26.08

Imprensa

Tribunais condenam empresas por atos de discriminação contra trabalhadores

Por Bárbara Pombo

A Justiça do Trabalho tem condenado empresas a indenizar trabalhadores que sofreram atos de discriminação por superiores ou colegas. Em recentes decisões, desembargadores de pelo menos seis Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) criticaram a omissão de empregadores e ações pouco eficientes para livrar o ambiente de trabalho de preconceitos de gênero, raça, orientação sexual e religião, o que chegou a ser classificado como “políticas de papel”.

O comportamento da empresa perante casos de discriminação, segundo advogados, é levado em consideração pelos desembargadores na hora de estabelecer o valor das indenizações por danos morais. “A empresa que não faz nada diante dessas situações assina embaixo da conduta discriminatória. É como se ela dissesse ‘aqui nós aceitamos isso’”, afirma a advogada Bruna Gärner, do escritório PGLaw e gerente de compliance na Ong TODXS - que promove a inclusão de pessoas da comunidade LGBTQIA+.

Saudações nazistas e enaltações públicas a Hitler feitas por um diretor administrativo levou uma autopeças de Osasco, no interior de São Paulo, a indenizar em R$ 65 mil um funcionário judeu, que ocupava o cargo de diretor comercial. A 18ª Turma do TRT de São Paulo (2ª Região) considerou que a empresa tem responsabilidade objetiva pelos atos dos empregados, feitos no local de trabalho (processo nº 1000950-27.2020.5.02.0384).

Contratada como auxiliar de faturamento, uma mulher negra foi indenizada, em R$ 5 mil, por ser alvo de injúria racial, em Porto Alegre. As ofensas partiram da gerente do consultório odontológico onde trabalhava. Ela teria dito que “quem tem perfil para juntar lixo está sentada ali”, referindo-se à autora da ação.

“O que existe é a prova de um comportamento racista por parte da reclamada, dentro de um contexto de ‘racismo estrutural’, e a tentativa de escamoteamento da verdade”, afirmou o relator do caso, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, do TRT do Rio Grande do Sul (processo nº 0020733-97.2019.5.04.0029).

Na capital paulista, uma multinacional de tecnologia teve que pagar R$ 18 mil, por danos morais, a um funcionário transgênero. Teria havido resistência da empresa em adotar o nome social dele no crachá e no sistema interno. Além disso, ficou demonstrado que ele era alvo de piadas frequentes “por ser transexual e não ser homem de fato”. As chacotas vinham de colegas e da supervisora, que o chamava publicamente de “ela” e “aberração”.

“As declarações da testemunha deixam evidente a grave lesão moral sofrida pelo autor, estimulada pela empresa, ao dificultar o uso do nome social, e por seus prepostos, tendo em vista a conduta transfóbica da supervisão”, afirmou a juíza Alcina Maria Beres, relatora do recurso julgado pela 9ª Turma do TRT de São Paulo (processo nº 1000859-10.2016.5.02.0017).

Por motivo semelhante, um frigorífico do triângulo mineiro foi condenado em R$ 35 mil. Em depoimento à Justiça, o gerente confirmou que pediu à subordinada - transexual - que ocupasse uma função no abate “por ser homem, com mais força e resistência”.

Além de considerarem grave o tratamento no gênero masculino, os desembargadores da 1ª Turma do TRT de Minas Gerais concordaram que o frigorífico deveria adotar meios concretos e eficazes de promover “a verdadeira inclusão e promoção da igualdade de gênero”, com campanhas de conscientização e penalidades aos funcionários que discriminam colegas.

“O simples fato de a empresa entregar cartilhas contendo Código de Ética ou promover eventuais palestras, por si só, não é suficiente para combater o preconceito e orientar os funcionários”, diz o relator, desembargador Luiz Otávio Renault (processo nº 0010325-27.2019.5.03.0174).

Segundo Fernanda Perregil, sócia da consultoria P2 InterDiversidade, empresas que decidem adotar práticas ESG [Environmental, Social and Governance] devem coordenar políticas nas três letras da sigla. “Há companhias muito focadas na área ambiental, mas que não percebem que o ‘s’ do social é igualmente importante. Ou empresas que têm área de diversidade racial, mas não evitam casos de lgbtfobia. A responsabilidade e o risco reputacional sobre elas são grandes”, diz.

Em Santa Catarina, a 3ª Câmara do TRT aumentou de R$ 10 mil para R$ 40 mil a indenização por assédio moral contra um funcionário homossexual que era discriminado pelo gerente na frente dos clientes. O caso ocorreu em uma loja de uma grande varejista, que instituiu ação afirmativa para aumentar a diversidade racial na empresa.

“Tratar com publicidade e máxima divulgação a intenção de fazer discriminação positiva, mas esconder embaixo do tapete as discriminações negativas, que possuem, pelo menos, importância igual, é inaceitável porque a coerência é a primeira virtude que se deve exigir de quem quer dar exemplos”, afirma na decisão o relator do caso, desembargador José Ernesto Manzi (processo nº 0000120-53.2019.5.12.0055).

No Brasil, colegas da mesma equipe e superiores são as principais fontes de agressões (quase 57%), de acordo com a Pesquisa Latino-Americano sobre assédio, violência e discriminação à diversidade sexual no local de trabalho, realizada com o apoio da ONUSIDA (Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids).

Foram superiores que, em Minas Gerais, discriminaram uma mulher - a única da equipe - em uma mineradora. A empresa foi condenada em R$ 20 mil pelo TRT. A funcionária passou cinco anos realizando atividades de menor complexidade, como limpeza de equipamentos e recolhimento de sucatas (processo nº 0010768-07.2016.5.03.0069).

Para enfrentar o problema, de acordo com a advogada Luanda Pires, também sócia da P2 InterDiversidade, é preciso investir em uma eficiente política de inclusão e diversidade, que deve contar com o comprometimento das lideranças das empresas. “É o olhar de quem está gerindo que vai sustentar a diversidade. Se não for assim, um canal de denúncia não será efetivo e vai gerar desconfiança”, diz.

Sócia do Crivelli Advogados, Janaína Ramon afirma que outro ponto de sustentação da política é a contratação de pessoas com perfis diversos para gerar um matiz de representatividade. “Isso vale para empresas pequenas ou multinacionais. É a partir do convívio que a estigmatização é mitigada.”

Mas código de conduta, comitê de ética e treinamentos são essenciais para mostrar aos órgãos de fiscalização e à Justiça que não houve negligência da empresa para lidar com essas situações, afirma Daniela Ideses, do Bocater Advogados. Ela conta que um cliente teve denúncia arquivada no Ministério Público do Trabalho (MPT) ao demonstrar ter punido funcionário que assediava moralmente um colega. “A empresa fez tudo que podia para conter o assédio e, com isso, evitou uma condenação no âmbito administrativo.”

Fonte: Valor Econômico, 26/08/2021.
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