25.09
Imprensa
Recuperação de Empresas e Falências
STJ suspende proibição de viagens imposta a casal que responde a ação de insolvência
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão liminar, suspendeu a proibição de viajar imposta por ordem judicial a um casal do Rio de Janeiro que responde a ação de insolvência civil em razão de dívida superior a R$ 3 milhões. De forma unânime, o colegiado considerou que a medida coercitiva restringiu de forma desproporcional o direito fundamental de ir e vir.
O magistrado de primeiro grau havia atendido pedido da administradora judicial e do Ministério Público, e adotou como fundamento a ausência de depósito nos autos e de demonstração de interesse, por parte dos devedores, em minimizar os prejuízos aos credores. De acordo com o juiz, o casal não poderia se ausentar do município do Rio de Janeiro, ainda que por motivos profissionais.
"É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável", afirmou o relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão.
Na primeira decisão em habeas corpus, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou o pedido para liberar as viagens sob o argumento de que o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 autoriza ao magistrado adotar as medidas necessárias para dar efetividade às ordens judiciais.
O tribunal também considerou aplicável ao caso o artigo 104, inciso III, da Lei de Recuperação e Falência, que impõe ao falido o dever de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz. Ao negar o habeas corpus, o TJRJ considerou a prática de atos que dificultam a localização e a arrecadação de bens dos devedores, em processo que se estende por mais de dez anos.
Coação reprovável
Em análise do novo pedido de habeas corpus, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que, de acordo com o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Apesar de constituir instrumento genuíno para assegurar o cumprimento do comando judicial, o relator ponderou que a medida de incursão na esfera de direitos do executado, especialmente direitos fundamentais, não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental.
Segundo ele, os doutrinadores reconhecem que, diante das inúmeras possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é sempre imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua adequação e necessidade.
Embaraço à liberdade
No caso dos autos, Salomão entendeu que a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, a qual deve ser plena, tendo em vista que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir o direito fundamental constitucional.
Além disso, lembrou que o STJ tem precedentes no sentido de que a obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência – ainda que essa lei pudesse ser aplicada ao caso de insolvência civil – não possui caráter de pena, visando, ao contrário, simplesmente facilitar o curso da ação falimentar, tendo como objetivo a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.
O dispositivo legal, ressaltou o ministro, não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca; apenas a condiciona ao preenchimento de alguns requisitos, como a existência de justo motivo, a comunicação expressa ao juiz e a constituição de procurador.
"Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento" – concluiu o ministro Salomão ao conceder a liminar.
O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Quarta Turma.
HC 525378
Fonte: STJ, 25/09/2019.
O magistrado de primeiro grau havia atendido pedido da administradora judicial e do Ministério Público, e adotou como fundamento a ausência de depósito nos autos e de demonstração de interesse, por parte dos devedores, em minimizar os prejuízos aos credores. De acordo com o juiz, o casal não poderia se ausentar do município do Rio de Janeiro, ainda que por motivos profissionais.
"É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável", afirmou o relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão.
Na primeira decisão em habeas corpus, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou o pedido para liberar as viagens sob o argumento de que o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 autoriza ao magistrado adotar as medidas necessárias para dar efetividade às ordens judiciais.
O tribunal também considerou aplicável ao caso o artigo 104, inciso III, da Lei de Recuperação e Falência, que impõe ao falido o dever de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz. Ao negar o habeas corpus, o TJRJ considerou a prática de atos que dificultam a localização e a arrecadação de bens dos devedores, em processo que se estende por mais de dez anos.
Coação reprovável
Em análise do novo pedido de habeas corpus, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que, de acordo com o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Apesar de constituir instrumento genuíno para assegurar o cumprimento do comando judicial, o relator ponderou que a medida de incursão na esfera de direitos do executado, especialmente direitos fundamentais, não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental.
Segundo ele, os doutrinadores reconhecem que, diante das inúmeras possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é sempre imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua adequação e necessidade.
Embaraço à liberdade
No caso dos autos, Salomão entendeu que a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, a qual deve ser plena, tendo em vista que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir o direito fundamental constitucional.
Além disso, lembrou que o STJ tem precedentes no sentido de que a obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência – ainda que essa lei pudesse ser aplicada ao caso de insolvência civil – não possui caráter de pena, visando, ao contrário, simplesmente facilitar o curso da ação falimentar, tendo como objetivo a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.
O dispositivo legal, ressaltou o ministro, não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca; apenas a condiciona ao preenchimento de alguns requisitos, como a existência de justo motivo, a comunicação expressa ao juiz e a constituição de procurador.
"Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento" – concluiu o ministro Salomão ao conceder a liminar.
O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Quarta Turma.
HC 525378
Fonte: STJ, 25/09/2019.