09.12
Imprensa
Direito Tributário
Tribunais vedam União de tributar incentivos de ICMS
Por Joice Bacelo
A Justiça tem impedido a União de cobrar tributos federais sobre os ganhos obtidos pelas empresas com incentivos fiscais de ICMS. Há decisões contra a incidência de Imposto de Renda (IR) e CSLL, além do PIS e da Cofins. Tribunais têm entendido que a tributação seria uma interferência da União no benefício concedido pelo Estado - geralmente para atrair o desenvolvimento de negócios.
Essas decisões têm um custo alto para a União. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) indica perda de R$ 16,5 bilhões só em relação à modalidade de incentivo fiscal por meio de crédito presumido de ICMS, caso não seja mais possível cobrar PIS e Cofins.
Neste mês, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, julgou um caso de incentivo por meio de redução de base de cálculo. Essa modalidade, segundo advogados, ainda não foi abordada pelos tribunais superiores.
O ICMS, pela regra geral, incide sobre o valor de venda das mercadorias. Quando o Estado permite reduzir a base significa que a alíquota será aplicada sobre um valor menor, reduzindo o imposto a pagar.
A discussão no TRF era se a União poderia cobrar PIS e Cofins sobre valores que - por conta desse benefício - deixaram de ser repassados aos cofres estaduais. Os desembargadores da 3ª Turma, ao afastar a tributação, entenderam não existir diferença entre essa situação e a que envolve crédito presumido.
O crédito presumido já tem discussão avançada no Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado contra a incidência de PIS e Cofins nesses casos. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará o tema em repercussão geral, com efeito vinculante no país.
Esse tema entrou na pauta do Plenário Virtual da Corte no ano passado (RE 835.818). A maioria dos ministros havia votado contra a tributação, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes - transferindo a discussão para a sessão presencial.
Nos casos de pedido de destaque, o julgamento, quando reiniciado em sessão presencial, preserva somente votos de ministros que já deixaram a Corte. Todos os demais devem se posicionar novamente e podem mudar o voto.
Por conta dessa sistemática, o processo que trata sobre os créditos presumidos vai reiniciar com placar de um a zero a favor dos contribuintes. O relator original é o ministro Marco Aurélio, que, antes da aposentadoria, levou o caso ao plenário virtual e votou para afastar a tributação.
O contribuinte, portanto, está em vantagem. As discussões que envolvem outros tipos de benefícios fiscais correm de forma paralela, mas, segundo advogados, é possível que os juízes apliquem, por analogia, o mesmo entendimento.
A 3ª Turma do TRF, por exemplo, seguiu essa linha. Os desembargadores aplicaram a jurisprudência do STJ - contra a tributação dos créditos presumidos - ao decidir sobre o benefício concedido ao contribuinte por meio de redução de base de cálculo.
“A despeito de serem distintos os benefícios dados ao contribuinte, é certo que, ambos, crédito presumido e valor de redução da base de cálculo, configuram incentivos fiscais que, por identidade de razão jurídica, não podem ser tratados de forma diferenciada”, diz o relator do caso, desembargador Carlos Muta.
Ele acrescentou que nenhuma das duas hipóteses gera receita ou faturamento que possa ser tributado pela União. A decisão foi unânime na turma (processo nº 5003459-20.2021.4.03.6126).
O advogado Felipe Maia, que representa o contribuinte nesse caso, diz que a única diferença entre os dois benefícios é a forma como se contabiliza. “Porque, no fim do dia, o resultado é o mesmo. Os contribuintes vão pagar menos imposto. Se o Estado concedeu esse benefício, a União não pode tirar”, frisa.
Como o ICMS é um imposto não cumulativo, o que o contribuinte paga ao adquirir a mercadoria pode ser abatido na venda. Quando há crédito presumido, o contribuinte consegue “turbinar” esses abatimentos. O Estado estabelece um percentual para ser utilizado como “crédito extra” e esse “ganho” aparece na contabilidade da empresa.
“O efeito na receita, com a injeção desse crédito, fica mais visível do que quando há redução de base”, diz o advogado Luca Salvoni. “Não à toa as discussões sobre tributação começaram com o crédito presumido”, acrescenta. A discussão sobre redução da base, ele diz, surgiu por analogia. Gabriel Baccarini, que atua na mesma banca, frisa que essas são as formas de incentivos fiscais mais usadas pelos Estados.
No STJ, há também jurisprudência contra a incidência de IR e de CSLL sobre os créditos presumidos. E, recentemente, a 1ª Turma da Corte se posicionou a favor do contribuinte em uma situação envolvendo outro tipo de benefício: um programa de incentivo do Estado de Santa Catarina - o Prodec.
A empresa obteve o benefício como contrapartida à expansão da fábrica. Ficou acordado que as parcelas de ICMS poderiam ser pagas em até 36 meses com uma taxa de juros de 4% ao ano - que, na ocasião, ficava bem abaixo da Selic, a taxa cobrada dos demais contribuintes que atrasam o pagamento do imposto.
Os ministros entenderam que não poderia haver a interferência de um outro ente, sob pena de esvaziar o benefício concedido pelo Estado. A decisão foi unânime (REsp nº 1222547).
“Há essa premissa a favor dos contribuintes de que ao tributar se estará violando o pacto federativo. Mas não é só isso. Não há fato gerador tanto de IR e CSLL como PIS e Cofins. O contribuinte não está auferindo receita e nem renda. Não existe acréscimo patrimonial”, diz o tributarista Leo Lopes.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entende que há tributação quando os benefícios são concedidos de forma incondicional e sem gerar receita. “Por incompatibilidade com os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014”, diz em nota.
Acrescenta que é preciso distinguir os créditos presumidos de benefícios que trata como “negativos” - isenção, redução de base de cálculo, diferimento, devolução total ou parcial. Estes “negativos”, diz na nota, “não envolvem ingressos na pessoa jurídica e, quando concedidos de forma genérica, não se vinculam à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos para se qualificarem como subvenção para investimento”, o que seria exigência da lei.
A PGFN afirma que no TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, a maioria das decisões é favorável à tributação. Cita ainda que a 2ª Turma do STJ decidiu, recentemente, no mesmo sentido. Os ministros validaram a tributação de IR e da CSLL sobre benefícios fiscais obtidos por uma empresa do Paraná.
A companhia, que atua no setor de bebidas, obteve o direito à isenção de ICMS nas vendas de produtos da cesta básica para consumidores finais. E pedia aos ministros para que os valores não repassados ao Estado ficassem livres de tributação.
Os ministros descolaram o caso da tese dos créditos presumidos. Consideraram que, aqui, a lógica se inverteria. Se a União ficasse impedida de tributar, estaria sendo obrigada a reduzir, de forma automática, o IR e a CSLL (REsp nº 1968755).
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2022.
A Justiça tem impedido a União de cobrar tributos federais sobre os ganhos obtidos pelas empresas com incentivos fiscais de ICMS. Há decisões contra a incidência de Imposto de Renda (IR) e CSLL, além do PIS e da Cofins. Tribunais têm entendido que a tributação seria uma interferência da União no benefício concedido pelo Estado - geralmente para atrair o desenvolvimento de negócios.
Essas decisões têm um custo alto para a União. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) indica perda de R$ 16,5 bilhões só em relação à modalidade de incentivo fiscal por meio de crédito presumido de ICMS, caso não seja mais possível cobrar PIS e Cofins.
Neste mês, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, julgou um caso de incentivo por meio de redução de base de cálculo. Essa modalidade, segundo advogados, ainda não foi abordada pelos tribunais superiores.
O ICMS, pela regra geral, incide sobre o valor de venda das mercadorias. Quando o Estado permite reduzir a base significa que a alíquota será aplicada sobre um valor menor, reduzindo o imposto a pagar.
A discussão no TRF era se a União poderia cobrar PIS e Cofins sobre valores que - por conta desse benefício - deixaram de ser repassados aos cofres estaduais. Os desembargadores da 3ª Turma, ao afastar a tributação, entenderam não existir diferença entre essa situação e a que envolve crédito presumido.
O crédito presumido já tem discussão avançada no Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado contra a incidência de PIS e Cofins nesses casos. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará o tema em repercussão geral, com efeito vinculante no país.
Esse tema entrou na pauta do Plenário Virtual da Corte no ano passado (RE 835.818). A maioria dos ministros havia votado contra a tributação, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes - transferindo a discussão para a sessão presencial.
Nos casos de pedido de destaque, o julgamento, quando reiniciado em sessão presencial, preserva somente votos de ministros que já deixaram a Corte. Todos os demais devem se posicionar novamente e podem mudar o voto.
Por conta dessa sistemática, o processo que trata sobre os créditos presumidos vai reiniciar com placar de um a zero a favor dos contribuintes. O relator original é o ministro Marco Aurélio, que, antes da aposentadoria, levou o caso ao plenário virtual e votou para afastar a tributação.
O contribuinte, portanto, está em vantagem. As discussões que envolvem outros tipos de benefícios fiscais correm de forma paralela, mas, segundo advogados, é possível que os juízes apliquem, por analogia, o mesmo entendimento.
A 3ª Turma do TRF, por exemplo, seguiu essa linha. Os desembargadores aplicaram a jurisprudência do STJ - contra a tributação dos créditos presumidos - ao decidir sobre o benefício concedido ao contribuinte por meio de redução de base de cálculo.
“A despeito de serem distintos os benefícios dados ao contribuinte, é certo que, ambos, crédito presumido e valor de redução da base de cálculo, configuram incentivos fiscais que, por identidade de razão jurídica, não podem ser tratados de forma diferenciada”, diz o relator do caso, desembargador Carlos Muta.
Ele acrescentou que nenhuma das duas hipóteses gera receita ou faturamento que possa ser tributado pela União. A decisão foi unânime na turma (processo nº 5003459-20.2021.4.03.6126).
O advogado Felipe Maia, que representa o contribuinte nesse caso, diz que a única diferença entre os dois benefícios é a forma como se contabiliza. “Porque, no fim do dia, o resultado é o mesmo. Os contribuintes vão pagar menos imposto. Se o Estado concedeu esse benefício, a União não pode tirar”, frisa.
Como o ICMS é um imposto não cumulativo, o que o contribuinte paga ao adquirir a mercadoria pode ser abatido na venda. Quando há crédito presumido, o contribuinte consegue “turbinar” esses abatimentos. O Estado estabelece um percentual para ser utilizado como “crédito extra” e esse “ganho” aparece na contabilidade da empresa.
“O efeito na receita, com a injeção desse crédito, fica mais visível do que quando há redução de base”, diz o advogado Luca Salvoni. “Não à toa as discussões sobre tributação começaram com o crédito presumido”, acrescenta. A discussão sobre redução da base, ele diz, surgiu por analogia. Gabriel Baccarini, que atua na mesma banca, frisa que essas são as formas de incentivos fiscais mais usadas pelos Estados.
No STJ, há também jurisprudência contra a incidência de IR e de CSLL sobre os créditos presumidos. E, recentemente, a 1ª Turma da Corte se posicionou a favor do contribuinte em uma situação envolvendo outro tipo de benefício: um programa de incentivo do Estado de Santa Catarina - o Prodec.
A empresa obteve o benefício como contrapartida à expansão da fábrica. Ficou acordado que as parcelas de ICMS poderiam ser pagas em até 36 meses com uma taxa de juros de 4% ao ano - que, na ocasião, ficava bem abaixo da Selic, a taxa cobrada dos demais contribuintes que atrasam o pagamento do imposto.
Os ministros entenderam que não poderia haver a interferência de um outro ente, sob pena de esvaziar o benefício concedido pelo Estado. A decisão foi unânime (REsp nº 1222547).
“Há essa premissa a favor dos contribuintes de que ao tributar se estará violando o pacto federativo. Mas não é só isso. Não há fato gerador tanto de IR e CSLL como PIS e Cofins. O contribuinte não está auferindo receita e nem renda. Não existe acréscimo patrimonial”, diz o tributarista Leo Lopes.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entende que há tributação quando os benefícios são concedidos de forma incondicional e sem gerar receita. “Por incompatibilidade com os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014”, diz em nota.
Acrescenta que é preciso distinguir os créditos presumidos de benefícios que trata como “negativos” - isenção, redução de base de cálculo, diferimento, devolução total ou parcial. Estes “negativos”, diz na nota, “não envolvem ingressos na pessoa jurídica e, quando concedidos de forma genérica, não se vinculam à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos para se qualificarem como subvenção para investimento”, o que seria exigência da lei.
A PGFN afirma que no TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, a maioria das decisões é favorável à tributação. Cita ainda que a 2ª Turma do STJ decidiu, recentemente, no mesmo sentido. Os ministros validaram a tributação de IR e da CSLL sobre benefícios fiscais obtidos por uma empresa do Paraná.
A companhia, que atua no setor de bebidas, obteve o direito à isenção de ICMS nas vendas de produtos da cesta básica para consumidores finais. E pedia aos ministros para que os valores não repassados ao Estado ficassem livres de tributação.
Os ministros descolaram o caso da tese dos créditos presumidos. Consideraram que, aqui, a lógica se inverteria. Se a União ficasse impedida de tributar, estaria sendo obrigada a reduzir, de forma automática, o IR e a CSLL (REsp nº 1968755).
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2022.