10.05
Imprensa
Direito Tributário
Contribuinte pode perder benefício fiscal sem ser condenado por crime
Por Joice Bacelo
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (STF) decidiu que o contribuinte pode perder o direito a isenções e benefícios fiscais mesmo sem condenação judicial por crime contra a ordem tributária. Para os conselheiros da 3ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, a punição pode ocorrer já a partir do momento em que tais atos são identificados pela Receita Federal.
Essa decisão está sendo considerada por advogados como extremamente preocupante. Os profissionais afirmam que, nesse formato, os contribuintes acabam ficando reféns das interpretações da fiscalização. “É assustador. Uma violação grosseira à presunção de inocência”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.
A compreensão dos tributaristas é a de que o contribuinte só poderia sofrer punições se processado criminalmente e condenado pela Justiça. O advogado Carlos Amorim, do escritório Martinelli, cita o artigo 5º da Constituição Federal. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
A discussão, no Carf, se deu em torno do artigo 59 da Lei nº 9.069, de 1995. Consta nesse dispositivo que “a prática de atos que configurem crimes contra a ordem tributária acarretarão à pessoa jurídica infratora a perda, no ano-calendário correspondente, dos incentivos e benefícios de redução ou isenção previstos na legislação tributária”.
Os conselheiros interpretaram esse artigo de forma restritiva. “O legislador falou em prática de atos que configurem crimes e não em prática de crimes ou, mais especificamente, em condenação por prática de crimes contra a ordem tributária”, diz em seu voto o relator, conselheiro Rodrigo da Costa Pôssas, representante da Fazenda. A lei, na sua visão, portanto, não exige manifestação judicial como pré-requisito para a perda de benefícios e isenções.
Pôssas afirma ainda haver “absoluta independência” entre a responsabilidade penal e a tributária e administrativa. As sanções penais, diz ele no voto, dependem do Judiciário. Já a sanção de natureza administrativa ou tributária “independe do resultado do processo criminal, salvo se neste houver absolvição motivada na negativa de autoria ou inexistência do fato imputado”.
O relator cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em que os ministros condicionam o processo criminal ao término do processo administrativo. “Não é o contrário”, diz. Se para iniciar o processo penal exige-se a conclusão do administrativo, questiona, como se pretender que o administrativo só possa começar quando houver o trânsito em julgado do criminal?
Essa decisão se deu por maioria de votos. Quatro conselheiros acompanharam o relator e três divergiram, votando para que a perda de isenções e benefícios só pudesse ocorrer após sentença condenatória. O tema foi analisado por meio de recurso apresentado por uma indústria de Santa Catarina (processo nº 11516.006132/2008-17).
Segundo consta no processo, a empresa perdeu o direito de utilizar crédito presumido de IPI. Trata-se de um benefício concedido aos exportadores. Funciona como uma compensação pelos custos tributários de PIS e Cofins. Tem como objetivo desonerar a cadeia produtiva e, assim, aumentar a competitividade das companhias brasileiras no mercado externo.
A Receita Federal afirma que essa indústria superfaturou a aquisição de produtos no mercado interno — que compõe o cálculo para o crédito presumido — e, desta forma, houve um aumento irregular dos valores decorrentes do benefício. Isso, consequentemente, reduziu as quantias a pagar em PIS e Cofins ao governo, configurando crime.
Os auditores chegaram a essa conclusão com base em uma fiscalização própria do órgão. A indústria de Santa Catarina, que não foi condenada por crime, ainda pode recorrer da decisão do Carf à Justiça.
“Decisões como essa permitem que a empresa seja punida por indícios. A Receita Federal interpreta, diz o que entende, sem passar pelo crivo do contraditório e da ampla defesa”, critica Mirian Lavocat, do escritório Lavocat Advogados.
Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, chama a atenção para os prejuízos que a revogação “antecipada” de benefícios e isenções fiscais podem gerar. “Muitas vezes são essenciais para a atividade. A empresa pode não conseguir se sustentar se sofrer essa perda”, diz o advogado.
Ele acrescenta que são comuns os casos em que a Receita entende ter havido crime contra a ordem tributária e, depois, na via judicial, não há confirmação. “Em decorrência desse cenário provisório, já que depende do julgamento na Justiça, entendo que o mais correto é que só se aplique o artigo da revogação de benefícios e isenções depois de ter a decisão definitiva no Judiciário.”
O advogado Carlos Amorim, do escritório Martinelli, entende que a decisão do STF citada no acórdão do Carf não legitima o entendimento dos conselheiros. “Os ministros disseram que é necessário aguardar a confirmação do crédito tributário para que a penal tenha início. Só que aqui, essa decisão do Carf, não tem a ver com crédito tributário. Tem a ver com o pré-julgamento de que o contribuinte praticou crime”, afirma.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2021.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (STF) decidiu que o contribuinte pode perder o direito a isenções e benefícios fiscais mesmo sem condenação judicial por crime contra a ordem tributária. Para os conselheiros da 3ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, a punição pode ocorrer já a partir do momento em que tais atos são identificados pela Receita Federal.
Essa decisão está sendo considerada por advogados como extremamente preocupante. Os profissionais afirmam que, nesse formato, os contribuintes acabam ficando reféns das interpretações da fiscalização. “É assustador. Uma violação grosseira à presunção de inocência”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.
A compreensão dos tributaristas é a de que o contribuinte só poderia sofrer punições se processado criminalmente e condenado pela Justiça. O advogado Carlos Amorim, do escritório Martinelli, cita o artigo 5º da Constituição Federal. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
A discussão, no Carf, se deu em torno do artigo 59 da Lei nº 9.069, de 1995. Consta nesse dispositivo que “a prática de atos que configurem crimes contra a ordem tributária acarretarão à pessoa jurídica infratora a perda, no ano-calendário correspondente, dos incentivos e benefícios de redução ou isenção previstos na legislação tributária”.
Os conselheiros interpretaram esse artigo de forma restritiva. “O legislador falou em prática de atos que configurem crimes e não em prática de crimes ou, mais especificamente, em condenação por prática de crimes contra a ordem tributária”, diz em seu voto o relator, conselheiro Rodrigo da Costa Pôssas, representante da Fazenda. A lei, na sua visão, portanto, não exige manifestação judicial como pré-requisito para a perda de benefícios e isenções.
Pôssas afirma ainda haver “absoluta independência” entre a responsabilidade penal e a tributária e administrativa. As sanções penais, diz ele no voto, dependem do Judiciário. Já a sanção de natureza administrativa ou tributária “independe do resultado do processo criminal, salvo se neste houver absolvição motivada na negativa de autoria ou inexistência do fato imputado”.
O relator cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em que os ministros condicionam o processo criminal ao término do processo administrativo. “Não é o contrário”, diz. Se para iniciar o processo penal exige-se a conclusão do administrativo, questiona, como se pretender que o administrativo só possa começar quando houver o trânsito em julgado do criminal?
Essa decisão se deu por maioria de votos. Quatro conselheiros acompanharam o relator e três divergiram, votando para que a perda de isenções e benefícios só pudesse ocorrer após sentença condenatória. O tema foi analisado por meio de recurso apresentado por uma indústria de Santa Catarina (processo nº 11516.006132/2008-17).
Segundo consta no processo, a empresa perdeu o direito de utilizar crédito presumido de IPI. Trata-se de um benefício concedido aos exportadores. Funciona como uma compensação pelos custos tributários de PIS e Cofins. Tem como objetivo desonerar a cadeia produtiva e, assim, aumentar a competitividade das companhias brasileiras no mercado externo.
A Receita Federal afirma que essa indústria superfaturou a aquisição de produtos no mercado interno — que compõe o cálculo para o crédito presumido — e, desta forma, houve um aumento irregular dos valores decorrentes do benefício. Isso, consequentemente, reduziu as quantias a pagar em PIS e Cofins ao governo, configurando crime.
Os auditores chegaram a essa conclusão com base em uma fiscalização própria do órgão. A indústria de Santa Catarina, que não foi condenada por crime, ainda pode recorrer da decisão do Carf à Justiça.
“Decisões como essa permitem que a empresa seja punida por indícios. A Receita Federal interpreta, diz o que entende, sem passar pelo crivo do contraditório e da ampla defesa”, critica Mirian Lavocat, do escritório Lavocat Advogados.
Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, chama a atenção para os prejuízos que a revogação “antecipada” de benefícios e isenções fiscais podem gerar. “Muitas vezes são essenciais para a atividade. A empresa pode não conseguir se sustentar se sofrer essa perda”, diz o advogado.
Ele acrescenta que são comuns os casos em que a Receita entende ter havido crime contra a ordem tributária e, depois, na via judicial, não há confirmação. “Em decorrência desse cenário provisório, já que depende do julgamento na Justiça, entendo que o mais correto é que só se aplique o artigo da revogação de benefícios e isenções depois de ter a decisão definitiva no Judiciário.”
O advogado Carlos Amorim, do escritório Martinelli, entende que a decisão do STF citada no acórdão do Carf não legitima o entendimento dos conselheiros. “Os ministros disseram que é necessário aguardar a confirmação do crédito tributário para que a penal tenha início. Só que aqui, essa decisão do Carf, não tem a ver com crédito tributário. Tem a ver com o pré-julgamento de que o contribuinte praticou crime”, afirma.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2021.