14.06

Imprensa

Direito Tributário

Mudança em regra no STF favorece empresas

Por Joice Bacelo

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de preservar os votos proferidos pelos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello em julgamentos virtuais - antes da aposentadoria - favorece os contribuintes em, pelo menos, quatro processos tributários importantes. Essas discussões envolvem cobranças feitas pela União e têm impacto estimado em R$ 75,8 bilhões.

Na área previdenciária, no entanto, a situação se inverte. É ruim para o contribuinte. Marco Aurélio votou contra o estabelecimento de um limite temporal (modulação de efeitos) para a decisão a favor da cobrança de contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias.

Se perderem, as empresas terão que arcar com uma dívida que varia entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões (leia mais ao lado). “É o grande calcanhar de aquiles das empresas. Mas não está perdido”, diz o advogado Tiago Conde.

O STF mudou a regra dos julgamentos virtuais na quinta-feira. A alteração é no chamado “pedido de destaque”, utilizado para retirar um caso do plenário virtual e levá-lo à sessão presencial.

Quando isso acontecia, as discussões eram reiniciadas presencialmente com o placar zerado. Os votos dos aposentados eram desconsiderados e os substitutos assumiam posição. Agora serão preservados os posicionamentos de quem deixa o STF - por aposentadoria ou outro motivo.

Na prática, como os julgamentos no plenário virtual são recentes, somente Marco Aurélio e Celso de Mello têm votos a serem computados. Todos os casos em que há posicionamento de um deles, portanto, se levados à sessão presencial, serão reiniciados com placar de um a zero. Ou dois a zero se os dois tiverem votos no mesmo processo.

Nos quatro casos tributários afetados pela mudança de regra, os votos dos aposentados são favoráveis aos contribuintes. E, segundo advogados, essa nova configuração pode fazer diferença no resultado.

Os tributaristas citam como exemplo o processo em que se discute a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 592616). Trata-se da principal “tese filhote” da exclusão do ICMS - a chamada “tese do século”. Pode custar R$ 35,4 bilhões para a União, segundo indicação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O processo começou a ser julgado no plenário virtual em agosto de 2020 e o relator, ministro Celso de Mello, se posicionou a favor do contribuinte. Ele afirmou, no voto, que os fundamentos que deram suporte à retirada do ICMS do cálculo das contribuições são “inteiramente” aplicáveis ao julgamento do ISS.

As discussões foram interrompidas, naquela ocasião, por um pedido de destaque do ministro Luiz Fux. Até aquele momento, oito ministros haviam votado e o caso estava empatado.

Advogados acreditam que essa tese será decidida voto a voto - repetindo o que se viu no virtual. Além disso, afirmam, o ministro Nunes Marques, substituto de Celso de Mello, vem demonstrando entendimento diferente de seu antecessor sobre as exclusões do cálculo do PIS e da Cofins. Havia receio, portanto, de que a substituição de um pelo outro desequilibrasse a votação.

O ministro André Mendonça, no entanto, sucessor de Marco Aurélio, terá direito a voto. Marco Aurélio não havia ainda se posicionado quando o julgamento virtual foi suspenso. As discussões presenciais serão reiniciadas, portanto, com placar de um a zero.

Outros dois processos tributários afetados pela mudança da regra também envolvem PIS e Cofins. Em um deles, os ministros vão decidir se a União pode cobrar esses tributos sobre créditos presumidos de ICMS (RE 835.818).

A discussão, nesse caso, é se os valores que deixaram de ser repassados pelos contribuintes aos cofres estaduais se caracterizam como receita e podem ser tributados por PIS e Cofins. Uma resposta negativa dos ministros pode custar R$ 16,5 bilhões para a União, segundo consta na LDO.

Esse tema entrou em votação no plenário virtual em março de 2021. O relator, ministro Marco Aurélio, deu razão ao contribuinte. “Os créditos presumidos revelam renúncia fiscal cujo efeito prático é a diminuição do imposto devido. Não há aquisição de disponibilidade a sinalizar capacidade contributiva, mas simples redução ou ressarcimento de custos”, afirmou o ministro.

Esse caso foi retirado do plenário virtual por pedido do ministro Gilmar Mendes. Naquela ocasião, Celso de Mello já não estava mais na Corte. A discussão será reiniciada, na sessão presencial, portanto, com placar de um a zero.

O outro caso envolve a incidência de PIS e Cofins sobre as receitas geradas com a locação de bens móveis (RE 659.412). Marco Aurélio também foi o relator desse tema e votou a favor do contribuinte.

Se o entendimento prevalecer, o impacto, para a União, será de R$ 20,2 bilhões. O caso foi retirado do plenário virtual em junho de 2020 por um pedido do ministro Luiz Fux. Naquele momento, havia um voto divergente ao do relator, proferido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Também faz parte da lista afetada pela mudança da regra o processo em se que discute a aplicação da multa de 50% sobre os valores de restituição, ressarcimento ou compensação tributária considerados indevidos pela Receita Federal - a chamada “multa isolada”. A União pode perder R$ 3,7 bilhões se não puder mais aplicar a punição.

Os contribuintes contestam essa multa por já estarem sujeitos à aplicação de uma outra, a multa de mora. Quando entende ter direito a um crédito contra a União, por pagamentos feitos a mais, o contribuinte pode fazer a compensação, ou seja, usar esse crédito para quitar tributos correntes de forma administrativa.

A Receita Federal tem prazo de cinco anos para validar essa operação. Se entender que tal crédito não era devido, a compensação não é homologada. O débito pago com o crédito fica aberto e sobre esses valores são aplicadas as multas de mora (20%) e isolada (50%).

Esse tema esteve em discussão no plenário virtual em abril de 2020 (RE 796.939). O ministro Celso de Mello acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, contra a aplicação da multa de 50%. Houve um pedido de destaque do ministro Luiz Fux.

“Existem esses casos tributários que beneficiam o contribuinte. Mas não dá para dizer que a mudança na regra foi uma decisão pró-contribuinte. Vale para processos de todas as áreas”, diz a advogada Priscila Faricelli.

Para a especialista, a decisão de preservar os votos dos ministros é importante para evitar que o mecanismo do pedido de destaque seja usado como manobra para reiniciar julgamentos. “Seja para um lado, seja para o outro.”

Fonte: Valor Econômico, 14/06/2022.
______________________________________________________

No terço de férias há desvantagem

Voto do ministro Marco Aurélio, contra o pedido das empresas, entra na contagem

Por Joice Bacelo

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mudar a regra do “pedido de destaque” deixa as empresas em desvantagem na briga sobre a tributação do terço de férias. E esse processo, em caso de derrota, pode gerar uma dívida, junto à União, de cerca de R$ 100 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat).

Os pedidos de destaque são usados para transferir um caso do plenário virtual para sessão presencial. Quando isso ocorria, as discussões eram reiniciadas com placar zerado. Agora, os votos dos ministros que deixaram a Corte serão preservados.

No caso do terço de férias, o julgamento será reiniciado com placar de um a zero em favor da União. É que o ministro Marco Aurélio, que se aposentou no ano passado, é o relator original desse tema e votou contra o pedido das empresas quando analisou a questão no ambiente virtual.

Essa questão, por si só, deixa as companhias em desvantagem. Só que a situação, aqui, é um pouco mais complicada. Existe uma discussão sobre quórum atrelada a esse julgamento e, por causa disso, o voto de Marco Aurélio torna-se ainda mais significativo.

Os ministros já decidiram que as empresas têm que incluir o terço de férias no cálculo da contribuição previdenciária patronal. Mas ainda não bateram o martelo sobre a chamada “modulação de efeitos”.

Se decidirem por não aplicar a modulação, a Receita Federal ficará livre para cobrar valores não recolhidos no passado, antes da decisão que validou a tributação - proferida em agosto de 2020.

Advogados dizem que a maioria das empresas ficaria em dívida com a União. Isso por conta de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014, contra a tributação. O posicionamento se deu em caráter repetitivo, que vincula as instâncias inferiores. Até 2020, portanto, todas as companhias que discutiam a tributação na Justiça tinham autorização para não pagar.

Com a decisão do STF, no entanto, os juízes são obrigados a reverter as decisões e, sem a modulação de efeitos, as empresas têm que recolher a contribuição dos anos anteriores.

Os ministros começaram a julgar a modulação no plenário virtual em abril do ano passado. O placar estava em cinco a quatro, em favor das empresas, quando a sessão foi interrompida pelo ministro Luiz Fux. Essa decisão, num primeiro momento, desagradou o mercado. Acreditava-se faltar só um voto para a vitória.

Fux esclareceu, depois, que retirou o caso do virtual para evitar questionamentos sobre o quórum necessário para a modulação. Há discussão na Corte se são seis (maioria simples) ou oito votos. Como o placar estava em cinco a quatro, as empresas não teriam como chegar a oito votos e geraria dúvida.

Com a preservação do voto de Marco Aurélio, agora, as empresas precisam - se a opção for pela maioria qualificada - que pelo menos um dos ministros que votou contra no virtual mude de posição. “Porque mesmo que tudo dê certo e os dois ministros que ainda não votaram, Fux e Nunes Marques, votem de forma favorável, não chegaremos à maioria ”, diz a advogada Cristiane Matsumoto.

Há precedente favorável à maioria simples. Em 2019, o STF decidiu que nos recursos extraordinários em que não se declara a inconstitucionalidade de uma norma, ou seja, a decisão serve somente para uniformizar o entendimento, a modulação pode ser aplicada com seis votos.

Fonte: Valor Econômico, 14/06/2022.
{

Advogados

Tratamento de Dados Pessoais (Data Protection Officer - DPO)

E-mail: lgpd@lippert.com.br