursos que viria com um processo judicial.

Discussões levadas aos tribunais superiores podem durar anos - às vezes décadas - para ter fim. Com a mediação, geralmente, são só alguns meses. No caso envolvendo a Le Postiche, por exemplo, o acordo foi homologado no mesmo mês.

Tanto a Le Postiche como o Maksoud e a Renova Energia estão em processo de recuperação na Justiça de São Paulo. O uso da mediação foi indicado pelo juiz ou o administrador judicial do caso e a medida só foi adiante porque as partes - devedor e credor - concordaram em tentar um acordo.

A Renova, por exemplo, aceitou sentar à mesa com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para tratar sobre o pagamento de valores devidos a 237 transmissoras. As negociações estão ainda no começo.

O juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital paulista, onde corre o processo da companhia, nomeou em março uma câmara especializada, a Med Arb RB, para atuar no caso. É nesse ambiente, com o auxílio de um mediador, que tentarão uma decisão por consenso.

O uso da mediação em conflitos empresariais, de forma geral, ocorre já há bastante tempo no Brasil e no exterior - especialmente nos Estados Unidos. Mas vem sendo transportado, aos poucos, para os processos de recuperação judicial. O primeiro caso no país foi o da Oi.

A operadora teve permissão do juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio, onde corre o seu processo de recuperação, para utilizar a mediação no ano de 2017. Foram fechados acordos com mais de 50 mil credores - a maioria detentora de créditos de até R$ 50 mil - por meio de uma plataforma on-line desenvolvida pela Fundação Getulio Vargas.

“Deu muito certo. Mas havia desconfiança se funcionaria para outros casos. A recuperação da Oi é a maior da América Latina”, diz a advogada Samantha Longo, que atuou no caso.

Começou a se falar mais em mediação no mercado de recuperações depois que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou recomendações aos juízes. A primeira foi no fim de 2019 e outras vieram em 2020 - o ano do início da pandemia.

Mas a “chave virou”, segundo especialistas, com a reforma da Lei de Falências e Recuperações Judiciais (nº 11.101), no início de 2021. A norma passou a prever o uso da mediação inclusive como uma etapa pré-processual, com direito a benefícios que antes só eram permitidos dentro dos processos - como a suspensão das ações de cobrança contra a devedora por 60 dias.

A Le Postiche, empresa de bolsas, malas e acessórios, decidiu pela mediação em julho de 2021. Usou esse método para resolver conflito com proprietários de imóveis onde funcionavam algumas se suas lojas. A companhia concordou em entregar as salas e os locadores, em troca, deram as dívidas por quitadas.

Sem acordo, a dívida ficaria dentro do processo de recuperação - a ser paga conforme o plano aprovado em assembleia, com possibilidade de desconto e pagamento parcelado - e os proprietários teriam dificuldade de reaver os imóveis de forma imediata.

“A mediação tem que ser analisada caso a caso e usada naqueles em que realmente precisa e pode dar certo”, pondera o advogado Julio Mandel, que atua na recuperação da empresa.

O acordo com os locadores foi homologado no mesmo mês pela juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional de Competência Empresarial, na capital paulista, onde tramita o processo da Le Postiche.

No caso do Maksoud, a mediação foi utilizada em uma briga histórica: a posse do icônico prédio na capital paulista onde o cinco estrelas funcionou por 42 anos.

Havia litígio desde 2011, quando os empresários Jussara e Fernando Simões, irmãos e acionistas da Simpar, arremataram o imóvel por R$ 72 milhões - R$ 137 milhões em valores atualizados - em um leilão da Justiça do Trabalho. A Hidroservice, holding do grupo Maksoud, questionou a validade do leilão na Justiça e vinha, entre idas e vindas, se segurando na posse do hotel.

Durante o processo de recuperação, após recomendação do administrador judicial, as partes concordaram em tentar um acordo por meio de mediação. Deu certo.

Ficou acertado que não haveria honorários de sucumbência - quando a parte derrotada paga o advogado da parte vencedora. E o principal: fixaram uma cláusula de incentivo de desocupação. Os irmãos Simões se comprometeram em pagar um valor extra de R$ 59 milhões e o Maksoud, em troca, entregaria o prédio no prazo estipulado.

Com os valores, o Maksoud consegue quitar o plano de recuperação, pagar dívidas tributárias e ainda sobra dinheiro para dar continuidade às atividades da empresa - agora, mais ligadas à prestação de serviço e gestão imobiliária.

O acordo, fechado em cinco meses, foi homologado pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo, que abriga o processo do Maksoud.

Mas o caso ainda não está completamente fechado. Os irmãos Claudio e Roberto Maksoud, filhos do fundador do hotel, Henry Maksoud, entraram com recurso na Justiça questionando o valor da venda do prédio, que, segundo eles, valeria R$ 300 milhões.

Por conta dessa situação, a empresa demorou um pouco além do previsto para entregar o prédio. Isso, hoje, já está feito. A fase atual é a de registro da carta de arrematação na matrícula do imóvel. Segundo interlocutores, o registro deve sair até o fim do mês.

Com essa etapa concluída, o valor de arrematação fica disponível para a empresa. Já o extra de R$ 59 milhões, previsto com a cláusula de incentivo à desocupação, só será liberado quando o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmar o acordo homologado em primeira instância.

“Costumam dizer que a mediação é um método alternativo. Mas, como disse o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do STJ, é, na verdade, o método adequado, que busca a desjudicialização. As partes conseguem resolver a situação de forma bem menos desgastante”, afirma Elias Mubarak, presidente da Med Arb RB.

A câmara é especializada em mediação, arbitragem e outros métodos de resolução de conflitos relacionados à insolvência empresarial. Antes de fundar a Med Arb RB, Elias Mubarak atuava, individualmente, como mediador. Foi ele quem conduziu os acordos envolvendo o Maksoud e os irmãos Simões e a Le Postiche e os locadores de imóveis.

“O caminho é longo e nós estamos no princípio”, diz, em relação à consolidação desse método nos processos de recuperação. Segundo Mubarak, há um incentivo à prática, principalmente, por parte de juízes de varas especializadas.

Paulo Furtado, da 2ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo, afirma que a mediação tem sido utilizada para aproximar o devedor dos credores na construção do plano de pagamento, por exemplo, e também em situações bilaterais. “Tem sido um caminho frutífero”, diz.

O juiz acompanha cinco casos. Entre eles, o da Renova Energia. Ele estuda, inclusive, mais uma indicação do uso de mediação nesse processo. Desta vez, para tratar do arrendamento das terras onde estão instaladas torres de energia eólica da empresa. “A mediação pode facilitar o entendimento dos credores, os donos das terras, de como funcionam os processos de recuperação.”

A Renova Energia foi procurada pelo Valor para comentar o uso da mediação, mas não deu retorno.

Fonte: Valor Econômico, 22/04/2022.
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