16.08
Imprensa
Recuperação de Empresas e Falências
Empresas em recuperação obtêm financiamentos que somam R$ 3 bi
Por Joice Bacelo
Uma mudança na Lei de Falências vem garantindo a entrada de recursos no caixa de empresas em recuperação judicial. Oito delas obtiveram recentemente autorização judicial para receber R$ 3,1 bilhões por meio de contratos de DIP Financing - modalidade de financiamento específica para companhias em crise. A Samarco e a Renova Energia, por exemplo, estão entre elas.
O DIP (debtor in possession) foi regulamentado no início do ano, quando ocorreram as modificações na Lei nº 11.101, de 2005. Essa seria a principal explicação, segundo advogados que atuam na área, para o atual volume de negociações. Com a nova legislação, afirmam, foram criados mecanismos que garantem celeridade e segurança aos negócios.
Não é mais necessário, por exemplo, que os financiamentos sejam aprovados em assembleia-geral de credores. Hoje, com a nova regra, a empresa em recuperação comunica o juiz e ele ouve o comitê de credores (que aqui no Brasil praticamente inexiste nos processos) ou, na falta deste, o administrador judicial. Com o aval, pode, imediatamente, liberar o financiamento.
Depois que o dinheiro sai da conta do investidor e entra no caixa da companhia em recuperação não há mais como reverter o que foi feito. Trata-se de uma medida irrecorrível - algo raro no Judiciário brasileiro.
O investidor, além disso, tem prioridade de recebimento. Ele não está submetido ao processo de recuperação e, se a companhia falir, receberá antes de todos os outros (inclusive Fisco e trabalhadores).
“Antes, fazíamos de forma artesanal e, por isso, não despertava tanto interesse do mercado. A única garantia que se tinha era uma decisão judicial que poderia ser alterada por recursos. Agora existe um mecanismo muito mais sofisticado e previsto em lei”, observa Luiz Roberto Ayoub, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e sócio do Galdino & Coelho Advogados.
O caso envolvendo a Samarco é um dos mais recentes no mercado. Há autorização da Justiça para a celebração do contrato de financiamento, mas a operação ainda não foi fechada.
Consta na decisão do juiz Adilson Cláver de Resende, da 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, que a mineradora pode celebrar o DIP com um financiador de sua escolha, desde que seja a melhor proposta que tenha recebido. Ele sugere, inclusive, a abertura de processo seletivo de propostas de financiamento.
A Samarco, por enquanto, tem duas na mesa. Uma de seus próprios acionistas, Vale e BHP, e outra de um grupo de credores - ambas no valor de US$ 228 milhões (o equivalente a R$ 1,19 bilhão). A taxa de juros proposta pelos credores, no entanto, é menor. Prevê 9% ao ano, enquanto a dos acionistas estabelece 9,5%.
Ao Valor, a Samarco afirmou, em nota, que está analisando a decisão judicial que autorizou a contratação do DIP, modalidade que “poderá auxiliar na manutenção das atividades operacionais, dos empregos e investimentos”.
Especialista na área de insolvência, a advogada Ana Carolina Monteiro, do escritório Kincaid Mendes Vianna, diz que o DIP é usado de forma ampla - e já há bastante tempo - no mercado internacional. Funciona como qualquer outro financiamento, ela afirma: o investidor coloca o dinheiro e embute juros.
“É importante porque as empresas em recuperação não conseguem crédito com os bancos. E tendo acesso ao dinheiro, reforçam o fluxo de caixa, conseguem retomar os negócios e, consequentemente, apresentar um bom plano de pagamento para os seus credores”, diz.
A advogada acrescenta que, antes das mudanças na lei, havia notícias de pouquíssimos casos. Uma ou duas empresas, a cada ano, contratavam financiamento por meio de DIP.
Percebe-se, além disso, segundo Ana Carolina, uma mudança no formato dos financiamentos. Antes, geralmente eram concedidos pela própria empresa por emissão de debêntures. Agora, afirma, começa a entrar dinheiro por meio, principalmente, de fundos de investimentos.
A Renova Energia, por exemplo, obteve um empréstimo de R$ 362 milhões da Quadra Gestão de Recursos. O dinheiro entrou na conta da empresa no mês de março. Marcelo Milliet, presidente da companhia, diz que a quantia está sendo usada exclusivamente nas obras de um importante ativo, o parque eólico Sertão III-Fase A, localizado na Bahia.
Essas obras estavam paralisadas há três anos e foram retomadas em abril. A previsão é de que o empreendimento seja concluído até junho do ano que vem. “Tem potencial para gerar R$ 250 milhões de Ebitda por ano. É um grande fluxo para quitar as dívidas”, afirma Milliet.
O financiamento seria pago, inicialmente, em nove anos. Em julho, no entanto, a Renova aceitou proposta do fundo Mubadala para a compra da Brasil PCH, sua subsidiária. O negócio foi fechado em R$ 1,1 bilhão. Milliet afirma que parte desse valor será utilizada para quitar o DIP.
O processo da Renova Energia está na 2ª Vara de Recuperações e Falências de São Paulo. Nesse mesmo local corre o processo do Laboratório Baldacci, que também obteve permissão para o DIP. O financiamento, de R$ 15 milhões, foi autorizado em maio.
Segundo Luis Caldas, consultor da Íntegra Associados, que faz a assessoria financeira para o Laboratório Baldacci, o DIP foi feito de forma casada com a venda de um imóvel. “Porque havia necessidade de recursos num curto prazo e com a venda do imóvel, de forma isolada, levaria alguns meses para efetivar a monetização. A empresa optou, então, por conduzir essa venda e o financiamento DIP dentro de um mesmo processo competitivo”, diz.
O contrato foi fechado com a Del Monte Gestão de Investimentos. Esse fundo fez uma proposta de financiamento, com depósito imediato dos valores, e deu um lance para a compra do imóvel. Quando consolidar a venda, acertada em R$ 24,5 milhões, o investidor vai poder abater desse valor o saldo atualizado do DIP.
Na Justiça do Rio de Janeiro existem pelo menos outros três casos. Um deles envolve a Kabi Indústria e Comércio, que obteve autorização para o DIP da 3ª Vara Empresarial. Outro, a João Fortes Engenharia, cujo processo tramita na 4ª Vara Empresarial. A companhia recebeu, no mês de maio, o aval para um contrato de R$ 40 milhões.
Também no Rio, na 6ª Vara Empresarial, a Supervia teve aprovado um contrato de R$ 80 milhões, que foi celebrado com a controladora Gumi Brasil Participações S.A.. O aval foi dado em junho. A companhia afirma, em nota, que a quantia se fez necessária para recompor o capital de giro e dar continuidade às suas atividades “diante da forte necessidade de caixa para pagamento de despesas operacionais e investimentos imediatos”.
Há notícias de DIP ainda em Goiás e Mato Grosso. A 1ª Vara Cível de Cuiabá autorizou, em junho, a AFG Brasil a acessar um crédito de R$ 1,4 bilhão. O financiador é o Grupo Multiplica, um dos credores da companhia. Já em Aparecida de Goiânia, a 4ª Vara permitiu um contrato de R$ 12 milhões à Loctec Engenharia.
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2021.
Uma mudança na Lei de Falências vem garantindo a entrada de recursos no caixa de empresas em recuperação judicial. Oito delas obtiveram recentemente autorização judicial para receber R$ 3,1 bilhões por meio de contratos de DIP Financing - modalidade de financiamento específica para companhias em crise. A Samarco e a Renova Energia, por exemplo, estão entre elas.
O DIP (debtor in possession) foi regulamentado no início do ano, quando ocorreram as modificações na Lei nº 11.101, de 2005. Essa seria a principal explicação, segundo advogados que atuam na área, para o atual volume de negociações. Com a nova legislação, afirmam, foram criados mecanismos que garantem celeridade e segurança aos negócios.
Não é mais necessário, por exemplo, que os financiamentos sejam aprovados em assembleia-geral de credores. Hoje, com a nova regra, a empresa em recuperação comunica o juiz e ele ouve o comitê de credores (que aqui no Brasil praticamente inexiste nos processos) ou, na falta deste, o administrador judicial. Com o aval, pode, imediatamente, liberar o financiamento.
Depois que o dinheiro sai da conta do investidor e entra no caixa da companhia em recuperação não há mais como reverter o que foi feito. Trata-se de uma medida irrecorrível - algo raro no Judiciário brasileiro.
O investidor, além disso, tem prioridade de recebimento. Ele não está submetido ao processo de recuperação e, se a companhia falir, receberá antes de todos os outros (inclusive Fisco e trabalhadores).
“Antes, fazíamos de forma artesanal e, por isso, não despertava tanto interesse do mercado. A única garantia que se tinha era uma decisão judicial que poderia ser alterada por recursos. Agora existe um mecanismo muito mais sofisticado e previsto em lei”, observa Luiz Roberto Ayoub, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e sócio do Galdino & Coelho Advogados.
O caso envolvendo a Samarco é um dos mais recentes no mercado. Há autorização da Justiça para a celebração do contrato de financiamento, mas a operação ainda não foi fechada.
Consta na decisão do juiz Adilson Cláver de Resende, da 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, que a mineradora pode celebrar o DIP com um financiador de sua escolha, desde que seja a melhor proposta que tenha recebido. Ele sugere, inclusive, a abertura de processo seletivo de propostas de financiamento.
A Samarco, por enquanto, tem duas na mesa. Uma de seus próprios acionistas, Vale e BHP, e outra de um grupo de credores - ambas no valor de US$ 228 milhões (o equivalente a R$ 1,19 bilhão). A taxa de juros proposta pelos credores, no entanto, é menor. Prevê 9% ao ano, enquanto a dos acionistas estabelece 9,5%.
Ao Valor, a Samarco afirmou, em nota, que está analisando a decisão judicial que autorizou a contratação do DIP, modalidade que “poderá auxiliar na manutenção das atividades operacionais, dos empregos e investimentos”.
Especialista na área de insolvência, a advogada Ana Carolina Monteiro, do escritório Kincaid Mendes Vianna, diz que o DIP é usado de forma ampla - e já há bastante tempo - no mercado internacional. Funciona como qualquer outro financiamento, ela afirma: o investidor coloca o dinheiro e embute juros.
“É importante porque as empresas em recuperação não conseguem crédito com os bancos. E tendo acesso ao dinheiro, reforçam o fluxo de caixa, conseguem retomar os negócios e, consequentemente, apresentar um bom plano de pagamento para os seus credores”, diz.
A advogada acrescenta que, antes das mudanças na lei, havia notícias de pouquíssimos casos. Uma ou duas empresas, a cada ano, contratavam financiamento por meio de DIP.
Percebe-se, além disso, segundo Ana Carolina, uma mudança no formato dos financiamentos. Antes, geralmente eram concedidos pela própria empresa por emissão de debêntures. Agora, afirma, começa a entrar dinheiro por meio, principalmente, de fundos de investimentos.
A Renova Energia, por exemplo, obteve um empréstimo de R$ 362 milhões da Quadra Gestão de Recursos. O dinheiro entrou na conta da empresa no mês de março. Marcelo Milliet, presidente da companhia, diz que a quantia está sendo usada exclusivamente nas obras de um importante ativo, o parque eólico Sertão III-Fase A, localizado na Bahia.
Essas obras estavam paralisadas há três anos e foram retomadas em abril. A previsão é de que o empreendimento seja concluído até junho do ano que vem. “Tem potencial para gerar R$ 250 milhões de Ebitda por ano. É um grande fluxo para quitar as dívidas”, afirma Milliet.
O financiamento seria pago, inicialmente, em nove anos. Em julho, no entanto, a Renova aceitou proposta do fundo Mubadala para a compra da Brasil PCH, sua subsidiária. O negócio foi fechado em R$ 1,1 bilhão. Milliet afirma que parte desse valor será utilizada para quitar o DIP.
O processo da Renova Energia está na 2ª Vara de Recuperações e Falências de São Paulo. Nesse mesmo local corre o processo do Laboratório Baldacci, que também obteve permissão para o DIP. O financiamento, de R$ 15 milhões, foi autorizado em maio.
Segundo Luis Caldas, consultor da Íntegra Associados, que faz a assessoria financeira para o Laboratório Baldacci, o DIP foi feito de forma casada com a venda de um imóvel. “Porque havia necessidade de recursos num curto prazo e com a venda do imóvel, de forma isolada, levaria alguns meses para efetivar a monetização. A empresa optou, então, por conduzir essa venda e o financiamento DIP dentro de um mesmo processo competitivo”, diz.
O contrato foi fechado com a Del Monte Gestão de Investimentos. Esse fundo fez uma proposta de financiamento, com depósito imediato dos valores, e deu um lance para a compra do imóvel. Quando consolidar a venda, acertada em R$ 24,5 milhões, o investidor vai poder abater desse valor o saldo atualizado do DIP.
Na Justiça do Rio de Janeiro existem pelo menos outros três casos. Um deles envolve a Kabi Indústria e Comércio, que obteve autorização para o DIP da 3ª Vara Empresarial. Outro, a João Fortes Engenharia, cujo processo tramita na 4ª Vara Empresarial. A companhia recebeu, no mês de maio, o aval para um contrato de R$ 40 milhões.
Também no Rio, na 6ª Vara Empresarial, a Supervia teve aprovado um contrato de R$ 80 milhões, que foi celebrado com a controladora Gumi Brasil Participações S.A.. O aval foi dado em junho. A companhia afirma, em nota, que a quantia se fez necessária para recompor o capital de giro e dar continuidade às suas atividades “diante da forte necessidade de caixa para pagamento de despesas operacionais e investimentos imediatos”.
Há notícias de DIP ainda em Goiás e Mato Grosso. A 1ª Vara Cível de Cuiabá autorizou, em junho, a AFG Brasil a acessar um crédito de R$ 1,4 bilhão. O financiador é o Grupo Multiplica, um dos credores da companhia. Já em Aparecida de Goiânia, a 4ª Vara permitiu um contrato de R$ 12 milhões à Loctec Engenharia.
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2021.