24.03
Imprensa
Direito do Trabalho
Justiça do Trabalho afasta indenização por danos morais a suposta filha biológica de trabalhador falecido em acidente do trabalho
Os julgadores da Décima Turma do TRT-MG, por unanimidade, rejeitaram o pedido de indenização por danos morais, a cargo do empregador, feito por mulher que alegava ser filha biológica de um trabalhador falecido em acidente do trabalho. Isso porque ficou constatado que ela jamais teve qualquer convívio familiar ou vínculo afetivo com o falecido, o que levou ao afastamento da existência de danos morais.
No caso, foi acolhido o voto da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires Afonso, que manteve a sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Araguari, nesse aspecto.
Entenda o caso e a dinâmica do acidente
O falecido era empregado de uma empresa do ramo de representações de diversos produtos. Acidentou-se durante a jornada de trabalho, quando o caminhão que dirigia deslizou e capotou na pista molhada e em declive, ocasionando sua morte.
A empresa chegou a afirmar que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva do empregado, que teria sido imprudente e negligente na condução do veículo, principalmente tendo em vista as condições da pista, agravadas pela chuva no momento do acidente. Mas a tese defendida pela empresa foi descartada. Perícia toxicológica comprovou que o trabalhador não estava sob efeito de nenhuma substância química quando se acidentou. A relatora ainda observou que não houve prova de que ele tenha praticado qualquer ato em descordo com eventual treinamento recebido ou com determinações da empresa que tivessem contribuído para o acidente.
Além disso, foi apurado que o falecido dirigia um veículo muito antigo (cerca de 40 anos de fabricação), que, como ressaltou a relatora, exigiria manutenções periódicas, não comprovadas pela empresa. Na conclusão da desembargadora, o empregado foi vítima de acidente de trabalho típico e o empregador descumpriu o dever geral de cautela, por não ter adotado as medidas adequadas à proteção e segurança do trabalhador. Foi reconhecida a responsabilidade da empresa pelos prejuízos decorrentes do acidente que tirou a vida do empregado (artigos 186 e 927 do Código Civil).
Indenizações à esposa e à irmã do trabalhador
No entanto, na sentença, a empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais de R$ 70 mil à esposa e de R$ 30 mil à irmã do trabalhador. Elas, juntamente com a suposta filha biológica do falecido, moveram a ação contra a empregadora. A companheira do trabalhador ainda teve reconhecido o direito de receber da empresa indenização por danos materiais no valor de R$ 937,29 mensais, correspondente a 2/3 do salário do trabalhador (R$ 1.405,00), até a data em que ele, que morreu aos 44 anos, completaria 74 anos. O período se baseou em expectativa de vida de tabela do IBGE do ano do acidente (2018).
A empresa também recorreu, mas a condenação foi mantida pela unanimidade dos julgadores da Turma, que ainda determinaram que o valor da reparação material fosse pago em parcela única, dando provimento ao recurso da esposa do trabalhador nesse aspecto. Segundo o pontuado, considera-se presumido o abalo moral sofrido pela esposa e pela irmã do trabalhador, diante da perda do ente querido, marido e irmão, em decorrência do acidente do trabalho.
Não houve discussão de mérito quanto a eventual direito à reparação por possíveis danos materiais à suposta filha e à irmã do empregado, porque sequer houve pedido nesse sentido na petição inicial.
Ausência de convivência e de vínculo afetivo
A suposta filha do trabalhador movia ação de paternidade perante a Justiça Comum, que ainda aguardava julgamento. Mas, independentemente da prova da paternidade e do reconhecimento da responsabilidade da empresa no acidente que tirou a vida do trabalhador, a relatora ressaltou que a inexistência de vínculo afetivo com o falecido, como se constatou no caso, exclui o direito à indenização por danos morais pretendida.
Conforme destacado na decisão, o acidente de trabalho de que resulta óbito do trabalhador acarreta danos morais aos familiares próximos da vítima acidentada. “A dor sentida pelos familiares que perdem ente próximo é o que a doutrina chama de dano moral reflexo ou por ricochete, que é passível de indenização. O dano moral reflexo ocorre quando efeitos danosos do ato ilícito perpetrado a determinado indivíduo atingem pessoa diversa, estranha ao evento danoso”.
De acordo com a relatora, são considerados vítimas do dano em ricochete os parentes mais próximos da vítima, ou seja, os herdeiros, ascendentes, descendentes, cônjuge e irmãos. Assim, fazendo parte do círculo familiar íntimo, é presumido o dano sofrido.
Entretanto, a desembargadora observou que, no caso, apesar da possibilidade de haver filiação biológica entre a jovem e o trabalhador, ficou provado que nunca houve nenhuma proximidade entre ambos e que a suposta filha nunca integrou o núcleo doméstico do falecido, o que é suficiente para afastar a presunção de dano.
“A prova oral demonstrou que ela não integrava o círculo familiar íntimo do empregado e vice-versa, circunstância que deixa evidente que a morte repentina dele não gerou dano moral indenizável”, frisou a desembargadora.
Segundo a decisão, a suposta filha não foi registrada pelo trabalhador e o exame de vínculo genético somente foi realizado depois do falecimento dele, com combinação do DNA das irmãs do falecido. A conclusão foi que existe 99,9954% de probabilidade de um irmão biológico delas ser o pai biológico dela.
Na sentença recorrida, foi registrado que as tentativas de aproximação do falecido com a suposta filha se frustraram, o que contribuiu para o entendimento adotado pela desembargadora. “Em casos como o dos autos, em que a prova é essencialmente oral, é prudente prestigiar a impressão particular do juízo singular no que se refere à colheita dos depoimentos, pois o contato direto e pessoal confere-lhe melhores condições de aferir o grau de confiabilidade e o estado de espírito dos depoentes”, destacou em seu voto.
Sentença mantida
Nesse cenário, a relatora entendeu prudente prestigiar as impressões particulares da juíza sentenciante, tendo em vista que ela foi responsável pela colheita da prova oral e que não houve, no caso, nenhum elemento que levasse à convicção de que procedeu a uma valoração equivocada da prova.
Na visão da relatora, acolhida pelos demais julgadores da Turma, a magistrada de origem fez a análise completa e cuidadosa da situação. Ela fez referência a trechos consignados na sentença no sentido de que a mulher não morava com a mãe, mas com os avós, tendo declarado, em depoimento, que era pequena quando sua mãe a levava para ver o suposto pai biológico, não tendo mencionado sequer “um” evento na sua vida em que tenha contado com a presença do alegado pai, nem mesmo no dia do casamento dela. A mulher ainda afirmou que, no seu aniversário de 10 anos, “ele” disse que iria aparecer, mas não o fez, “por motivos pessoais dele”. Na continuidade do depoimento deu a entender que novamente o viu apenas aos 14 anos, quando teriam conversado, e, daí em diante, não mais teve contato com ele até uma determinada data em que foi procurada por ele, mas não quis vê-lo, porque “não estava preparada”. Finalizou dizendo que daí “não consegui mais o contato dele” e resumiu afirmando que nunca residiram na mesma casa.
O depoimento da irmã do trabalhador levou à conclusão de que não havia contato da suposta filha sequer com os familiares do falecido. Segundo o apurado, a suposta filha biológica contava com 14 anos quando foi proposta a primeira ação de investigação de paternidade, a qual foi extinta sem resolução do mérito por abandono da causa. De acordo com o entendimento adotado pela juíza de origem e mantido pela relatora, isso “indica que o reconhecimento da paternidade não lhe era caro”. Diante disso, não foi reconhecida a legitimidade dela para abertura do processo de inventário e uma nova ação de investigação de paternidade foi ajuizada após a morte do trabalhador.
Em razão da ausência de convívio familiar e de vínculo afetivo com o falecido, a relatora concluiu não ser possível presumir dano moral sofrido, de forma que, ainda que a Justiça Comum confirme que o trabalhador falecido é o pai biológico, não há como acolher o pedido dela de indenização por danos morais. O processo foi remetido ao TST para análise do recurso de revista.
Fonte: TRT3, 22/03/2023.
No caso, foi acolhido o voto da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires Afonso, que manteve a sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Araguari, nesse aspecto.
Entenda o caso e a dinâmica do acidente
O falecido era empregado de uma empresa do ramo de representações de diversos produtos. Acidentou-se durante a jornada de trabalho, quando o caminhão que dirigia deslizou e capotou na pista molhada e em declive, ocasionando sua morte.
A empresa chegou a afirmar que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva do empregado, que teria sido imprudente e negligente na condução do veículo, principalmente tendo em vista as condições da pista, agravadas pela chuva no momento do acidente. Mas a tese defendida pela empresa foi descartada. Perícia toxicológica comprovou que o trabalhador não estava sob efeito de nenhuma substância química quando se acidentou. A relatora ainda observou que não houve prova de que ele tenha praticado qualquer ato em descordo com eventual treinamento recebido ou com determinações da empresa que tivessem contribuído para o acidente.
Além disso, foi apurado que o falecido dirigia um veículo muito antigo (cerca de 40 anos de fabricação), que, como ressaltou a relatora, exigiria manutenções periódicas, não comprovadas pela empresa. Na conclusão da desembargadora, o empregado foi vítima de acidente de trabalho típico e o empregador descumpriu o dever geral de cautela, por não ter adotado as medidas adequadas à proteção e segurança do trabalhador. Foi reconhecida a responsabilidade da empresa pelos prejuízos decorrentes do acidente que tirou a vida do empregado (artigos 186 e 927 do Código Civil).
Indenizações à esposa e à irmã do trabalhador
No entanto, na sentença, a empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais de R$ 70 mil à esposa e de R$ 30 mil à irmã do trabalhador. Elas, juntamente com a suposta filha biológica do falecido, moveram a ação contra a empregadora. A companheira do trabalhador ainda teve reconhecido o direito de receber da empresa indenização por danos materiais no valor de R$ 937,29 mensais, correspondente a 2/3 do salário do trabalhador (R$ 1.405,00), até a data em que ele, que morreu aos 44 anos, completaria 74 anos. O período se baseou em expectativa de vida de tabela do IBGE do ano do acidente (2018).
A empresa também recorreu, mas a condenação foi mantida pela unanimidade dos julgadores da Turma, que ainda determinaram que o valor da reparação material fosse pago em parcela única, dando provimento ao recurso da esposa do trabalhador nesse aspecto. Segundo o pontuado, considera-se presumido o abalo moral sofrido pela esposa e pela irmã do trabalhador, diante da perda do ente querido, marido e irmão, em decorrência do acidente do trabalho.
Não houve discussão de mérito quanto a eventual direito à reparação por possíveis danos materiais à suposta filha e à irmã do empregado, porque sequer houve pedido nesse sentido na petição inicial.
Ausência de convivência e de vínculo afetivo
A suposta filha do trabalhador movia ação de paternidade perante a Justiça Comum, que ainda aguardava julgamento. Mas, independentemente da prova da paternidade e do reconhecimento da responsabilidade da empresa no acidente que tirou a vida do trabalhador, a relatora ressaltou que a inexistência de vínculo afetivo com o falecido, como se constatou no caso, exclui o direito à indenização por danos morais pretendida.
Conforme destacado na decisão, o acidente de trabalho de que resulta óbito do trabalhador acarreta danos morais aos familiares próximos da vítima acidentada. “A dor sentida pelos familiares que perdem ente próximo é o que a doutrina chama de dano moral reflexo ou por ricochete, que é passível de indenização. O dano moral reflexo ocorre quando efeitos danosos do ato ilícito perpetrado a determinado indivíduo atingem pessoa diversa, estranha ao evento danoso”.
De acordo com a relatora, são considerados vítimas do dano em ricochete os parentes mais próximos da vítima, ou seja, os herdeiros, ascendentes, descendentes, cônjuge e irmãos. Assim, fazendo parte do círculo familiar íntimo, é presumido o dano sofrido.
Entretanto, a desembargadora observou que, no caso, apesar da possibilidade de haver filiação biológica entre a jovem e o trabalhador, ficou provado que nunca houve nenhuma proximidade entre ambos e que a suposta filha nunca integrou o núcleo doméstico do falecido, o que é suficiente para afastar a presunção de dano.
“A prova oral demonstrou que ela não integrava o círculo familiar íntimo do empregado e vice-versa, circunstância que deixa evidente que a morte repentina dele não gerou dano moral indenizável”, frisou a desembargadora.
Segundo a decisão, a suposta filha não foi registrada pelo trabalhador e o exame de vínculo genético somente foi realizado depois do falecimento dele, com combinação do DNA das irmãs do falecido. A conclusão foi que existe 99,9954% de probabilidade de um irmão biológico delas ser o pai biológico dela.
Na sentença recorrida, foi registrado que as tentativas de aproximação do falecido com a suposta filha se frustraram, o que contribuiu para o entendimento adotado pela desembargadora. “Em casos como o dos autos, em que a prova é essencialmente oral, é prudente prestigiar a impressão particular do juízo singular no que se refere à colheita dos depoimentos, pois o contato direto e pessoal confere-lhe melhores condições de aferir o grau de confiabilidade e o estado de espírito dos depoentes”, destacou em seu voto.
Sentença mantida
Nesse cenário, a relatora entendeu prudente prestigiar as impressões particulares da juíza sentenciante, tendo em vista que ela foi responsável pela colheita da prova oral e que não houve, no caso, nenhum elemento que levasse à convicção de que procedeu a uma valoração equivocada da prova.
Na visão da relatora, acolhida pelos demais julgadores da Turma, a magistrada de origem fez a análise completa e cuidadosa da situação. Ela fez referência a trechos consignados na sentença no sentido de que a mulher não morava com a mãe, mas com os avós, tendo declarado, em depoimento, que era pequena quando sua mãe a levava para ver o suposto pai biológico, não tendo mencionado sequer “um” evento na sua vida em que tenha contado com a presença do alegado pai, nem mesmo no dia do casamento dela. A mulher ainda afirmou que, no seu aniversário de 10 anos, “ele” disse que iria aparecer, mas não o fez, “por motivos pessoais dele”. Na continuidade do depoimento deu a entender que novamente o viu apenas aos 14 anos, quando teriam conversado, e, daí em diante, não mais teve contato com ele até uma determinada data em que foi procurada por ele, mas não quis vê-lo, porque “não estava preparada”. Finalizou dizendo que daí “não consegui mais o contato dele” e resumiu afirmando que nunca residiram na mesma casa.
O depoimento da irmã do trabalhador levou à conclusão de que não havia contato da suposta filha sequer com os familiares do falecido. Segundo o apurado, a suposta filha biológica contava com 14 anos quando foi proposta a primeira ação de investigação de paternidade, a qual foi extinta sem resolução do mérito por abandono da causa. De acordo com o entendimento adotado pela juíza de origem e mantido pela relatora, isso “indica que o reconhecimento da paternidade não lhe era caro”. Diante disso, não foi reconhecida a legitimidade dela para abertura do processo de inventário e uma nova ação de investigação de paternidade foi ajuizada após a morte do trabalhador.
Em razão da ausência de convívio familiar e de vínculo afetivo com o falecido, a relatora concluiu não ser possível presumir dano moral sofrido, de forma que, ainda que a Justiça Comum confirme que o trabalhador falecido é o pai biológico, não há como acolher o pedido dela de indenização por danos morais. O processo foi remetido ao TST para análise do recurso de revista.
Fonte: TRT3, 22/03/2023.