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Direito Tributário

Maioria dos Estados tem leis para caracterizar devedor contumaz

Por Beatriz Olivon

O contribuinte em São Paulo corre o risco de ser denunciado por crime se ficar devendo seis meses de ICMS. Em Santa Catarina, o prazo é um pouco maior: oito meses, com dívida de pelo menos R$ 1 milhão. Além desses Estados, outros 17 e o Distrito Federal possuem normas para caracterizar o devedor contumaz, segundo levantamento realizado pelo escritório Tofic Simantob, Perez e Ortiz. Legislação que ganhou corpo e importância com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que criminaliza a prática.

No fim de 2019, os ministros decidiram que é crime declarar e não recolher ICMS, se o devedor for considerado contumaz. Mas não definiram o que caracterizaria a contumácia — quantos meses sem pagar ou qual o valor. Essa lacuna é preenchida por leis estaduais que já existiam e outras que surgiram após o julgamento, que nem sempre são seguidas pelo Ministério Público.

As Fazendas estaduais têm regras próprias para caracterizar o devedor contumaz. Em geral, cabe a elas junto com as procuradorias estaduais encaminharem ao Ministério Público a indicação de ocorrência de ICMS declarado e não pago. A partir daí, os promotores analisam se há indício de crime e os responsáveis para oferecer a denúncia e dar início à ação penal. A cobrança tributária segue em paralelo.

O levantamento realizado pelo escritório Tofic Simantob, Perez e Ortiz mostra que há significativa variação regional nos critérios para a caracterização do devedor contumaz. Apenas em 2020, cinco governos — Ceará, Maranhão, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal — fizeram alguma alteração nas regras que incidem sobre a inadimplência reiterada no recolhimento, mesmo que procedimental.

Para o sócio Fábio Tofic Simantob, surpreende a forma como cada Estado trata o assunto, com uma diversidade de regulamentação enorme. “Tem Estado falando em três meses, outros em seis, ou que precisa ser contínuo. Ou um número de meses e um valor mínimo”, diz.

Só a União pode editar normas penais, mas os Estados podem publicar complementações ou regulamentações se houver previsão legal. “É como se eu falasse que para cometer crime de ICMS eu tivesse que agir com dolo e cada Estado viesse definir o que é dolo”, afirma Tofic. Com os diferentes entendimentos, condutas totalmente iguais podem ter consequências diferentes, o que não é a regra no direito penal brasileiro, acrescenta o advogado.

“No campo fiscal não há justificativa para ter um tratamento diferente em cada Estado”, afirma Pierpaolo Bottini, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas Advogados. Ele considera não ser sustentável, do ponto de vista jurídico, ter um empresário sofrendo processo penal por não pagar um valor em um Estado e a mesma conduta não ser crime em outro. “Em algum momento esse tema pode voltar ao STF pela violação aos princípios constitucionais de igualdade e isonomia.”

O Estado de São Paulo, por exemplo, determina no artigo 19 da Lei Complementar nº 1320, de 2018, o que considera devedor contumaz. Ele deve ter débito de ICMS declarado e não pago, inscrito ou não em dívida ativa, relativamente a seis períodos de apuração, consecutivos ou não, nos doze meses anteriores.

No caso de dívida ativa, a norma estabelece ainda valor superior a 40.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (R$ 1,1 milhão) que correspondam a mais de 30% do patrimônio líquido, ou a mais de 25% do valor total das operações de saídas e prestações de serviços realizadas nos doze meses anteriores.

A norma estadual, contudo, não é a baliza utilizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) para indicar se há ou não crime, segundo o promotor Luiz Henrique Dal Poz. “Os Estados têm algumas referências de grandes devedores, devedores contumazes. Lógico que isso nos auxilia na percepção do que está acontecendo, mas podem surgir situações que para a gente não caracterizam crime, é da prática do contribuinte”, diz. “A gestão da parte criminal tem absoluta autonomia.”

O que o órgão observa, de acordo com o promotor, é se a conduta decorre de uma circunstância isolada e delimitada no tempo ou se é uma opção do contribuinte se apropriar do dinheiro que nunca lhe pertenceu. “Ao olhar a situação do contribuinte, agora investigado criminal, não é tão difícil detectar que aquilo foi uma circunstância momentânea no gerenciamento da empresa ou uma opção de não pagar e se apropriar dos valores”, afirma.

Promotor de Justiça de Defesa da Ordem Tributária do Distrito Federal, Rubin Lemos entende que há uma confusão entre regulamentação no âmbito do Estado com a questão do crime. Ele explica que a regulamentação serve para saber quem é grande devedor, qual a conduta para efeito de execução fiscal, e não tem relação com o crime em si.

No Distrito Federal, as previsões estão no Decreto nº 38.650, de 2017. A norma estabelece, para créditos tributários inscritos na dívida ativa, valor superior a 30% do patrimônio total da empresa ou 30% do faturamento anual declarado.

A norma, porém, não é seguida pelo Ministério Público, afirma Lemos. “Nós não seguimos a indicação do Estado. Mas não trabalhamos com valores menores que R$ 500 mil porque viemos de uma escala de maiores sonegadores, pegamos quem deve mais para o Estado como critério”, diz.

Ainda segundo Lemos, a análise precisa ser feita em cada caso para verificar se há justificativa para o não pagamento pelo contribuinte. “Toda tipicidade penal é caso a caso”.

A forma como será operacionalizado o tipo penal criado pelo STF ainda está em aberto, segundo Davi Tangerino, sócio do escritório Davi Tangerino & Salo de Carvalho Advogados. A tese fixada fala em devedor contumaz, acrescenta, mas sem definir contumácia. “Existem duas possibilidades. Uma é entender contumaz como devedor insistente. Outra é fazer referência ao devedor contumaz com base nas normas estaduais”, diz. “Às vezes o devedor contumaz é devedor uma vez só, bastando exceder um valor.”

Para Tangerino, é necessário que um tribunal defina o que é contumaz ou um critério administrativo tributário para chegar a um conceito federal de devedor contumaz. Enquanto não houver definição é livre para os Estados estabelecerem normas e os promotores seguirem ou não.

O advogado Fábio Antônio Tavares dos Santos, sócio do escritório Tavares e Krasovic Advogados, lembra que, em uma situação semelhante, de evasão de divisas, coube ao Banco Central estabelecer um valor como piso.

Essa lacuna do ICMS, acrescenta, poderia ser suprida por uma norma do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) ou levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na Corte, ainda existem poucos julgados depois da decisão do STF. Por enquanto, a falta de pagamento entre um e quatro meses não tem sido considerada como contumácia (REsp 1907186 e REsp 1852129). Em outro caso, porém, o STJ considerou a ocorrência de crime em caso envolvendo dívida de R$ 231,8 mil, referente a 12 meses consecutivos (HC 609039).

Fonte: Valor Econômico, 18/05/2021.
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