23.02

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Recuperação de Empresas e Falências

STJ volta a julgar validade de recuperação judicial se um único credor nega acordo

Por Beatriz Olivon

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou a julgar se o Banco do Brasil é obrigado a aceitar um plano de recuperação judicial em que é credor e foi o único a negar o acordo oferecido — procedimento chamado de cram down. Por enquanto, dois ministros votaram a favor do cram down e um contra.

O julgamento acontece na 4ª Turma. Contudo, o ministro Marco Buzzi pediu vista, suspendendo o julgamento. O ministro Raul Araújo aguarda para votar.

Essa é a primeira vez que a Turma analisa esse assunto com profundidade, segundo Araújo, apesar de já existir um precedente sobre o tema.

O relator, ministro Antônio Carlos Ferreira, votou contra o banco, a favor do cram down. A ministra Isabel Gallotti foi a primeira a divergir. O julgamento estava suspenso e foi retomado hoje, com o voto vista do ministro Luis Felipe Salomão, que seguiu o relator.

Em tese, a Lei de Recuperação Judicial e Falência (nº 11.101, de 2005) estabelece que o plano de pagamento precisa ser aprovado em todas as classes de credores para a devedora levar o processo de recuperação adiante. Caso contrário, terá a falência decretada.

Um processo de recuperação pode ter até quatro classes: trabalhistas, credores que têm crédito com garantia, titulares de créditos quirografários e as pequenas e microempresas, nesta ordem. A aprovação do plano depende, nas classes de credores trabalhistas e de pequenas e microempresas, da maioria absoluta dos votos dos presentes na assembleia-geral.

Já nas classes dos credores com e sem garantia (quirografários) conta o número de credores e o valor total dos créditos — tem de haver maioria em ambos.

Mas a Lei de Recuperação Judicial prevê um quórum alternativo para a aprovação do plano nos casos em que existe uma circunstância especial. Trata-se da regra do cram down.

O termo, importado do direito americano, significa que mesmo com a discordância da assembleia-geral de credores, o plano poderá ser aprovado. Ou, segundo o ministro Raul Araújo afirmou quando o julgamento começou no STJ, significa que se vai “enfiar goela abaixo” o plano ao credor que não aceita a medida.

O cram down está previsto no artigo 58 da lei. Consta no parágrafo primeiro que o juiz pode conceder a recuperação judicial, desde que tenha ocorrido, de forma cumulativa, três situações: voto favorável de credores que representam mais da metade do valor de toda a dívida; a aprovação de pelo menos duas classes ou, no caso de existirem só duas, a concordância de uma delas; e na classe em que o plano foi rejeitado, a concordância de mais de um terço dos credores.

No caso em julgamento pelo STJ, o Banco do Brasil não aceitou o plano de recuperação judicial da BBKO Consulting, do qual é o principal credor.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de homologação do plano por causa da oposição do banco. Para o TJ-SP, não se aplica ao caso a teoria do cram down. A Corte paulista também considerou haver excesso de deságio e prazo de carência no plano, além de parcelamento sem juros e com limitação de correção monetária que implicaria em novo deságio, ainda que indireto. O tribunal reformou a decisão da primeira instância que tinha aceitado o plano (AREsp 1551410).

O BB é titular de 56,86% dos créditos da classe quirografária. Os outros vinte credores aceitaram o plano.

A 4ª Turma do STJ já decidiu em 2018 que os requisitos do artigo 58 para a aplicação do chamado cram down devem ser mitigados em circunstâncias que podem evidenciar o abuso de direito por parte do credor recalcitrante (REsp 1337989). Ainda segundo o relator, a 2ª Seção também já decidiu, não sobre o cram dowm mas admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa, ainda que em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores (REsp 1598130).

Para Salomão, afastar a recuperação agora causaria prejuízos como cassar empregos. “Para mim, decretar a falência agora seria um grande retrocesso no plano fático, dado o prazo recorrido, o plano cumprido”, afirmou. O ministro afirmou que deveria ser aplicada a jurisprudência da Corte a esse caso.

“De fato o STJ afirmou a possibilidade de mitigação dos requisitos para aprovação judicial do plano, na forma do artigo 58 da lei de recuperação judicial (que prevê o cram down), sobretudo quando se evidenciar o abuso da minoria e posições individualizadas no interesse da sociedade”, afirmou.

No caso concreto, tanto o juiz quanto o Tribunal de Justiça reconheceram a possibilidade de conceder a recuperação judicial. “A rejeição foi manifestada por um único credor, ainda que representante da maioria dos créditos na sua categoria”, afirmou. Para o ministro é necessário um exame baseado no princípio da preservação da empresa para a aplicação do cram down. O processo de recuperação teve seu curso regular.

A ministra Isabel Gallotti reforçou que o desconto nas dívidas foi de 60% e o pagamento foi fixado em diversas parcelas (durante oito anos) e sem correção monetária. O recurso especial não trata desse pontos, segundo Gallotti, porque a decisão de segunda instância acompanhou a de primeira.

A ministra reforçou que não poderia ser descumprida a decisão soberana da assembleia de credores pela rejeição do plano. Ela ainda afirmou que esse precedente é “relevantíssimo”. “Cabe ao Tribunal definir o que se entende por voto abusivo”, afirmou.

O ministro Salomão afirmou que “é o jogo do perde-perde” já que, com a decretação da falência, o próprio credor que negou a recuperação não vai receber. “Não se sabe se não vai receber”, questionou Gallotti.

Fonte: Valor Econômico, 22/02/2022.
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