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Imobiliário

Aquisição de imóveis rurais no Brasil por empresas estrangeiras (ou por empresas brasileiras com capital estrangeiro)

por Pedro Henrique Barbisan Bertuol
 
A aquisição de imóvel rural por estrangeiros é tema que há muito tempo suscita debates e controvérsias no Brasil. A complexidade do assunto decorre principalmente da tentativa de conciliar interesses diversos e muitas vezes vistos como contrapostos, como a preocupação com a soberania nacional e a segurança alimentar, de um lado, e a necessidade de promoção do desenvolvimento econômico e de atração do investimento estrangeiro, de outro. O assunto traz à tona diversos reflexos jurídicos e econômicos a serem considerados.
 
A matéria é regulada principalmente pela Lei nº 5.709/71, pelo Decreto nº 85.064/80 e pela Instrução Normativa do INCRA nº 88/2017. Quando se trata de imóvel localizado dentro da Faixa de Fronteira – definida como a faixa de 150km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional – aplicam-se também a Lei nº 6.634/79 e o Decreto nº 74.965/74. Segundo esses atos normativos, a pessoa jurídica estrangeira que pretenda adquirir imóvel rural no Brasil precisa, primeiramente, ter autorização para funcionar no país. Além disso, devem ser respeitadas restrições relacionadas ao tamanho da área e à finalidade de sua aquisição e utilização. Assim, somente se permite a aquisição com vistas à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, vinculados aos objetivos estatutários ou contratuais da empresa. Do ponto de vista territorial, a soma das áreas rurais pertencentes a estrangeiros não pode ultrapassar 25% da área total do município no qual se situem, sendo que as pessoas de mesma nacionalidade não podem deter mais de 40% desse limite. A aquisição deve ser aprovada pelo INCRA e, se a área do imóvel for superior a 100 módulos de exploração indefinida (conforme fixado pelo INCRA para cada região), é necessária também autorização do Congresso Nacional. Além disso, se o imóvel estiver localizado na Faixa de Fronteira, a aquisição depende também de assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional (CDN), órgão consultivo do Presidente da República nos assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático.
 
Essas restrições se aplicam a qualquer forma de aquisição, incluindo fusão ou incorporação de empresa ou alteração de controle acionário de sociedade, e se estendem também para o caso de arrendamento do imóvel rural. Outro ponto muito importante a ser destacado é que essas mesmas restrições e procedimentos aplicáveis às empresas estrangeiras são também aplicáveis ao que a lei chama de “pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira” – isto é, aquela pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, com sede no território nacional, porém da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras, naturais ou jurídicas, que, respectivamente, (i) residam ou tenham sede no exterior e (ii) detenham a maioria de seu capital social ou possuam o poder de mando sobre ela, no sentido de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria de seus administradores, de dirigir as atividades sociais e/ou de orientar o funcionamento de seus órgãos. Ou seja, o critério relevante para a legislação não é apenas a sede da empresa e as leis sob as quais ela foi constituída, mas também a composição de seu capital social.
 
Essa equiparação de empresas nacionais a empresas estrangeiras é justamente um dos principais pontos de controvérsia. O PL nº 2.963/2019, em trâmite no Congresso Nacional, tem por objetivo flexibilizar algumas das restrições mencionadas acima e propõe o fim da equiparação de empresas brasileiras a estrangeiras. A constitucionalidade da equiparação está sendo discutida também na ADPF 342, que segue em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
 
Da análise da legislação atualmente em vigor, percebe-se que ela adota uma postura bastante restritiva em relação às operações de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. A dificuldade na concretização das operações é agravada também pelo elevado tempo de tramitação dos processos de autorização junto aos órgãos competentes. Por um lado, a preocupação com a soberania nacional é importante e é legítimo o posicionamento que entende necessário estabelecer alguma restrição à aquisição de terras por estrangeiros, especialmente na Faixa de Fronteira. Contudo, as restrições não podem ser demasiadamente severas a ponto de inviabilizar essas aquisições.  Entende-se que é necessário buscar um equilíbrio e levar em consideração também que a flexibilização dessas restrições e a otimização nos processos de autorização poderiam trazer impactos econômicos relevantes para o país em termos de atração de capital estrangeiro, redução de custos de transação, aumento da competitividade e geração de emprego e renda.
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