07.10
Imprensa
Direito Ambiental
Europa prepara certificação ‘verde’ para commodities
Por Assis Moreira — De Genebra
A União Europeia (UE) deverá anunciar em novembro proposta para exigir de seus importadores de carne bovina, soja, café, cacau, madeira e óleo de palma que se certifiquem de que essas seis commodities são provenientes de terras que não foram desmatadas ilegalmente ou contribuíram para a degradação de solos depois de 1º de janeiro de 2021.
Essa ação, que Bruxelas vê como ataque ao “desmatamento importado”, colocará mais pressão para o governo de Jair Bolsonaro tomar medidas efetivas para proteger a Amazônia. Do contrário, pode causar mais problemas para a entrada de alguns produtos no mercado europeu e prejuízos de centenas de milhões de dólares ao setor agrícola. A Associação Brasileira do Agronegócio afirmou que a medida tende a ter pouco impacto porque o desmatamento no Brasil está hoje muito mais ligado à grilagem do que à expansão do agro (leia mais em ‘Não vejo muito impacto’, diz Brito).
A proposta elaborada pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, vai ser encaminhada ao Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 países-membros, e ao Parlamento Europeu. O texto deverá ser examinado quando a França estiver na presidência da UE, no primeiro semestre do ano que vem. Os franceses estão entre os que mais pressionam por mais regras ambientais no acordo comercial UE-Mercosul, por causa de desmatamento na Amazônia.
Documento da UE ao qual o Valor teve acesso explicita que “somente produtos que são livres de desmatamento e legais de acordo com as leis do país de origem poderão ser autorizados no mercado da UE’’.
A UE deverá estabelecer o chamado “cut-off date’’ de 31 de dezembro de 2020. Ou seja, pela proposta, nenhuma dessas commodities será autorizada a entrar no mercado do bloco europeu se tiver sido produzida em terra onde houve desmatamento ilegal depois dessa data. Significa que a UE só vai “punir’’ o desmatamento a partir de 2021, e o que foi desmatamento antes não será considerado na prática. “Quem derrubou árvore na Amazônia no ano passado ou em 2019 não será afetado’’, diz um observador europeu.
Essa questão provocou grandes discussões na UE. ONGs defendem que esse período retroaja o mais possível contra o desmatador, enquanto o setor privado sempre argumentou que não era justo punir alguém por ter feito algo antes de a regra entrar em vigor.
A retroatividade, no entanto, pode ser tema marginal na proposta europeia. A grande questão será a certificação para entrada no mercado europeu e o deslocamento de cadeias de produção, nota Emily Rees, especialista de comércio internacional, em Bruxelas.
Portanto, há o risco de que produtos brasileiros percam espaço se não estiverem acompanhados de dados que atestem que são de áreas fora de desmatamento ilegal. Emily Rees aponta que “pode haver também efeito positivo para cadeias brasileiros como cacau, café e óleo de palma, menos visados por questões de desmatamento”.
Para Geraldo Vidigal, professor de direito de comércio internacional na Universidade de Amsterdã, é necessário assegurar a produção sustentável globalmente, mas a melhor forma de fazer isso deveria ser com reforços positivos a essa produção. “Acontece que os produtores nos países desenvolvidos têm menos interesse em promover baixas barreiras à produção sustentável, e muito interesse em criar barreiras à concorrência usando o objetivo, em si correto, de promover a sustentabilidade”, diz ele.
Segundo o documento europeu, 420 milhões de hectares de floresta - uma área maior que a dos 27 países da União Europeia - foram perdidos globalmente entre 1990 e 2020, conforme dados da FAO. O desmatamento e a degradação de florestas são apontados como importantes fatores do aquecimento global e da perda de biodiversidade, e desafios ambientais centrais hoje em dia.
Para a UE, a principal causa do desmatamento e degradação das florestas é a expansão de terras agrícolas, vinculado em particular a uma série de commodities. O documento lembra que a Europa é um grande importador de produtos associados a desmatamento, mencionando soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café - quase todos eles amplamente exportados pelo Brasil.
Diante das pressões internas para reagir, ainda mais na esteira dos incêndios na Amazônia há alguns anos, o Conselho Europeu e o Parlamento pediram uma proposta por parte da Comissão Europeia. A comissão fez consultas públicas, com quase 1,2 milhão de participantes, para elaborar a proposta visando minimizar riscos de produtos na cadeia de suprimento vinculados a estragos nas florestas.
A regulamentação que vai ser proposta, provavelmente em 17 de novembro, será aplicada “a produtos e commodities domésticos e importados’’. Começa com seis commodities, mas a lista será expandida com o tempo.
Pela proposta, as importadores europeus vão precisar fazer uma rigorosa “due diligence’’ sobre o que importam. Um sistema vai avaliar países de acordo com o nível de risco de desmatamento. Ainda segundo a proposta, obrigações de estrita rastreabilidade serão impostas, a partir do local onde as commodities foram produzidas.
Pelo documento, as importações da UE de commodities cobertas pela proposta alcançam € 60 bilhões por ano. Bruxelas insiste que não haverá proibição contra nenhum país ou commodity. E acena com programas futuros de cooperação para ajudar nas novas regras sobre desmatamento.
Pelos cálculos da UE, sua futura regulação vai salvar pelo menos 71.920 hectares de floresta anualmente. Pelo menos 31,9 milhões de toneladas de carbono a menos serão emitidas comparado a uma situação de desmatamento. Calcula que isso representa economia de pelo menos € 3,2 bilhões.
Por sua vez, os custos do freio ao desmatamento importado devem variar de €158 milhões a € 2,3 bilhões por ano para os importadores manterem o sistema de “due diligence’’. Quanto aos Estados membros, deverão gastar € 18 milhões por ano para reforçar a nova regulação.
Neste ano, um grupo de 11 grandes companhias globais do setor de alimentos se comprometeu a acabar com desmatamento importado em suas cadeias de fornecedores e apoiou ação da UE para impor rastreabilidade nas commodities que entram no mercado comum europeu.
O grupo, que reúne de fornecedores a fabricantes e varejistas, disse na ocasião que “o desmatamento continua em taxas alarmantes’’, e que isso tem impacto não só no clima, como também sobre na perda de biodiversidade e crescente risco de pandemias. “É por isso que colocar um fim no desmatamento de uma vez por todas precisa ser uma prioridade urgente para nossos negócios e para o mundo’’, disseram as companhias. Assinaram o comunicado na ocasião a Nestlé, Danone, Barry Callebaut (produtor de chocolates), Carrefour, Jeronimo Martins, Kering, Occitane, Metro, Reckitt, Sainsbury’s e Tesco.
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2021.
A União Europeia (UE) deverá anunciar em novembro proposta para exigir de seus importadores de carne bovina, soja, café, cacau, madeira e óleo de palma que se certifiquem de que essas seis commodities são provenientes de terras que não foram desmatadas ilegalmente ou contribuíram para a degradação de solos depois de 1º de janeiro de 2021.
Essa ação, que Bruxelas vê como ataque ao “desmatamento importado”, colocará mais pressão para o governo de Jair Bolsonaro tomar medidas efetivas para proteger a Amazônia. Do contrário, pode causar mais problemas para a entrada de alguns produtos no mercado europeu e prejuízos de centenas de milhões de dólares ao setor agrícola. A Associação Brasileira do Agronegócio afirmou que a medida tende a ter pouco impacto porque o desmatamento no Brasil está hoje muito mais ligado à grilagem do que à expansão do agro (leia mais em ‘Não vejo muito impacto’, diz Brito).
A proposta elaborada pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, vai ser encaminhada ao Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 países-membros, e ao Parlamento Europeu. O texto deverá ser examinado quando a França estiver na presidência da UE, no primeiro semestre do ano que vem. Os franceses estão entre os que mais pressionam por mais regras ambientais no acordo comercial UE-Mercosul, por causa de desmatamento na Amazônia.
Documento da UE ao qual o Valor teve acesso explicita que “somente produtos que são livres de desmatamento e legais de acordo com as leis do país de origem poderão ser autorizados no mercado da UE’’.
A UE deverá estabelecer o chamado “cut-off date’’ de 31 de dezembro de 2020. Ou seja, pela proposta, nenhuma dessas commodities será autorizada a entrar no mercado do bloco europeu se tiver sido produzida em terra onde houve desmatamento ilegal depois dessa data. Significa que a UE só vai “punir’’ o desmatamento a partir de 2021, e o que foi desmatamento antes não será considerado na prática. “Quem derrubou árvore na Amazônia no ano passado ou em 2019 não será afetado’’, diz um observador europeu.
Essa questão provocou grandes discussões na UE. ONGs defendem que esse período retroaja o mais possível contra o desmatador, enquanto o setor privado sempre argumentou que não era justo punir alguém por ter feito algo antes de a regra entrar em vigor.
A retroatividade, no entanto, pode ser tema marginal na proposta europeia. A grande questão será a certificação para entrada no mercado europeu e o deslocamento de cadeias de produção, nota Emily Rees, especialista de comércio internacional, em Bruxelas.
Portanto, há o risco de que produtos brasileiros percam espaço se não estiverem acompanhados de dados que atestem que são de áreas fora de desmatamento ilegal. Emily Rees aponta que “pode haver também efeito positivo para cadeias brasileiros como cacau, café e óleo de palma, menos visados por questões de desmatamento”.
Para Geraldo Vidigal, professor de direito de comércio internacional na Universidade de Amsterdã, é necessário assegurar a produção sustentável globalmente, mas a melhor forma de fazer isso deveria ser com reforços positivos a essa produção. “Acontece que os produtores nos países desenvolvidos têm menos interesse em promover baixas barreiras à produção sustentável, e muito interesse em criar barreiras à concorrência usando o objetivo, em si correto, de promover a sustentabilidade”, diz ele.
Segundo o documento europeu, 420 milhões de hectares de floresta - uma área maior que a dos 27 países da União Europeia - foram perdidos globalmente entre 1990 e 2020, conforme dados da FAO. O desmatamento e a degradação de florestas são apontados como importantes fatores do aquecimento global e da perda de biodiversidade, e desafios ambientais centrais hoje em dia.
Para a UE, a principal causa do desmatamento e degradação das florestas é a expansão de terras agrícolas, vinculado em particular a uma série de commodities. O documento lembra que a Europa é um grande importador de produtos associados a desmatamento, mencionando soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café - quase todos eles amplamente exportados pelo Brasil.
Diante das pressões internas para reagir, ainda mais na esteira dos incêndios na Amazônia há alguns anos, o Conselho Europeu e o Parlamento pediram uma proposta por parte da Comissão Europeia. A comissão fez consultas públicas, com quase 1,2 milhão de participantes, para elaborar a proposta visando minimizar riscos de produtos na cadeia de suprimento vinculados a estragos nas florestas.
A regulamentação que vai ser proposta, provavelmente em 17 de novembro, será aplicada “a produtos e commodities domésticos e importados’’. Começa com seis commodities, mas a lista será expandida com o tempo.
Pela proposta, as importadores europeus vão precisar fazer uma rigorosa “due diligence’’ sobre o que importam. Um sistema vai avaliar países de acordo com o nível de risco de desmatamento. Ainda segundo a proposta, obrigações de estrita rastreabilidade serão impostas, a partir do local onde as commodities foram produzidas.
Pelo documento, as importações da UE de commodities cobertas pela proposta alcançam € 60 bilhões por ano. Bruxelas insiste que não haverá proibição contra nenhum país ou commodity. E acena com programas futuros de cooperação para ajudar nas novas regras sobre desmatamento.
Pelos cálculos da UE, sua futura regulação vai salvar pelo menos 71.920 hectares de floresta anualmente. Pelo menos 31,9 milhões de toneladas de carbono a menos serão emitidas comparado a uma situação de desmatamento. Calcula que isso representa economia de pelo menos € 3,2 bilhões.
Por sua vez, os custos do freio ao desmatamento importado devem variar de €158 milhões a € 2,3 bilhões por ano para os importadores manterem o sistema de “due diligence’’. Quanto aos Estados membros, deverão gastar € 18 milhões por ano para reforçar a nova regulação.
Neste ano, um grupo de 11 grandes companhias globais do setor de alimentos se comprometeu a acabar com desmatamento importado em suas cadeias de fornecedores e apoiou ação da UE para impor rastreabilidade nas commodities que entram no mercado comum europeu.
O grupo, que reúne de fornecedores a fabricantes e varejistas, disse na ocasião que “o desmatamento continua em taxas alarmantes’’, e que isso tem impacto não só no clima, como também sobre na perda de biodiversidade e crescente risco de pandemias. “É por isso que colocar um fim no desmatamento de uma vez por todas precisa ser uma prioridade urgente para nossos negócios e para o mundo’’, disseram as companhias. Assinaram o comunicado na ocasião a Nestlé, Danone, Barry Callebaut (produtor de chocolates), Carrefour, Jeronimo Martins, Kering, Occitane, Metro, Reckitt, Sainsbury’s e Tesco.
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2021.