24.08

Imprensa

Direito Tributário

Relator cede a ruralistas na lei do imposto de renda

Por Rafael Walendorff e Fabio Graner

Sem fazer alarde, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) incluiu uma emenda no relatório do projeto de reforma do imposto de renda para agradar parte da bancada ruralista e tentar resolver um contencioso recente entre os “sementeiros” (aqueles que produzem e comercializam sementes, também conhecidos no setor como “multiplicadores”) e a Receita Federal. A versão atual do substitutivo retira a limitação de 5% para a dedução de royalties repassados pelas empresas que vendem sementes no Brasil às multinacionais detentoras das tecnologias transgênicas usadas na fabricação no produto.

A intenção é deixar claro a inexistência desse limite, reduzindo assim a possibilidade de a Receita continuar adotando a interpretação de uma lei da década de 1950 para autuar as empresas. O Fisco ainda tenta alterar o artigo para não deixar tão aberto como na proposta, segundo apurou o Valor. Mas, oficialmente, nem o Fisco nem o Ministério da Economia quiseram se manifestar. A assessoria do relator informou que, embora esteja na última versão do substitutivo, ainda não há martelo batido sobre o tema, que a frente parlamentar do agronegócio alega ser um problema de muito tempo.

No Brasil, os chamados multiplicadores cobram o royalty no preço da semente vendida ao produtor de grãos. Cabe a eles o ônus de recolher e repassar esses valores às multinacionais donas da biotecnologia, como a Bayer-Monsanto. Pela prática de mercado, os sementeiros consideram esses recursos como parte da despesa operacional da atividade e não lucro, e realizam a dedução no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) sem observar a restrição.

Desde o ano passado, porém, a Receita Federal passou a autuar alguns sementeiros e a cobrar valores milionários pelo “desrespeito” ao limite de dedutibilidade imposto pela legislação da década de 1950 e alvo de diversas discussões e interpretações jurídicas. Um multiplicador de Mato Grosso disse que há cobranças que chegam a passar de R$ 300 milhões.

A soja lidera o cultivo transgênico no país e a arrecadação de royalties. A expectativa é que sejam recolhidos R$ 4,7 bilhões na safra 2021/22. Dos cerca de 36 milhões de hectares cultivados no país com a oleaginosa, ao menos 28 milhões de hectares são de sementes geneticamente modificadas. O custo com as sementes por hectare atualmente está em R$ 440,00 na média em Mato Grosso, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Desses, cerca de R$ 170 são royalties (40% do preço total).

O dispositivo inserido no texto de Sabino diz que “não se qualificam como royalties os repasses feitos pelas empresas sementeiras às multinacionais”, deixando claro não se tratar de lucro tributável, mas sim repasse. O setor defende que a medida não traz prejuízo para as contas do governo.

Segundo o ex-ministro da Agricultura e deputado federal Neri Geller (PP-MT), autor da emenda acatada no substitutivo, o texto atual permite “interpretações dúbias” que levam à bitributação. “Cobra-se dos obtentores e dos multiplicadores. O multiplicador não é dono do recurso, só repassador”, afirmou.

O advogado tributarista Fábio Calcini, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes, diz que o Fisco tem interpretado de forma equivocada as limitações na dedutibilidade do pagamento de royalties da lei. Segundo ele, a imposição dos limites pode inviabilizar a atividade das empresas sementeiras, já que a despesa é “altíssima”. A alteração na lei, afirmou, resolve o impasse, esclarece a situação e dá segurança jurídica ao setor.

No documento que foi apresentado há dez dias, Sabino não comenta a alteração, pedido por meio de ao menos duas emendas ao projeto. “A legislação, inicialmente pensada para regular as remessas ao exterior para fins de pagamento de royalties entre partes relacionadas, passou a ser aplicada, equivocadamente, às operações em âmbito nacional e entre partes não relacionadas estabelecidas no Brasil, limitando a dedutibilidade para fins do IRPJ e da CSLL. Esta situação gera um desincentivo à comercialização de ativos de propriedade industrial no Brasil”, diz a justificativa de uma das emendas apresentadas.

A votação do substitutivo da reforma ainda não está definida. Na semana passada, ela foi adiada por pressão dos líderes e também do governo, que se assustou com propostas como reduzir para 15% a tributação sobre dividendos. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem pressa para votar e gostaria de fazer isso hoje, mas ainda não está claro se isso vai ocorrer e se ele será novamente atropelado pelo restante da Casa.

Outros setores também tentam sensibilizar os deputados. “Temos na questão da lei do IR um desequilíbrio enorme e os grupos de pressão pressionam e o relatório vai mudando e você não tem clareza no final. Há um diálogo hoje com o relator Celso Sabino, eu estarei com ele amanhã, com a ideia de que para o setor da construção civil você retire a taxação de dividendos e aumentar um pouco a base de incidência do IRPJ. Pode ser um caminho, que nós estamos avaliando lá sempre em diálogo com vocês”, afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, em convenção da Secovi em São Paulo. (Colaborou César Felício, de São Paulo)

Fonte: Valor Econômico, 24/08/2021.
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