25.10
Imprensa
Direito do Trabalho
Justiça libera trabalhador de devolver bônus de contratação ou retenção
Por Adriana Aguiar
A Justiça do Trabalho tem liberado trabalhadores que receberam bônus de contratação ou de retenção de devolver essas quantias em caso de descumprimento do contrato. O entendimento é o de que a verba tem natureza salarial - e, portanto, não caberia ressarcimento.
Os bônus de retenção (hiring bonus) e de contratação (retention bonus) - semelhantes às “luvas” destinadas a atletas - são pagos com a condição de que o empregado permaneça na empresa por um determinado período, geralmente de um ou dois anos. Ganharam importância na pandemia e um dos motivos, segundo Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo Advogados, seria a escassez de talentos no mercado para determinadas posições ou em certos setores.
Ele acrescenta que há também uma busca mais eficiente de talentos com as redes sociais corporativas, como o Linkedin. Ficou mais fácil para as empresas de recrutamento e recursos humanos, afirma, localizarem candidatos qualificados para vagas e fazer ofertas de trabalho.
A prática é adotada para atrair principalmente os profissionais da geração Y (que nasceram do começo da década de 1980 aos meados dos anos 1990) em diante, que passaram a buscar, em meio à pandemia, qualidade de vida e um melhor balanço entre as vidas profissional e pessoal.
“O trabalho remoto, de fato, facilitou e intensificou essa demanda, sendo certo que, quanto mais jovens os profissionais, maior é sua predisposição a mudar de emprego, em intervalos mais curtos de tempo, a depender dos benefícios que lhes são oferecidos”, diz Marília Minicucci, do Chiode Minicucci Advogados.
As empresas que pretendem oferecer esses bônus, contudo, afirmam os especialistas, devem ficar atentas. Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com alteração pela reforma trabalhista, passar a determinar expressamente que prêmios e abonos não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, a Justiça e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ainda consideram que essas verbas têm natureza salarial.
O entendimento foi aplicado em dois casos recentes. Um envolvendo a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o outro a construtora Gafisa. Ambas buscaram a Justiça para tentar a devolução de valores pagos a título de bônus de retenção.
No caso da CSN, as partes tinham firmado um contrato aditivo, em abril de 2016, estabelecendo bônus de R$ 45,9 mil, pago 30 dias depois da assinatura do documento. Nele, havia o compromisso de que a funcionária beneficiada deveria permanecer na empresa até abril de 2018. Caso contrário, teria que devolver o valor, corrigido pelo IPCA. Contudo, por motivos pessoais, ela pediu demissão em julho de 2017.
Em primeira instância, o juiz Carlos Alberto Monteiro da Fonseca, da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo, afirma, na decisão, que a funcionária comprovou que recebeu os R$ 45,9 mil e que, sobre esse valor, pagou R$ 12 mil de Imposto de Renda. Na sua saída, teve um desconto de R$ 34,8 mil de devolução líquida de gratificação. Para ele, “a autora já teria recebido “mais do que lhe era devido”.
A CSN recorreu, então, ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, com a alegação de que, embora conste do demonstrativo os R$ 34,8 mil, o valor não foi descontado integralmente, em razão de insuficiência de saldo das verbas rescisórias. No momento da rescisão contratual, explica no recurso, foi efetuado tão somente o desconto de R$ 18,2 mil (processo nº 1000843-37.2019.5.02.0054).
Ao analisar o caso, contudo, a 9ª Turma do TRT negou o pedido da companhia, por entender que se tratava de verba de natureza salarial. Em seu voto, a relatora, desembargadora Valeria Pedroso de Moraes, afirma que haveria, de acordo com o termo de rescisão juntado, valor suficiente para o desconto integral - total bruto devido de verbas rescisórias era de R$ 65, 6 mil -, mas que, pela CLT (artigo 477), os descontos não poderiam exceder um mês de remuneração da empregada.
No caso da Gafisa, o contrato foi firmado com um engenheiro, prevendo, como bônus de retenção, um desconto em um imóvel. O acordo foi fechado em agosto de 2016, prevendo a devolução integral do valor caso não permanecesse na empresa por dois anos. Em junho de 2018, porém, ele pediu demissão.
O empregado alega no processo que, na rescisão, negociou e a empresa concordou em descontar um valor mínimo de R$ 2,7 mil. Afirma ainda que foi surpreendido com a cobrança e que o bônus de retenção tem natureza salarial, sendo ilegal a sua devolução em qualquer percentual. A Gafisa, por sua vez, diz que essa negociação no fim do contrato de trabalho jamais ocorreu.
Ao analisar o caso (processo nº 1000576-56.2020.5.02.0078), o juiz Gabriel Garcez Vasconcelos, da 78ª Vara do Trabalho de São Paulo, aceitou a argumentação do funcionário. Segundo sua decisão, “a verba em discussão possui natureza salarial, tendo em vista que objetiva retribuir, ainda que de forma antecipada, o seu trabalho, equiparando-se às chamadas luvas pagas aos atletas profissionais”.
Cita na sentença decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que consolidou, em junho de 2019, entendimento sobre a natureza salarial do hiring bonus (processo nº 723-08.2013.5.04.0008). “Tendo natureza salarial, incidem os princípios da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar e da intangibilidade salarial, ou seja, uma vez recebido o desconto pelo empregado, não se admite a exigência de restituição por parte do empregador”, afirma o juiz na sentença.
Procurada pelo Valor, a Gafisa preferiu não se manifestar. A CSN não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2021.
A Justiça do Trabalho tem liberado trabalhadores que receberam bônus de contratação ou de retenção de devolver essas quantias em caso de descumprimento do contrato. O entendimento é o de que a verba tem natureza salarial - e, portanto, não caberia ressarcimento.
Os bônus de retenção (hiring bonus) e de contratação (retention bonus) - semelhantes às “luvas” destinadas a atletas - são pagos com a condição de que o empregado permaneça na empresa por um determinado período, geralmente de um ou dois anos. Ganharam importância na pandemia e um dos motivos, segundo Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo Advogados, seria a escassez de talentos no mercado para determinadas posições ou em certos setores.
Ele acrescenta que há também uma busca mais eficiente de talentos com as redes sociais corporativas, como o Linkedin. Ficou mais fácil para as empresas de recrutamento e recursos humanos, afirma, localizarem candidatos qualificados para vagas e fazer ofertas de trabalho.
A prática é adotada para atrair principalmente os profissionais da geração Y (que nasceram do começo da década de 1980 aos meados dos anos 1990) em diante, que passaram a buscar, em meio à pandemia, qualidade de vida e um melhor balanço entre as vidas profissional e pessoal.
“O trabalho remoto, de fato, facilitou e intensificou essa demanda, sendo certo que, quanto mais jovens os profissionais, maior é sua predisposição a mudar de emprego, em intervalos mais curtos de tempo, a depender dos benefícios que lhes são oferecidos”, diz Marília Minicucci, do Chiode Minicucci Advogados.
As empresas que pretendem oferecer esses bônus, contudo, afirmam os especialistas, devem ficar atentas. Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com alteração pela reforma trabalhista, passar a determinar expressamente que prêmios e abonos não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, a Justiça e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ainda consideram que essas verbas têm natureza salarial.
O entendimento foi aplicado em dois casos recentes. Um envolvendo a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o outro a construtora Gafisa. Ambas buscaram a Justiça para tentar a devolução de valores pagos a título de bônus de retenção.
No caso da CSN, as partes tinham firmado um contrato aditivo, em abril de 2016, estabelecendo bônus de R$ 45,9 mil, pago 30 dias depois da assinatura do documento. Nele, havia o compromisso de que a funcionária beneficiada deveria permanecer na empresa até abril de 2018. Caso contrário, teria que devolver o valor, corrigido pelo IPCA. Contudo, por motivos pessoais, ela pediu demissão em julho de 2017.
Em primeira instância, o juiz Carlos Alberto Monteiro da Fonseca, da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo, afirma, na decisão, que a funcionária comprovou que recebeu os R$ 45,9 mil e que, sobre esse valor, pagou R$ 12 mil de Imposto de Renda. Na sua saída, teve um desconto de R$ 34,8 mil de devolução líquida de gratificação. Para ele, “a autora já teria recebido “mais do que lhe era devido”.
A CSN recorreu, então, ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, com a alegação de que, embora conste do demonstrativo os R$ 34,8 mil, o valor não foi descontado integralmente, em razão de insuficiência de saldo das verbas rescisórias. No momento da rescisão contratual, explica no recurso, foi efetuado tão somente o desconto de R$ 18,2 mil (processo nº 1000843-37.2019.5.02.0054).
Ao analisar o caso, contudo, a 9ª Turma do TRT negou o pedido da companhia, por entender que se tratava de verba de natureza salarial. Em seu voto, a relatora, desembargadora Valeria Pedroso de Moraes, afirma que haveria, de acordo com o termo de rescisão juntado, valor suficiente para o desconto integral - total bruto devido de verbas rescisórias era de R$ 65, 6 mil -, mas que, pela CLT (artigo 477), os descontos não poderiam exceder um mês de remuneração da empregada.
No caso da Gafisa, o contrato foi firmado com um engenheiro, prevendo, como bônus de retenção, um desconto em um imóvel. O acordo foi fechado em agosto de 2016, prevendo a devolução integral do valor caso não permanecesse na empresa por dois anos. Em junho de 2018, porém, ele pediu demissão.
O empregado alega no processo que, na rescisão, negociou e a empresa concordou em descontar um valor mínimo de R$ 2,7 mil. Afirma ainda que foi surpreendido com a cobrança e que o bônus de retenção tem natureza salarial, sendo ilegal a sua devolução em qualquer percentual. A Gafisa, por sua vez, diz que essa negociação no fim do contrato de trabalho jamais ocorreu.
Ao analisar o caso (processo nº 1000576-56.2020.5.02.0078), o juiz Gabriel Garcez Vasconcelos, da 78ª Vara do Trabalho de São Paulo, aceitou a argumentação do funcionário. Segundo sua decisão, “a verba em discussão possui natureza salarial, tendo em vista que objetiva retribuir, ainda que de forma antecipada, o seu trabalho, equiparando-se às chamadas luvas pagas aos atletas profissionais”.
Cita na sentença decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que consolidou, em junho de 2019, entendimento sobre a natureza salarial do hiring bonus (processo nº 723-08.2013.5.04.0008). “Tendo natureza salarial, incidem os princípios da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar e da intangibilidade salarial, ou seja, uma vez recebido o desconto pelo empregado, não se admite a exigência de restituição por parte do empregador”, afirma o juiz na sentença.
Procurada pelo Valor, a Gafisa preferiu não se manifestar. A CSN não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2021.