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Feriados: atualidade jurídico-trabalhista

Por Teresa Porto da Silveira

A pandemia mundial do Covid-19, que afetou o planeta de forma extremamente impactante, abrangendo diversas cadeias produtivas e as relações de trabalho delas emergentes, trouxe à tona assunto antigo, muitas vezes fixado em nossas memórias por questões culturais mais amplas do que especificamente jurídicas, o que torna esta breve exposição dotada de atualidade.

Os feriados, segundo Peter Häberle, são elementos fundamentais à “identidade cultural do Estado Constitucional”. Em uma perspectiva antropológica e cultural da teoria constitucional, ele fala sobre um direito ao feriado, que alcança o centro da identidade do Estado Constitucional concretamente considerado, assim como do Estado Constitucional como tipo ideal no sentido weberiano – ou tipo Estado Constitucional como empregado por Häberle –, isto é, como estrutura mental abstrata que permite a organização e a análise de uma dada realidade. Para Häberle, os feriados derivam dos valores fundamentais que, ao lado da ratio, tocam a emotio da pessoa e do cidadão, na medida em que estes “[…] têm sob certos valores, uma necessidade de festejar: para entrar em consonância com o seu meio ambiente, sentir-se parte da comunidade.”[1] Tal afirmativa encontra apoio no 14 de julho dos franceses (Queda da Bastilha) e no 4 de julho estadunidense (Proclamação da Independência Norte-americana), datas que produzem forte sentimento de comunidade nos povos da França e dos Estados-Unidos, respectivamente.

Segundo Marcos Augusto Maliska, os feriados podem ser classificados em sentido estrito, hipótese na qual, em princípio, não haverá trabalho, ou de forma ampla, “[…] quando são utilizados pelos órgãos do Estado, representantes da política e da administração para cerimônias específicas, por estarem no quadro dos valores fundamentais do Estado constitucional.”[2] Exemplo emblemático de feriado em sentido amplo se encontra previsto na Lei n.o 10.639/2003, que introduziu no calendário escolar a data de 20 de novembro como o “Dia da Consciência Negra”.

Na Constituição de 1988, seguindo a tradição do constitucionalismo brasileiro, não há, em regra, previsão de feriados em seu texto, mas tão somente dispositivo que trata do descanso do trabalhador, cabendo ao direito ordinário (ou infraconstitucional) a disciplina do tema. De acordo com os artigos 8o da Lei nº 605/1949 e 70 da CLT é vedado o trabalho em feriados civis e religiosos.

Os feriados civis são, além daqueles declarados em lei federal: a) a data magna do Estado-membro, fixada em lei estadual; b) os dias de início e término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei estadual (artigo 1º, incisos I a III da Lei nº 9.093/1995); c) 1º de janeiro (dia da Paz Mundial, Lei nº 662/1949); d) 21 de abril (dia de Tiradentes, Lei nº 662/1949); e) 1º de maio (dia do Trabalho, Lei nº 662/1949); f) 7 de setembro (Independência do Brasil, Lei nº 662/1949); g) 12 de outubro (Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, Lei nº 6.802/1980)[3]; h) 2 de novembro (Dia de Finados, Lei nº 662/1949); i) 15 de novembro (Proclamação da República, Lei nº 662/1949); j) 25 de dezembro (Natal, Lei nº 662/49)[4]; l) data da realização das eleições (Lei nº 1.266/1950 e artigo 380 do Código Eleitoral).

Os feriados religiosos são os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a 4 (quatro), neste incluída a Sexta-Feira da Paixão (artigo 2º da Lei nº 9.093/95). Além dos dias de guarda, alguns Municípios podem declarar o dia 20 de novembro como feriado municipal, pelo dia da Consciência Negra (data na qual faleceu Zumbi dos Palmares). Os feriados estaduais correspondem às datas magnas de cada Estado e estão permitidos na Lei nº 9.093/95.

Portanto, como visto, não há previsão de feriado nacional e obrigatório no Corpus Christi, terça de carnaval e/ou na quarta-feira de cinzas. Alguns Municípios e Estados-membros os consideram como ponto facultativo ou feriado. Se um desses dias não for considerado feriado, o empregado tem obrigação de trabalhar normalmente, salvo se houver dispensa do empregador, por mera liberalidade. Ainda, poderá haver acordo entre empregado e empregador para a dispensa com a compensação dessas horas (até o limite de 2 horas diárias, sem que seja ultrapassada a 10ª hora diária) em outros dias da semana, mediante acordo escrito ou inclusão das horas em banco de horas[5].

Nos dias considerados feriados em sentido estrito, no local em que há prestação de serviços do empregado, não deve haver trabalho, salvo: a) nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em norma coletiva e observada a legislação municipal (artigos 30, inciso I, da CRFB/1988 e 6º-A da Lei nº 10.101/2000); b) quando o empregado prestar serviços na modalidade 12×36 (doze horas de trabalho seguidas por trinta e seis horas de descanso)[6], quando[7] a contratação ocorreu em momento posterior a 12.11.2017 (artigo 59-A, parágrafo 1º da CLT); e c) nas atividades em que não for possível, por exigências técnicas, a suspensão do trabalho. Nesses casos, o empregador poderá ou determinar outro dia de folga dentro da mesma semana (artigo 9º da Lei nº 605/1949) ou pagar o dia trabalhado em dobro.

De acordo com o artigo 10 da Lei nº 605/1949, “Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais.” Ademais, conforme parágrafo único do mesmo dispositivo, o Poder Executivo definirá as exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, determinando a inclusão de serviços públicos e de transportes.

A autorização para trabalho em domingos e feriados pode ser permanente ou transitória. A permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos (ou feriados) de acordo com as instruções expedidas, atualmente, pelo Ministério da Economia. Nos demais casos, ela será dada sob forma transitória, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 (sessenta) dias (artigo 68, parágrafo único, da CLT).

A Portaria nº 604/2019[8] do Ministério da Economia traz a relação das atividades autorizadas a trabalhar nos dias de repouso semanal e/ou feriados, em caráter permanente. Essa Portaria aumentou de 72[9] para 78 o número de categorias autorizadas a trabalhar nesses dias. A autorização transitória para trabalho em domingos e feriados é regulada pela Portaria MTE 945, de 08 de julho de 2015, a qual pode ser concedida por acordo coletivo específico, após o devido registro no Ministério da Economia ou ato administrativo do Superintendente Regional do Trabalho e Emprego, com circunscrição no local da prestação e serviço, por meio de requerimento do empregador.

O acordo coletivo específico acima referido disciplinará a prestação do trabalho aos domingos e feriados civis e religiosos, devendo versar, no mínimo, sobre (art. 3º da Portaria MTE 945 de 08 de julho de 2015): a) escala de revezamento; b) prazo de vigência da prestação do trabalho aos domingos e feriados civis e religiosos; c) condições específicas de segurança e saúde para o trabalho em atividades perigosas e insalubres; e d) os efeitos do acordo coletivo específico na hipótese de cancelamento da autorização.

Além disso, as partes deverão considerar o histórico de cumprimento da legislação trabalhista pela empresa, por meio de consulta às certidões de débito e informações processuais administrativas no âmbito do Ministério da Economia, bem como as taxas de incidência ou gravidade de doenças e acidentes do trabalho do empregador em relação ao perfil do setor econômico, com base nas estatísticas oficiais anualmente publicadas pelo Ministério da Previdência Social (artigo 4º da Portaria MTE 945 de 08 de julho de 2015).

O requerimento para solicitar a autorização deverá ser instruído com os seguintes documentos: a) laudo técnico elaborado por instituição Federal, Estadual ou Municipal, indicando a necessidade de ordem técnica e os setores que exigem a continuidade do trabalho, com validade de 4 (quatro) anos; b) escala de revezamento, de forma que o gozo do repouso semanal remunerado dos trabalhadores coincida com o domingo, no mínimo, 1 (uma) vez a cada três semanas; c) comprovação da comunicação, com antecedência mínima de 15 dias da data do protocolo do pedido feito ao MTE, à entidade sindical representativa da categoria laboral a respeito da autorização para o trabalho aos domingos e feriados; e d) Resposta apresentada pela entidade sindical laboral competente no prazo de
15 dias, se houver.

Em caso de objeção ao pedido de autorização para o trabalho aos domingos e feriados, a entidade sindical laboral poderá protocolar sua manifestação diretamente no Ministério da Economia. As autorizações somente serão concedidas após inspeção na empresa requerente e serão consideradas na avaliação do pedido de autorização a ocorrência das seguintes situações: a) infração reincidente nos atributos de jornada e descanso; e b) taxa de incidência ou gravidade de doenças e acidentes do trabalho superior à média do perfil do setor econômico, com base nas estatísticas oficiais anualmente publicadas pelo Ministério da Previdência Social.

Chama-se a atenção para o fato de que as referidas autorizações poderão ser concedidas pelo prazo de até dois anos, renováveis, com validade a partir da publicação no Diário Oficial da União, desde que os pedidos de renovação sejam formalizados em até três meses antes do término da autorização. Ao seu turno, o cancelamento da autorização para trabalho aos domingos e feriados civis e religiosos poderá ser efetuado a qualquer momento, após oitiva do empregador, mediante despacho fundamentado e baseado em relatório da inspeção do trabalho, desde que observado o descumprimento do instrumento coletivo por este relativamente às normas coletivas sobre o trabalho em domingos e feriados, no caso de autorização concedida por meio de acordo coletivo específico.

Por fim, salienta-se que o trabalho em feriado quando não autorizado ou acordado, nos termos acima especificados, implicará em multa de R$ 40,25 (quarenta reais e vinte e cinco centavos) a R$ 4.025,33 (quatro mil e vinte e cinco reais e trinta e três centavos), segundo a natureza da infração, sua extensão e a intenção de quem a praticou, aplicada em dobro no caso de reincidência e oposição à fiscalização ou desacato à autoridade, conforme previsão da Lei 12.544 de 2011.

[1]HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade cultural do Estado Constitucional. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21-23.
[2]MALISKA, Marcos Augusto. Nota introdutória. In: HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade cultural do Estado Constitucional. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. VII.
[3]Embora a República Federativa do Brasil seja um Estado laico, o feriado de Nossa Senhora Aparecida, é um feriado civil.
[4]Embora a República Federativa do Brasil seja um Estado laico, o dia 25 de dezembro, nascimento de Jesus, é um feriado civil. Tal ocorre porque mesmo que no quadro constitucional brasileiro, o programa normativo esteja clara e firmemente ancorado no pluralismo religioso, ele não tem o condão de apagar a história de um país que se descreve tradicionalmente como cristão, ainda majoritariamente católico. Desse modo feriados inspirados em datas e comemorações cristãs não são necessariamente religiosos, consistindo, não raramente, em traço cultural arraigado no imaginário brasileiro. Nesse sentido, cf. SARLET, Ingo; WEINGARTNER NETO, Jayme. Constituição, religião, feriados e racismo. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 21, n. 1. Vitória: Faculdade de Direito de Vitória, jan./abr. 2020, p. 11-48. Disponível em: https://doi.org/10.18759/rdgf.v21i1.1803. Acesso em 12.04.2021.
[5]BRASIL, Ministério da Economia. Legislação: Carnaval não é feriado nacional. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/03/carnaval-nao-e-feriado-nacional. Acesso em 10.04.2021.
[6]A possibilidade foi incluída pelo advento da reforma trabalhista, Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, embora houvesse entendimento jurisprudencial anterior à citada reforma, no mesmo sentido.
[7]Ainda há divergência jurisprudencial sobre a aplicação da Lei 13.467/2017 sobre os contratos em curso no momento que esta passou a viger. Embora não seja o entendimento da autora deste artigo, o diminuto espaço de escrita, fez com que se optasse pelo entendimento mais conservador da jurisprudência.
[8]BRASIL, Ministério da Economia. Secretaria do Trabalho. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/06/portaria-do-governo-federal-permite-trabalho-aos-domingos-e-feriados-em-seis-novos-setores e https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/03/carnaval-nao-e-feriado-nacional. Acesso em 11.04.2021.
[9]BRASIL, Presidência da República. Decreto no 27.048 de 1949. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/decreto/1930-1949/D27048.htm. Acesso em 11.04.2021.

Referências

BRASIL, Ministério da Economia. Secretaria do Trabalho. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/06/portaria-do-governo-federal-permite-trabalho-aos-domingos-e-feriados-em-seis-novos-setores e https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/03/carnaval-nao-e-feriado-nacional. Acesso em 11.04.2021.

BRASIL, Ministério da Economia. Legislação: Carnaval não é feriado nacional. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-
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. Acesso em 10.04.2021.

BRASIL, Presidência da República. Decreto no 27.048 de 1949. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/decreto/1930-1949/D27048.htm. Acesso em 11.04.2021.

CALCINI, Ricardo e LEPPER, Felipe Augusto Oliveira. Antecipação dos feriados e os impactos trabalhistas. In: https://www.conjur.com.br/2021-mar-25/pratica-trabalhista-antecipacao-feriados-impactos-trabalhistas. Acessado em 11.04.2021.

HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade cultural do Estado Constitucional. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21-23.

JORGE NETO, Francisco Ferreira e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros
Pessoa. Direito do Trabalho. 9ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2019.

MALISKA, Marcos Augusto. Nota introdutória. In: HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura: o direito ao feriado como elemento de identidade cultural do Estado Constitucional. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. VII.

SARLET, Ingo; WEINGARTNER NETO, Jayme. Constituição, religião, feriados e racismo. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 21, n. 1. Vitória: Faculdade de Direito de Vitória, jan./abr. 2020, p. 11-48. Disponível em: https://doi.org/10.18759/rdgf.v21i1.1803. Acesso em 12.04.2021.

VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 9ª. Ed. São Paulo: Ltr, 2008.
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