06.08

Imprensa

Contencioso Administrativo e Judicial

STJ aplica multa por litigância de má-fé por uso abusivo do mandado de segurança

Por Danilo Vital

O manejo infundado e, portanto, abusivo do mandado de segurança resulta, por analogia, na conduta de litigância de má-fé por opor resistência injustificada ao andamento do processo, conforme previsto no inciso IV do artigo 80 do Código de Processo Civil. Assim, gera aplicação da multa prevista no artigo 81 do mesmo código.

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu multar em 1% do valor da causa originária a parte autora de um mandado de segurança para atacar acórdão do próprio tribunal. O julgamento foi encerrado em 19 de maio e o acórdão, publicado na terça-feira (3/8).

Previsto pela Constituição e disciplinado na Lei 12.016/2009, o mandado de segurança é remédio para proteger direito líquido e certo não amparado por Habeas Corpus ou habeas data, quando o autor do ato atacado for autoridade pública ou agente no exercício de atribuições do Poder Público.

O Judiciário admite que seja usado contra decisões jurisdicionais em hipóteses excepcionalíssimas. E a jurisprudência exige, para isso, flagrante teratologia, risco de e dano real irreparável e a completa ausência de outro recurso capaz de suspender os efeitos do ato atacado.

No caso julgado pela Corte Especial, o MS atacou acórdão da 4ª Turma do STJ, que negou provimento ao recurso especial ajuizado contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo em ação anulatória de arrematação. A parte se valeu de todos os recursos possíveis antes de, derrotada, recorrer ao mandado de segurança, sustentando que houve decisão teratológica.

A ideia de aplicar multa por litigância de má-fé foi dada pelo ministro Luís Felipe Salomão, que, ao pedir vista dos autos em novembro de 2020, destacou a importância de a Corte Especial fixar com clareza a admissibilidade e os contornos do uso do mandado de segurança nessa situação.

"A questão da teratologia imbrica com a da subjetividade. É uma questão delicada, às vezes envolve cassar a decisão de outro colega. A gente viu há pouco tempo a repercussão que isso tem", disse, na ocasião.

Relator, o ministro Herman Benjamin incorporou a sugestão ao voto e foi seguido por maioria.

Ficou vencido o ministro Raul Araújo, que votou por afastar a multa. Destacou que o MS é ação constitucional regida por procedimento próprio, aplicando-se a ela apenas subsidiariamente as normas do Código de Processo Civil. "Dentre essas, não me parece cabível a regra que trata de litigância de má-fé", concluiu.

Efeito sistêmico

O voto-vista do ministro Salomão, que especificamente aprofunda a discussão, indica como o esse precedente da Corte Especial tem efeito potencialmente sistêmico para o Judiciário.

Isso porque a utilização desmedida do mandado de segurança gera não apenas o abarrotamento dos tribunais, mas abre espaço para manobras processuais.

O caso julgado foi definido como "um exemplo do manejo abusivo do mandado de segurança contra decisão de órgão desta Corte Superior". O acórdão da 4ª Turma atacado por MS não apenas aplicou jurisprudência pacífica como confirmou todas as outras decisões exaradas pelas instâncias ordinárias.

Já o mandado de segurança ajuizado se volta contra a decisão do TJ-SP e apenas ataca o acórdão da 4ª Turma a partir do 72º item da petição inicial. Longe de indicar qualquer teratologia, é usado como substituto de recurso ou mesmo de ação rescisória. Essa situação, inclusive, não é incomum.

Levantamento da Coordenadoria de Governança de Dados e Informações Estatísticas do STJ indicou que, entre 2016 e 2020, o STJ recebeu 576 mandados de segurança atacando decisões de órgãos do próprio tribunal. A segurança foi concedida em apenas 8 deles, o que representa 1,39% dos casos.

"Por isso, a meu ver, o manejo infundado e, portanto, abusivo do mandado de segurança incide, por analogia, na conduta prevista no artigo 80, VI, do CPC e, assim, rende ensejo à aplicação de multa por litigância de má-fé, nos termos do artigo 81 do CPC", concluiu.

Crises recorrentes

Previsto pela primeira vez no Brasil na Constituição de 1934, o mandado de segurança tem processos cíclicos de utilização exagerada no Judiciário, uma ocorrência ligada diretamente às constantes alterações processuais da legislação brasileira.

Na sua criação, por exemplo, visava preencher a lacuna aberta pela restrição do uso do Habeas Corpus. A primeira lei para disciplinar o tema surgiu em 1951 (Lei 1.533), e desde então a jurisprudência e, em especial, o Supremo Tribunal Federal, pelo viés constitucional, vêm agindo para delimitar seu uso.

"De fato, toda vez que o legislador almejou diminuir os meios de impugnação das decisões judiciais, fatalmente houve um incremento na utilização da garantia constitucional do mandado de segurança", apontou o ministro Luís Felipe Salomão.

E ainda cabe mais mudança. O voto prevê que o Código de Processo Civil de 2015, ao restringir as hipóteses de interposição do agravo de instrumento e criar um rol taxativo das matérias para as quais é cabível, pode causar um novo aumento de mandados de segurança para impugnação imediata de decisões.

As crises são paralelas ao que ocorre, por exemplo, com o Habeas Corpus. Hoje, seu uso extensivo para atacar quaisquer ilegalidades em processos criminais é criticado por magistrados. No STJ, ministros apontam que o volume de HCs ameaça, inclusive, inviabilizar o trabalho nas turmas, por prejudicar a análise de teses.

Especialista em Direito Processual Civil e integrante da 5ª Turma, que julga matéria penal, o ministro Ribeiro Dantas explicou à ConJur em entrevista em 2019 que a atual inflação de Habeas Corpus pode ser comparável ao que o Judiciário viveu entre a década de 1970 e 1980 com o mandado de segurança.

"Como foi que se resolveu o problema? Não foi com leis que restringissem o mandado de segurança. Ele voltou ao seu leito natural quando as leis processuais para procedimentos foram melhoradas. Quando se criou, por exemplo, a tutela antecipada", pontuou.

Clique aqui para ler o acórdão
MS 25.474

Fonte: ConJur, 06/08/2021.
{

Advogados

Tratamento de Dados Pessoais (Data Protection Officer - DPO)

E-mail: lgpd@lippert.com.br