04.01
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Terceira Seção afasta multa contra empresa que alega impossibilidade de interceptar mensagens criptografadas
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a aplicação de multa contra uma empresa que, alegando impedimento de ordem técnica, deixou de cumprir determinação judicial para interceptar mensagens trocadas em aplicativo por pessoas suspeitas de atividades criminosas.
"Ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível", afirmou o ministro Ribeiro Dantas, autor do voto que prevaleceu no julgamento. A empresa proprietária do aplicativo de mensagens alegou que aplica a criptografia de ponta a ponta em seus serviços de comunicação, o que a impede de cumprir a ordem da Justiça.
A posição da Terceira Seção foi manifestada na análise de recurso em que a empresa pediu a suspensão de multa imposta em virtude do desatendimento à ordem de quebra de sigilo e interceptação telemática de contas do aplicativo de mensagens, determinada no curso de investigação criminal. O Tribunal de Justiça de Rondônia entendeu que a empresa não comprovou a impossibilidade técnica.
No recurso ao STJ, a empresa apontou que estão pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) a ADI 5.527 e a ADPF 403, nas quais se discute, sob o ponto de vista constitucional, a mesma questão relacionada à criptografia de ponta a ponta. Segundo ela, não há nada no processo que demonstre sua capacidade técnica de interceptar conversas protegidas por criptografia – cujo uso é autorizado e incentivado pela legislação brasileira.
Distinção
O ministro Ribeiro Dantas, autor do voto que prevaleceu no julgamento, recordou que a Terceira Seção já definiu a possibilidade de imposição de multa para compelir pessoa jurídica estrangeira que opera no Brasil – como no caso em discussão – a fornecer dados de usuários exigidos pela Justiça em apurações criminais.
Porém, destacou que é preciso fazer uma distinção entre aquele precedente e o caso em análise, diante da existência da criptografia de ponta a ponta e da alegação de impossibilidade técnica.
De acordo com o ministro, a criptografia transforma dados antes visíveis em mensagens codificadas impossíveis de serem compreendidas por agentes externos. No caso da criptografia de ponta a ponta, há proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no do destinatário.
"Não obstante a complexidade técnica, a resposta jurídica deve ser simples e direta: sim, é possível a aplicação da multa, inclusive nessa hipótese; ou, por outro lado, não, a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica. Note-se que não há espaço hermenêutico para um meio-termo", declarou Ribeiro Dantas.
Responsabilidade jurídica
Mesmo observando que ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível, o ministro comentou que "o direito nem sempre se contenta com o nexo natural das coisas, ou seja, a responsabilidade jurídica nem sempre é derivada do raciocínio lógico''.
Na opinião do magistrado, seria juridicamente possível a imposição da multa, mesmo diante da impossibilidade de quebra do sigilo em razão da criptografia, porque o defeito no serviço – no caso, "a obstrução de uma medida legítima, reconhecida inclusive pela Constituição: fornecimento de dados para persecução penal" – decorre da exploração da atividade lucrativa desenvolvida normalmente pela empresa.
Para Ribeiro Dantas, quando a própria empresa se põe na situação de não poder identificar o conteúdo requisitado pela Justiça – conteúdo importante para a solução de crimes e cujo sigilo pode ser legalmente quebrado –, seria razoável proibi-la de alegar um obstáculo que ela mesma criou em sua finalidade de lucro. Afastar a responsabilidade da empresa em tal situação – continuou o ministro – poderia incentivar os crimes praticados com o uso dessa tecnologia.
Liberdade de expressão
Ao mesmo tempo, ele afirmou que a empresa que fornece aplicativo de mensagens, ao assegurar a privacidade da comunicação por meio da criptografia, está protegendo a liberdade de expressão, direito fundamental reconhecido expressamente na Constituição.
Ribeiro Dantas mencionou que, nos julgamentos do STF sobre a ADI 5.527 e a ADPF 403 (ainda não concluídos), os ministros Rosa Weber e Edson Fachin, respectivamente, abordaram o tema com foco no direito à liberdade de expressão e na preservação da intimidade em uma internet segura.
"Tanto o ministro Edson Fachin quanto a ministra Rosa Weber, ao fim de seus votos, chegam, ambos, à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza – em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade – sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação", destacou Dantas.
"Embora chamando atenção para os graves aspectos que neste meu voto inicialmente levantei, curvo-me aos argumentos apresentados pelos eminentes ministros Rosa Weber e Edson Fachin, os quais representam, ao menos até a presente altura, o pensamento do Supremo Tribunal Federal na matéria", concluiu.
Fonte: STJ, 30/12/2020.
"Ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível", afirmou o ministro Ribeiro Dantas, autor do voto que prevaleceu no julgamento. A empresa proprietária do aplicativo de mensagens alegou que aplica a criptografia de ponta a ponta em seus serviços de comunicação, o que a impede de cumprir a ordem da Justiça.
A posição da Terceira Seção foi manifestada na análise de recurso em que a empresa pediu a suspensão de multa imposta em virtude do desatendimento à ordem de quebra de sigilo e interceptação telemática de contas do aplicativo de mensagens, determinada no curso de investigação criminal. O Tribunal de Justiça de Rondônia entendeu que a empresa não comprovou a impossibilidade técnica.
No recurso ao STJ, a empresa apontou que estão pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) a ADI 5.527 e a ADPF 403, nas quais se discute, sob o ponto de vista constitucional, a mesma questão relacionada à criptografia de ponta a ponta. Segundo ela, não há nada no processo que demonstre sua capacidade técnica de interceptar conversas protegidas por criptografia – cujo uso é autorizado e incentivado pela legislação brasileira.
Distinção
O ministro Ribeiro Dantas, autor do voto que prevaleceu no julgamento, recordou que a Terceira Seção já definiu a possibilidade de imposição de multa para compelir pessoa jurídica estrangeira que opera no Brasil – como no caso em discussão – a fornecer dados de usuários exigidos pela Justiça em apurações criminais.
Porém, destacou que é preciso fazer uma distinção entre aquele precedente e o caso em análise, diante da existência da criptografia de ponta a ponta e da alegação de impossibilidade técnica.
De acordo com o ministro, a criptografia transforma dados antes visíveis em mensagens codificadas impossíveis de serem compreendidas por agentes externos. No caso da criptografia de ponta a ponta, há proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no do destinatário.
"Não obstante a complexidade técnica, a resposta jurídica deve ser simples e direta: sim, é possível a aplicação da multa, inclusive nessa hipótese; ou, por outro lado, não, a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica. Note-se que não há espaço hermenêutico para um meio-termo", declarou Ribeiro Dantas.
Responsabilidade jurídica
Mesmo observando que ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível, o ministro comentou que "o direito nem sempre se contenta com o nexo natural das coisas, ou seja, a responsabilidade jurídica nem sempre é derivada do raciocínio lógico''.
Na opinião do magistrado, seria juridicamente possível a imposição da multa, mesmo diante da impossibilidade de quebra do sigilo em razão da criptografia, porque o defeito no serviço – no caso, "a obstrução de uma medida legítima, reconhecida inclusive pela Constituição: fornecimento de dados para persecução penal" – decorre da exploração da atividade lucrativa desenvolvida normalmente pela empresa.
Para Ribeiro Dantas, quando a própria empresa se põe na situação de não poder identificar o conteúdo requisitado pela Justiça – conteúdo importante para a solução de crimes e cujo sigilo pode ser legalmente quebrado –, seria razoável proibi-la de alegar um obstáculo que ela mesma criou em sua finalidade de lucro. Afastar a responsabilidade da empresa em tal situação – continuou o ministro – poderia incentivar os crimes praticados com o uso dessa tecnologia.
Liberdade de expressão
Ao mesmo tempo, ele afirmou que a empresa que fornece aplicativo de mensagens, ao assegurar a privacidade da comunicação por meio da criptografia, está protegendo a liberdade de expressão, direito fundamental reconhecido expressamente na Constituição.
Ribeiro Dantas mencionou que, nos julgamentos do STF sobre a ADI 5.527 e a ADPF 403 (ainda não concluídos), os ministros Rosa Weber e Edson Fachin, respectivamente, abordaram o tema com foco no direito à liberdade de expressão e na preservação da intimidade em uma internet segura.
"Tanto o ministro Edson Fachin quanto a ministra Rosa Weber, ao fim de seus votos, chegam, ambos, à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza – em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade – sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação", destacou Dantas.
"Embora chamando atenção para os graves aspectos que neste meu voto inicialmente levantei, curvo-me aos argumentos apresentados pelos eminentes ministros Rosa Weber e Edson Fachin, os quais representam, ao menos até a presente altura, o pensamento do Supremo Tribunal Federal na matéria", concluiu.
Fonte: STJ, 30/12/2020.