05.05
Imprensa
Direito Arbitral
Para advogadas, se Administração é parte, limites da arbitragem ainda não são claros
O estatuto da Petrobras não tem dispositivos suficientemente extensos a ponto de sujeitar o ente público à arbitragem sem seu expresso consentimento. O entendimento é da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, que suspendeu decisões proferidas em dois procedimentos arbitrais que poderiam custar R$ 166 bilhões aos cofres da União.
Uma lei de 2015, ao alterar a "Lei da Arbitragem", passou a prever a possibilidade de que litígios envolvendo a administração pública sejam decididos por meio de arbitragem. Apesar disso, para advogadas ouvidas pela ConJur, ainda é controverso que possa haver a responsabilização do Estado, via procedimento arbitral, por atos de gestão que, direta ou indiretamente, causem prejuízo à estatal (e, por consequência, a seus acionistas) — como estava ocorrendo nos dois procedimentos cujas decisões foram suspensas pela juíza.
O caso
Os dois procedimentos foram instaurados em 2017 na Câmara de Arbitragem Brasileira (CAM), da B3, a pedido de acionistas minoritários da Petrobras. Eles sustentaram que a União deve aportar valores na empresa para compensar prejuízos da companhia durante as investigações sobre esquemas de corrupção dos últimos anos, como as da "lava jato".
A Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes) e Alejandro Constantino Stratiotis alegaram, em suma, que a União estaria vinculada à demanda com base no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras, segundo o qual "deverão ser resolvidas por meio da arbitragem as disputas ou controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais".
A juíza de São Paulo discordou, considerando que a responsabilização da União por atos praticados por diretores da Petrobras não se encontra englobada na previsão estatutária da empresa.
"O dispositivo regulamentar [Estatuto Social da Petrobras] não parece, em uma primeira análise, possuir a extensão atribuída pela Câmara Arbitral de modo a sujeitar o ente público à arbitragem sem seu expresso consentimento. Pretender, por meio de juízo arbitral, a responsabilização da União pela indicação do presidente e respectivos diretores da Petrobras é dar ao Estatuto contornos que não possui", diz a magistrada.
A juíza também explicou que a Lei 10.303/11 (que alterou a "Lei das Sociedades por Ações" — Lei 6.404/76) facultou ao estatuto da sociedade estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia, ou entre acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionados por arbitragem, nos termos especificados previamente.
"Não se encontra nessa previsão a discussão sobre a má gestão praticada pelos indicados pela acionista controladora, tal situação não está inserida em questões inerentes ao pacto social, estando fora do alcance do juízo arbitral", concluiu.
Limites jurídicos
Especialistas ouvidas pela ConJur disseram que o envolvimento da União em procedimentos arbitrais é um tema complexo, que já mereceu a apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Segundo Nathalia de Couto Rosa Jordão, advogada da área de arbitragem do escritório Costa Tavares Paes Advogados, embora a Lei 13.129/15 tenha mudado a "Lei da arbitragem" (Lei 9.307/96), autorizando que disputas envolvendo a administração pública sejam submetidas à arbitragem, a aplicação da previsão não é imediata.
"Esse entendimento [de não aplicação imediata da Lei 13.129] é fruto de decisão proferida pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, ao decidir ação judicial sobre o tema, considerou que compete à Justiça Federal julgar ações indenizatórias envolvendo a União e a estatal por ela controlada, ainda que o estatuto social da companhia contenha cláusula compromissória para disputas envolvendo a companhia e/ou os seus acionistas", explica.
A advogada faz referência ao conflito de competência 151.130, em que ficou decidido que a União não pode ir a arbitragem sem lei que o autorize.
Para a advogada Manoela Ardenghi, CEO da Arbipedia (empresa especializada em pesquisa de jurisprudência e doutrina sobre arbitragem), a tutela antecipatória que impede o procedimento arbitral de prosseguir, suspendendo uma sentença arbitral parcial que define a competência dos árbitros, deve considerar um dano ou risco grave e urgente, com evidências bastante contundentes de nulidade ou inaplicabilidade da cláusula compromissória.
Apesar da decisão do STJ no conflito de competência 151.130, ela lembra que a Petrobras é uma empresa de capital aberto, tendo na responsabilização de seus dirigentes (administradores e controladores), portanto, uma das principais ferramentas para evitar abuso de poder contra acionistas minoritários. Por isso, "seria discutível se tal cláusula pudesse blindar a União a ponto de não poder ter sua responsabilidade a nível societário discutida no ambiente escolhido para tal (que é a arbitragem da CAM/B3, no caso)", diz.
"Isso é especialmente aplicável quando a disputa versa sobre a indicação de presidente e diretores da empresa e mecanismos de controle, um ato genuinamente empresarial", completa.
Ela também faz a distinção entre o mérito da disputa e a simples possibilidade de essa disputa poder ser dirimida via arbitragem. "Uma coisa é se devemos ou não levar o conflito à arbitragem; outra é entender se eventual árbitro ou juiz deve responsabilizar a União pela condução do negócio, quando a decisão foge dos limites jurídicos e entramos no que no direito americano é denominado de 'business judgment rule' — quando há prejuízo de má gestão, mas não houve má-fé ou negligência (neste caso, por parte da União enquanto acionista majoritária) — e, portanto, nada pode ser feito da perspectiva de quem investiu e assumiu junto o risco do negócio".
Clique aqui para ler a decisão
5024529-11.2020.4.03.6100
Fonte: ConJur, 04/05/2021.
Uma lei de 2015, ao alterar a "Lei da Arbitragem", passou a prever a possibilidade de que litígios envolvendo a administração pública sejam decididos por meio de arbitragem. Apesar disso, para advogadas ouvidas pela ConJur, ainda é controverso que possa haver a responsabilização do Estado, via procedimento arbitral, por atos de gestão que, direta ou indiretamente, causem prejuízo à estatal (e, por consequência, a seus acionistas) — como estava ocorrendo nos dois procedimentos cujas decisões foram suspensas pela juíza.
O caso
Os dois procedimentos foram instaurados em 2017 na Câmara de Arbitragem Brasileira (CAM), da B3, a pedido de acionistas minoritários da Petrobras. Eles sustentaram que a União deve aportar valores na empresa para compensar prejuízos da companhia durante as investigações sobre esquemas de corrupção dos últimos anos, como as da "lava jato".
A Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes) e Alejandro Constantino Stratiotis alegaram, em suma, que a União estaria vinculada à demanda com base no artigo 58 do Estatuto Social da Petrobras, segundo o qual "deverão ser resolvidas por meio da arbitragem as disputas ou controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais".
A juíza de São Paulo discordou, considerando que a responsabilização da União por atos praticados por diretores da Petrobras não se encontra englobada na previsão estatutária da empresa.
"O dispositivo regulamentar [Estatuto Social da Petrobras] não parece, em uma primeira análise, possuir a extensão atribuída pela Câmara Arbitral de modo a sujeitar o ente público à arbitragem sem seu expresso consentimento. Pretender, por meio de juízo arbitral, a responsabilização da União pela indicação do presidente e respectivos diretores da Petrobras é dar ao Estatuto contornos que não possui", diz a magistrada.
A juíza também explicou que a Lei 10.303/11 (que alterou a "Lei das Sociedades por Ações" — Lei 6.404/76) facultou ao estatuto da sociedade estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia, ou entre acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionados por arbitragem, nos termos especificados previamente.
"Não se encontra nessa previsão a discussão sobre a má gestão praticada pelos indicados pela acionista controladora, tal situação não está inserida em questões inerentes ao pacto social, estando fora do alcance do juízo arbitral", concluiu.
Limites jurídicos
Especialistas ouvidas pela ConJur disseram que o envolvimento da União em procedimentos arbitrais é um tema complexo, que já mereceu a apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Segundo Nathalia de Couto Rosa Jordão, advogada da área de arbitragem do escritório Costa Tavares Paes Advogados, embora a Lei 13.129/15 tenha mudado a "Lei da arbitragem" (Lei 9.307/96), autorizando que disputas envolvendo a administração pública sejam submetidas à arbitragem, a aplicação da previsão não é imediata.
"Esse entendimento [de não aplicação imediata da Lei 13.129] é fruto de decisão proferida pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, ao decidir ação judicial sobre o tema, considerou que compete à Justiça Federal julgar ações indenizatórias envolvendo a União e a estatal por ela controlada, ainda que o estatuto social da companhia contenha cláusula compromissória para disputas envolvendo a companhia e/ou os seus acionistas", explica.
A advogada faz referência ao conflito de competência 151.130, em que ficou decidido que a União não pode ir a arbitragem sem lei que o autorize.
Para a advogada Manoela Ardenghi, CEO da Arbipedia (empresa especializada em pesquisa de jurisprudência e doutrina sobre arbitragem), a tutela antecipatória que impede o procedimento arbitral de prosseguir, suspendendo uma sentença arbitral parcial que define a competência dos árbitros, deve considerar um dano ou risco grave e urgente, com evidências bastante contundentes de nulidade ou inaplicabilidade da cláusula compromissória.
Apesar da decisão do STJ no conflito de competência 151.130, ela lembra que a Petrobras é uma empresa de capital aberto, tendo na responsabilização de seus dirigentes (administradores e controladores), portanto, uma das principais ferramentas para evitar abuso de poder contra acionistas minoritários. Por isso, "seria discutível se tal cláusula pudesse blindar a União a ponto de não poder ter sua responsabilidade a nível societário discutida no ambiente escolhido para tal (que é a arbitragem da CAM/B3, no caso)", diz.
"Isso é especialmente aplicável quando a disputa versa sobre a indicação de presidente e diretores da empresa e mecanismos de controle, um ato genuinamente empresarial", completa.
Ela também faz a distinção entre o mérito da disputa e a simples possibilidade de essa disputa poder ser dirimida via arbitragem. "Uma coisa é se devemos ou não levar o conflito à arbitragem; outra é entender se eventual árbitro ou juiz deve responsabilizar a União pela condução do negócio, quando a decisão foge dos limites jurídicos e entramos no que no direito americano é denominado de 'business judgment rule' — quando há prejuízo de má gestão, mas não houve má-fé ou negligência (neste caso, por parte da União enquanto acionista majoritária) — e, portanto, nada pode ser feito da perspectiva de quem investiu e assumiu junto o risco do negócio".
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5024529-11.2020.4.03.6100
Fonte: ConJur, 04/05/2021.