26.05

Imprensa

Direito Tributário

Porto Alegre inova na mediação tributária

Roberta Mello

Um projeto inovador capaz de dissolver conflitos tributários em âmbito municipal está prestes a ser colocado em prática na capital gaúcha. A iniciativa é pioneira no Brasil e prevê, basicamente, a regulamentação de um modelo de mediação tributária com a instalação de uma câmara para negociação entre as partes.

O objetivo é reduzir o estoque de crédito a ser recuperado - hoje em R$ 2,776 bilhões - e o tempo e orçamento gastos com a judicialização das discussões. 

Um grupo de trabalho formado por técnicos da Secretaria Municipal da Fazenda e da Associação Brasileira dos Secretários de Finanças (Abrasf) está finalizando um Projeto de Lei a ser apresentado até o final do primeiro semestre à Câmara de Vereadores da Capital.

"Como o tema não é polêmico, acreditamos que o PL deve ser aprovado rapidamente e que começaremos a colocá-lo em prática ainda este ano", revelou o secretário municipal da Fazenda, Rodrigo Fantinel, ao Jornal do Comércio.

O estoque de crédito tributário a ser recuperado em Porto Alegre não é dos mais altos na comparação com as demais capitais. Porém, representa 37% do orçamento do município. "É um valor que não pode ser desprezado e que poderia proporcionar importantes melhorias na cidade. Hoje, o que falta é diálogo para a recuperação do crédito. Quando conseguimos estabelecer o diálogo, na maioria das vezes chegamos a uma solução", comenta Fantinel.

Além da criação da figura do mediador tributário, um profissional independente que ajudará a encontrar a melhor saída para Fisco e contribuinte, também está sendo criada uma ferramenta capaz de gerir dados e informações.

A tecnologia deve ser usada para ajudar na apuração dos fatos com mais agilidade. A ideia, comenta Fantinel, é que a negociação ocorra antes mesmo de ser aberto processo judicial. "Trocaremos uma longa e infrutífera discussão por um acordo, um parcelamento", destaca o secretário.

Em matéria de mediação, a capital dos gaúchos já acumula uma experiência de cinco anos. Em 2016, a Lei 12.003 instituiu a Central de Conciliação no âmbito da estrutura da Procuradoria-Geral do Município. Sua existência foi uma das razões para que Porto Alegre fosse escolhida para o projeto piloto de mediação também na área tributária.

"Nesse período, trabalhamos para a consolidação da estrutura, formação de mediadores, em parceria com a OAB/RS, e na mudança cultural necessária para alterar o paradigma, substituindo paulatinamente o litígio pelas soluções consensuais. Apesar do curto intervalo de tempo, já obtivemos a demonstração da vantagem da mediação, tanto para o particular como para a Administração", comemora a procuradora municipal, Patricia Dornelles Schneider.

Se, por um lado, utilizar a mediação como forma de solucionar conflitos entre o Fisco e o contribuinte impõe alguns desafios, por outro, o direito administrativo já oferece caminhos e precedentes. A opinião é do diretor da ABDF, assessor jurídico da Associação Brasileira de Secretários de Finanças (Abrasf), e procurador municipal do Rio de Janeiro, Ricardo Almeida. 

"É possível flexibilizar a indisponibilidade do crédito público? É possível abrir mão do crédito público? O direito administrativo prevê a discricionariedade técnica e nos traz alguns precedentes, como os acordos de leniência, as delações premiadas e a transação tributária, implantada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A partir da parametrização e do juízo de conveniência e razoabilidade, é perfeitamente possível obter soluções consensuais em matéria tributária", diz Almeida.

Capital gaúcha tem o melhor índice de recuperação dos créditos no País

Roberta Mello

Chega a R$ 5 trilhões o total de dívidas tributárias em discussões judiciais e administrativas nas esferas federal, estadual e municipal. O montante representa 75% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O dado, referente a 2020, é do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa e foi revelado durante 1º Seminário Internacional de Mediação Tributária, que ocorreu de forma virtual na quinta, 20, e nesta sexta-feira, 21.

No Brasil, uma execução fiscal tem duração média de dez anos. "O estado brasileiro não pode se dar ao luxo de discutir por tanto tempo sobre recursos que são essenciais para a implementação das políticas públicas", defende a procuradora-geral adjunta da Área Fiscal, Cristiane da Costa Nery.

Nesse sentido, segundo Cristiane, é indispensável a busca por mecanismos mais céleres e a quebra de alguns paradigmas. "A mediação na área tributária se enquadra nessa perspectiva e deve significar ganhos tanto para o Fisco como para o contribuinte", comenta. Cerca de 35 mil execuções fiscais tramitam na Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre. 

Dados da PGFN mostram o impacto da implantação de medidas inovadoras na área fiscal. O número de execuções fiscais ajuizadas pela PGFN baixou de 237 mil processos, em 2016, para 4 mil processos, em 2020. A arrecadação, no entanto, foi inversamente proporcional: saltou de R$ 1,1 bilhão para R$ 10 bilhões no período. 

O assunto foi pauta de um evento realizado entre os dias 20 e 21 e que reuniu especialistas do Brasil e do exterior para discutir estratégias e experiências de mediação em matéria tributária ao redor do mundo.

O 1º Seminário Internacional de Matéria Tributária foi uma promoção da ABDF, Abrasf e Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Procuradoria-Geral do Município (PGM) e Secretaria Municipal da Fazenda (SMF).

No município de Porto Alegre, o estoque fechou 2020 em R$ 2,2 bilhões. A capital gaúcha não tem créditos prescritos, os chamados créditos podres.

A Capital tem o melhor índice de recuperação dos créditos no País, cerca de 11%. "A expectativa é recuperar, neste ano, R$ 300 milhões, o que é um resultado muito bom. No entanto, R$ 2,5 bilhões não serão recuperados", informou o secretário municipal da Fazenda, Rodrigo Fantinel. Daí a importância da mediação tributária como mais um instrumento a ser implementado para tornar ainda mais eficaz a arrecadação.

Apesar do cenário pandêmico, a recuperação da dívida cresceu 39% no primeiro quadrimestre deste ano. Mesmo assim, o tributarista Heleno Torres, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), defende que "não há no mundo tema mais urgente do que a mediação na área tributária". 

"Sem dúvida nenhuma, esse será o grande instituto para a recuperação das empresas após o período de pandemia. A recuperação depende muito da criação de condições para a capacidade de pagamentos dessas empresas. Afinal de contas, não interessa ao Estado matar as empresas", contextualizou.

Raio X das dívidas tributárias de Porto Alegre

- R$ 127 milhões em dívidas tributárias entre o lançamento e o vencimento
- R$ 202 milhões em fase de reclamação administrativa
- R$ 122 milhões em análise no Tribunal Administrativo de Recursos Tributários (TART)
- R$ 2,27 bilhões inscritos em dívida ativa
- R$ 2,77 bilhões - Estoque total da dívida - 39% do orçamento(Dados atualizados em 30 de abril de 2021)

Fonte: Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre (PGM)

Por dentro dos conceitos

O que é Dívida Ativa?

São créditos devidos e não pagos pelos contribuintes no prazo fixado pela lei.

Como é constituída a Dívida Ativa no Município de Porto Alegre?

A Dívida Ativa segmenta-se em: tributária e não tributária.

Tributária: constituída pelos impostos e taxas não recebidos pelo Município.

Não Tributária: constituída principalmente pelas multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, decorrentes de ações de fiscalização de outras Secretarias que compõem a Prefeitura.

Quais os tributos sujeitos à inscrição em Dívida Ativa?

Os tributos que o Município pode inscrever em dívida ativa são:

IPTU: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana;
ITBI: Imposto sobre a Transmissão "Inter-Vivos", por ato oneroso, de Bens Imóveis e Direitos Reais a eles relativos;
ISSQN: Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
TCL: Taxa de Coleta de Lixo; e
TFLF: Taxa de Fiscalização de Localização e Funcionamento.

Quais as formas de cobrança da Dívida Ativa?

A cobrança da dívida pode ocorrer de três diferentes formas, a critério da Administração:

a) O contribuinte é contatado, por qualquer meio - correspondências, mensagens eletrônicas, propostas de parcelamentos, contatos telefônicos - buscando o pagamento ou o parcelamento do débito existente. Essa é a forma menos onerosa para o contribuinte se regularizar perante o município;
b) O Município realiza o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa e/ou encaminha a dívida para inclusão em serviços de proteção ao crédito;
c) O Município encaminha o crédito existente para cobrança judicial. Essa é a forma mais onerosa para o contribuinte, visto que, além do débito existente, terá que arcar com custas judiciais e honorários advocatícios.

Fonte: Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre

Investir em robôs e inteligência artificial é crucial para que o processo de mediação seja o mais imparcial e transparente possível. Passada a fase de utilização das novas tecnologias para inserção de informações e envio aos órgãos competentes, é chegado o momento de definir como será realizado o processamento dos bancos de dados e qual será o efeito da sua aplicação para a sociedade. 

Para a procuradora federal Cristiane Iwakura, "ainda estamos em uma fase de dados semiestruturados". Por isso, é essencial garantir a interoperabilidade entre diferentes esferas. "Temos que criar sistemas que sejam integrados entre si e de fácil manuseio. Isso vai permitir a troca das informações e contribuir especificamente na execução fiscal", defende.

O diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro, Fábio Fraga, complementa que o uso de robôs pode ser um aliado na busca por dois conceitos mais valorizados no processo de mediação: impessoalidade e neutralidade. Mesmo assim, o especialista lembra que a tecnologia não substitui o trabalho humano.

"A relação entre os seres humanos e robôs mediadores tem que ser estreita. Eles se complementam. Nesse mundo novo, robôs e seres humanos talvez sejam a solução para dilemas do passado", propõe Fraga.

Cristiane pontua, ainda, que já existem experiências de sucesso nessa área que podem servir de inspiração, como o portal eCAC, a criação da conta gov.br unificada, o portal Regularize da PGFN, além de outros mecanismos auxiliares.
Elas revelam a preocupação do Fisco e do judiciário em se comunicar com o contribuinte e já vem demonstrando que a negociação é sempre a melhor solução para o contencioso tributário.

Fonte: Jornal do Comércio, 25/05/2021.
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